O Capitalismo não é o problema, é a solução - Gestão da Qualidade (2024)

Gestão da Qualidade

Eeefm Doutor Francisco De Albuquerque Montenegro

josivaldoeokara Bezerra 13/10/2024

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<p>O CAPITALISMO NÃO É O PROBLEMA, É A</p><p>SOLUÇÃO UMA VIAGEM PELA HISTÓRIA</p><p>RECENTE ATRAVÉS DE CINCO</p><p>CONTINENTES</p><p>RAINER ZITELMANN</p><p>TRADUÇÃO</p><p>PATRÍCIA CORRÊA</p><p>O CAPITALISMO NÃO É O PROBLEMA, É A SOLUÇÃO</p><p>UMA VIAGEM PELA HISTÓRIA RECENTE</p><p>ATRAVÉS DE CINCO CONTINENTES</p><p>© AlmedinA, 2022</p><p>AUTOR: Rainer Zitelmann</p><p>DIRETOR ALMEDINA BRASIL: Rodrigo Mentz</p><p>EDITOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS e HUMANAS: Marco Pace</p><p>TRADUÇÃO: Patrícia Corrêa</p><p>REVISÃO: Letícia Gabriella</p><p>DIAGRAMAÇÃO: Almedina</p><p>DESIGN DE CAPA: Roberta Bassanetto</p><p>ISBN: 9786586618877</p><p>Janeiro, 2022</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)</p><p>Zitelmann, Rainer</p><p>O capitalismo não é o problema, é a solução /</p><p>Rainer Zitelmann; tradução Patrícia Corrêa.</p><p>São Paulo : Edições 70, 2022.</p><p>Título original: The power of capitalism</p><p>ISBN 978-65-86618-87-7</p><p>1. Capitalismo – História 2. Ciências políticas</p><p>3. Comunismo 4. Economia 5. Mercados globais</p><p>6. Socialismo I. Título.</p><p>21-89278 CDD-330.12209</p><p>Índices para catálogo sistemático:</p><p>1. Capitalismo : História 330.12209</p><p>Maria Alice Ferreira – Bibliotecária – CRB-8/7964</p><p>Este livro segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).</p><p>Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, protegido por copyright, pode ser</p><p>reproduzida, armazenada ou transmitida de alguma forma ou por algum meio, seja eletrônico ou</p><p>mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenagem de informações, sem a</p><p>permissão expressa e por escrito da editora.</p><p>EDITORA: Almedina Brasil</p><p>Rua José Maria Lisboa, 860, Conj. 131 e 132, Jardim Paulista | 01423-001 São Paulo | Brasil</p><p>editora@almedina.com.br</p><p>www.almedina.com.br</p><p>S</p><p>AGRADECIMENTOS</p><p>ou grato aos amigos e especialistas que leram e discutiram versões</p><p>anteriores ou partes deste manuscrito comigo. Minhas discussões</p><p>como Dr. Gerd Kommer, o falecido Dr. Thomas Löffelholz e o Dr.</p><p>Helmut Knepel foram particularmente intensas. O Dr. Gerd Kommer é o</p><p>autor dos melhores livros sobre os mercados financeiros que conheço. O</p><p>diretor-gerente da Gerd Kommer Invest GmbH, ele me apoiou ao longo da</p><p>escrita deste livro e seus comentários e conselhos foram inestimáveis.</p><p>Minhas discussões com o Dr. Helmut Knepel, que é um ex-membro do</p><p>conselho de diretores e do conselho consultivo da Feri EuroRating AG, e o</p><p>Dr. Thomas Löffelholz, que foi o editor e editor-chefe do Die Welt durante</p><p>meu período trabalhando como editor, foram particularmente úteis para me</p><p>forçar a aguçar meu pensamento.</p><p>Devo agradecer a Christian Hiller von Gaertringen pelos valiosos</p><p>comentários sobre o capítulo da África (e não só por isso). Depois de</p><p>trabalhar como editor no Frankfurter Allgemeine Zeitung por 16 anos, ele</p><p>agora trabalha como consultor para empresas que investem na África.</p><p>Professor Dr. Karl-Werner Schulte, que é o fundador dos primeiros</p><p>programas acadêmicos na Alemanha a oferecer cursos de educação</p><p>executiva para profissionais do setor imobiliário e da IREBS Foundation</p><p>for African Real Estate Research também me deram feedback e apoio</p><p>valiosos.</p><p>O Prof. Dr. André Steiner, do Potsdam Centre for Contemporary History</p><p>e autor da obra de referência padrão sobre a economia planejada da</p><p>Alemanha Oriental, teve a gentileza de ler o capítulo sobre a economia da</p><p>Alemanha Oriental. Eu também sou grato ao Dr. Stefan Wolle, que é o</p><p>diretor acadêmico do GDR Museum em Berlim desde 2005 e escreveu</p><p>vários livros sobre a história da Alemanha Oriental, por seu apoio.</p><p>Werner Pascha, que é professor de Estudos Econômicos do Leste</p><p>Asiático/Japão e Coreia na Universidade de Duisburg-Essen, me deu</p><p>conselhos valiosos sobre a economia sul-coreana. Rüdiger Frank, que é</p><p>Professor de Economia e Sociedade do Leste Asiático na Universidade de</p><p>Viena, generosamente compartilhou seu conhecimento sobre a Coreia do</p><p>Norte. O Prof. Dr. Stefan Rinke, diretor do Instituto de Estudos da América</p><p>Latina da Universidade Livre de Berlim, e Matthias Rüb, que é o</p><p>correspondente da América Latina no Frankfurter Allgemeine Zeitung,</p><p>tiveram a gentileza de analisar com um olhar crítico os capítulos sobre</p><p>Chile e Venezuela.</p><p>SUMÁRIO</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Experimentos de campo na história humana</p><p>CAPÍTULO 1</p><p>CHINA: DA FOME AO MILAGRE ECONÔMICO</p><p>A grande fome</p><p>O caminho da China para o capitalismo</p><p>CAPÍTULO 2</p><p>ÁFRICA: CAPITALISMO É MAIS EFICAZ CONTRA A POBREZA DO</p><p>QUE AJUDA AO DESENVOLVIMENTO</p><p>Auxílio ao desenvolvimento: inútil, na melhor das hipóteses, e contra-</p><p>produtivo, na pior</p><p>Da economia de controle estatal para a economia de mercado livre?</p><p>Corrupção: causas e consequências</p><p>África: um continente em mudança</p><p>Recursos naturais: uma bênção ou uma maldição?</p><p>Empreendedores da África e nova classe média</p><p>O papel da China na África</p><p>África: uma segunda Ásia?</p><p>CAPÍTULO 3</p><p>ALEMANHA: VOCÊ NÃO PODE ULTRAPASSAR UM MERCEDES EM</p><p>UM TRABANT</p><p>A economia planejada socialista na Alemanha Oriental</p><p>“Economia social de mercado” da Alemanha Ocidental</p><p>CAPÍTULO 4</p><p>COREIA DO SUL E DO NORTE: KIM IL-SUNG VERSUS A</p><p>SABEDORIA DO MERCADO</p><p>Coreia do Norte e a doutrina de Kim Il-Sung e Kim Jong-Il</p><p>Coreia do Sul</p><p>CAPÍTULO 5</p><p>ARRISCANDO MAIS COM O CAPITALISMO: REFORMAS PRÓ-</p><p>MERCADO DE THATCHER E REAGAN NO REINO UNIDO E NOS</p><p>EUA</p><p>Reformas pró-mercado de Thatcher no Reino Unido</p><p>Reformas pró-mercado de Ronald Reagan nos EUA</p><p>CAPÍTULO 6</p><p>AMÉRICA DO SUL: POR QUE OS CHILENOS ESTÃO EM MELHOR</p><p>SITUAÇÃO DO QUE OS VENEZUELANOS?</p><p>Venezuela: ‘socialismo do século XXI’</p><p>Chile: do socialismo ao capitalismo de livre mercado</p><p>CAPÍTULO 7</p><p>SUÉCIA: O MITO DO SOCIALISMO NÓRDICO</p><p>Fase socialista da Suécia</p><p>Suécia pós-socialista</p><p>CAPÍTULO 8</p><p>LIBERDADE ECONÔMICA AUMENTA O BEM-ESTAR DOS SERES</p><p>HUMANOS</p><p>Os 12 componentes da liberdade econômica medidos no índice</p><p>O índice de desenvolvimento humano</p><p>CAPÍTULO 9</p><p>A CRISE FINANCEIRA: UMA CRISE DO CAPITALISMO?</p><p>Federal reserve causa efeito catastrófico</p><p>Empréstimos politicamente corretos</p><p>A crise da zona euro: a primazia da política</p><p>Uma falha de mercado?</p><p>CAPÍTULO 10</p><p>POR QUE OS INTELECTUAIS NÃO GOSTAM DO CAPITALISMO</p><p>Anti-capitalismo como uma segunda religião</p><p>Construções teóricas versusemergência espontânea</p><p>Excesso de confiança na aprendizagem explícita</p><p>CAPÍTULO 11</p><p>UM APELO URGENTE PARA REFORMAS PRÓ-CAPITALISTAS</p><p>Redistribuição ou crescimento econômico?</p><p>Expansão da interferência do governo</p><p>CAPÍTULO 12</p><p>BRASIL: UM PAÍS REFÉM DA SUA NOVA GÊNESE DE MATRIZ</p><p>SOCIAL-DEMOCRATA</p><p>O governo Collor (1990-1992)</p><p>O governo Itamar Franco (1993-1994)</p><p>O governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)</p><p>O governo Lula (2003-2010)</p><p>O governo Dilma Rousseff (2011-2016)</p><p>O governo Michel Temer (2016-2018)</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>P</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Experimentos de campo na história humana</p><p>ara muitas pessoas, o colapso de um regime socialista após o outro no</p><p>final dos anos 1980 estabeleceu firmemente o capitalismo de mercado</p><p>como o sistema superior. No entanto, o ressentimento anticapitalista</p><p>— às vezes latente, às vezes expresso abertamente — não só persiste em</p><p>alguns setores, como ganhou muito espaço após a crise financeira de 2008.</p><p>Os políticos tomadores de decisão, comentaristas da mídia e intelectuais</p><p>interpretam quase unanimemente a crise como uma falha do mercado, ou do</p><p>sistema capitalista, que só pode ser resolvida por mais intervenção do</p><p>governo.</p><p>Este livro foi escrito como uma resposta a esses pontos de vista e foi</p><p>movido pela preocupação de que estamos prestes a renegar as bases sobre</p><p>as quais se fundamenta nossa prosperidade econômica. Para muitas pessoas,</p><p>“capitalismo” é uma palavra suja. Embora essas conotações negativas</p><p>frequentemente remontem a muito antes da crise financeira, os proponentes</p><p>de um mercado genuinamente livre recebem cada vez mais acusações de</p><p>“radicalismo de mercado”.</p><p>Uma economia moderna pode ser organizada de acordo com um de dois</p><p>princípios básicos. No primeiro cenário, não há propriedade privada de terra</p><p>ou meios de produção. Em vez disso, todos esses ativos pertencem ao</p><p>Estado. As agências governamentais responsáveis pelo planejamento</p><p>econômico decidem o que e quanto é fabricado. No segundo</p><p>estatais não podem ir à falência. Em uma</p><p>economia de mercado, há um constante processo de seleção, o que garante a</p><p>sobrevivência de empresas bem administradas que atendem às demandas</p><p>dos consumidores, enquanto empresas mal administradas, produtoras de</p><p>bens que os consumidores não querem comprar, mais cedo ou mais tarde</p><p>irão à falência e desaparecerão do mercado. Já que as empresas públicas</p><p>não estão sujeitas a essa seleção, elas estavam frequentemente em más</p><p>condições econômicas, com menos de um terço das empresas estatais da</p><p>China (SOEs) obtendo lucro em meados da década de 1990.88</p><p>No entanto, a privatização continuou acelerada durante a década de</p><p>1990, inclusive com a abertura de capital de várias empresas. Em 1978, as</p><p>SOEs dependentes das burocracias do governo central ou local ainda</p><p>representavam 77% da produção industrial total, enquanto as empresas de</p><p>propriedade coletiva (COEs) — que, embora nominalmente pertencentes</p><p>aos trabalhadores, eram controladas pelos governos locais ou quadros</p><p>partidários — constituíam os restantes 23%. Em 1996, a participação das</p><p>empresas estatais havia caído para um terço da produção industrial total,</p><p>com as COEs (36%), as empresas privadas (19%) e as empresas com</p><p>financiamento estrangeiro (12%) representando o restante. Com o número</p><p>total de empresas estatais caindo 50% entre 1996 e 2006, entre 30 milhões e</p><p>40 milhões de pessoas empregadas por empresas estatais perderam seus</p><p>empregos.89</p><p>Uma forte competição entre as Zonas Econômicas Especiais e</p><p>Industriais surgiu em toda a China. Os investidores estrangeiros foram</p><p>recebidos de braços abertos e começaram a descobrir a China, tanto como</p><p>uma base manufatureira, quanto como um novo mercado de exportação</p><p>para bens de consumo fabricados em outros lugares.</p><p>Como isso aconteceu? A liderança política chinesa nunca seguiu uma</p><p>política oficial de privatização de empresas públicas.90 Em vez disso, a</p><p>esperança era ser capaz de manter a propriedade pública, concedendo um</p><p>nível suficiente de autonomia às empresas em questão e incentivando</p><p>adequadamente sua gestão. No entanto, essa abordagem falhou por razões</p><p>analisadas pelo renomado economista chinês Zhang Weiying: a partir de</p><p>meados da década de 1990, muitas das empresas públicas, que já haviam</p><p>alcançado um alto nível de autonomia, passaram a vender seus produtos a</p><p>preços muito baixos, frequentemente abaixo do custo de produção. As</p><p>perdas incorridas foram absorvidas por subsídios governamentais.91</p><p>Em uma economia de mercado baseada na propriedade privada, existem</p><p>fortes incentivos para que as empresas construam e mantenham uma boa</p><p>reputação. Para as empresas estatais da China, isso era muito menos</p><p>importante. Seus executivos estavam mais interessados em aumentar sua</p><p>receita em curto prazo. Como não há como os consumidores sancionarem</p><p>práticas desonestas de executivos de empresas públicas, a fraude foi um</p><p>problema frequente.92 Não ter a liberdade de negociar o nome da empresa</p><p>— na qual está embutido o valor do ativo intangível da reputação — no</p><p>mercado livre removeu ainda mais o incentivo para proteger a reputação de</p><p>uma empresa.</p><p>Houve, também, uma série de privatizações que aconteceram</p><p>espontaneamente ou por instigação dos governos locais. Muitas empresas</p><p>estatais não eram competitivas o suficiente para sobreviver nas condições</p><p>de mercado. Como Zhang demonstra, a descentralização e a introdução da</p><p>competição econômica desencadearam uma dinâmica que fez com que a</p><p>participação das empresas estatais caísse de cerca de 80% da produção</p><p>industrial total em 1978 para pouco mais de um quarto em 1997. Mais uma</p><p>vez, as forças de mercado da competição econômica provara ser “muito</p><p>mais poderosas do que a ideologia”, apesar do fato de que a privatização</p><p>nunca foi adotada como uma política oficial do governo.93</p><p>Para entender a dinâmica das reformas chinesas, é crucial notar que a</p><p>extensão em que foram iniciadas “de cima” foi apenas uma parte do todo.</p><p>Muitos fatores contribuintes aconteceram espontaneamente — um triunfo</p><p>das forças de mercado sobre a política governamental. “As principais</p><p>inovações institucionais foram instigadas, não nos escritórios do</p><p>Politburo94, mas por inúmeros agentes anônimos atuando em nível local e,</p><p>em muitos casos, contra as regras.”95</p><p>Esta é uma das razões pelas quais a economia de mercado chinesa</p><p>funciona melhor do que os “mercados livres” na Rússia e em outros países</p><p>do antigo bloco oriental comunista, onde as reformas foram frequentemente</p><p>impostas de um dia para o outro, ao invés de evoluir lentamente de baixo</p><p>para cima. Na China, isso era mais facilmente possível porque, mesmo sob</p><p>Mao, o governo nunca havia seguido uma política econômica prática tão</p><p>rigorosa quanto na União Soviética, por exemplo. Embora o planejamento</p><p>econômico ainda esteja teoricamente em vigor na China hoje, a economia</p><p>chinesa nunca esteve sujeita aos mesmos controles rígidos e metas</p><p>estabelecidas pelo governo como outras economias planejadas mais</p><p>tradicionais.</p><p>“Na China, as instituições políticas agindo de acordo com o plano</p><p>não constituem necessariamente o estado normal das coisas. Em vez</p><p>disso, suas ações rotineiramente vão contra o plano, comprometendo ou</p><p>neutralizando os regulamentos. Apesar da profissionalização dos</p><p>processos burocráticos, os indivíduos em altos cargos detêm uma grande</p><p>autoridade para contornar ou interpretar os regulamentos de maneiras</p><p>idiossincráticas.”96</p><p>Esta descrição representa a transformação da China do socialismo para o</p><p>capitalismo. Embora termos como “socialismo”, “planejamento</p><p>econômico”, “Marxismo” e “pensamento de Mao Zedong” permaneçam em</p><p>uso, eles ou se tornaram irrelevantes por reinterpretações contemporâneas,</p><p>ou um novo significado foi atribuído em oposição diametral ao seu</p><p>conteúdo original. Isso provavelmente contribuiu muito para a transição</p><p>tranquila de uma economia planejada socialista para o capitalismo de livre</p><p>mercado.</p><p>Embora o partido no poder da China continue a se referir a si mesmo</p><p>como “comunista”, na realidade agora é comunista apenas no nome. É certo</p><p>que a China não se tornou uma democracia, mas essa nunca foi a intenção</p><p>de Deng. Ao mesmo tempo, seria igualmente errado negar que o sistema</p><p>político passou por mudanças significativas. A remoção dos cargos de</p><p>influência daqueles dentro do partido que permaneceram fiéis ao legado</p><p>socialista de Mao e lutaram contra as reformas, temendo, com bons</p><p>motivos, que levassem a China ao capitalismo, foi o pré-requisito para o</p><p>sucesso de uma transformação que, por sua vez, levou ao que foi</p><p>provavelmente o maior e mais rápido crescimento em prosperidade da</p><p>história da humanidade.</p><p>O desenvolvimento da China nas últimas décadas demonstra que a</p><p>aceleração do crescimento econômico — mesmo quando acompanhado</p><p>pelo aumento da desigualdade — beneficia a maioria da população.</p><p>Centenas de milhões de pessoas na China estão muito melhores hoje como</p><p>resultado direto da instrução de Deng “deixe algumas pessoas ficarem ricas</p><p>primeiro”. Os resultados confirmam que Deng estava certo ao fazer do</p><p>desenvolvimento econômico a principal prioridade de seu governo: as</p><p>regiões com o crescimento mais rápido do PIB também viram a queda mais</p><p>rápida na taxa de pobreza. A extensão em que a mobilidade de renda</p><p>aumentou em todo o país também é muito notável.97 A lacuna entre ricos e</p><p>pobres também aumentou durante este período, elevando o coeficiente de</p><p>Gini nacional, que mede a diferença de renda, para 0,47 em 2012 (um nível</p><p>no qual manteve-se estável até hoje). É importante notar que a distribuição</p><p>de renda é mais igual nas áreas urbanas do que nas rurais.</p><p>Nesse contexto, Zhang aponta uma série de descobertas aparentemente</p><p>paradoxais baseadas em sua análise de estatísticas inter-regionais. A</p><p>diferença de renda relativa é mais estreita nas regiões com o maior PIB per</p><p>capita, enquanto “regiões com crescimento de renda relativamente baixo</p><p>têm as diferenças de renda relativa maiores”.98</p><p>Embora fosse de se esperar que as regiões onde as empresas estatais</p><p>restantes tenham uma parcela maior da economia apresentassem</p><p>diferenças</p><p>de renda menores do que aquelas com parcelas maiores de empresas</p><p>privadas, as estatísticas mostram que o oposto é verdadeiro. Da mesma</p><p>forma, pode-se esperar que a distribuição de renda seja menos desigual em</p><p>regiões com maiores gastos do governo em proporção do PIB. Novamente,</p><p>o oposto é verdadeiro.99 Zhang cita uma série de outras estatísticas que</p><p>desmentem os clichês, incluindo a observação de que as diferenças de renda</p><p>são menores em áreas onde os mercados são mais abertos e as empresas</p><p>obtêm os maiores lucros.100</p><p>Apesar de todos os desenvolvimentos positivos que a China viu nas</p><p>últimas décadas, ainda há muito a ser feito. Embora seu crescimento</p><p>econômico tenha sido acompanhado por um aumento da liberdade</p><p>econômica, ainda existem déficits em muitas áreas. Embora o Índice de</p><p>Liberdade Econômica de 2018 classifique a China entre os países com</p><p>maior crescimento em liberdade econômica,101 na classificação geral ele</p><p>ainda permanece em 110º lugar.102 Em termos de indicadores individuais</p><p>(ver o Capítulo 8 para obter informações mais detalhadas), a pontuação da</p><p>China para “saúde fiscal”, “liberdade comercial”, “gastos do governo”,</p><p>“liberdade monetária” e “carga tributária” já está dentro da faixa aceitável.</p><p>Infelizmente, o mesmo não pode ser dito para “liberdade de investimento”,</p><p>“liberdade financeira”, “direitos de propriedade”, “integridade</p><p>governamental” e “liberdade empresarial”.</p><p>Em outras palavras, a China tem uma grande necessidade de novas</p><p>reformas e um grande potencial para melhorias e crescimento. Zhang, que,</p><p>além de ser certamente o analista mais astuto da economia chinesa,</p><p>contribuiu significativamente para o seu desenvolvimento, destaca:</p><p>“As reformas da China começaram com um governo todo-poderoso</p><p>sob a economia planejada. A razão pela qual a China foi capaz de</p><p>sustentar seu crescimento econômico durante o processo de reforma foi</p><p>porque o governo interveio menos e a proporção de empresas estatais</p><p>diminuiu, e não o oposto. Foi precisamente o relaxamento do controle</p><p>governamental que gerou preços de mercado, empresas em nome</p><p>individual, empresas nas cidades e nas vilas, empresas privadas,</p><p>empresas estrangeiras e outras entidades não estatais.”103</p><p>Tudo isso, observado em conjunto, foi o que formou a base para o</p><p>crescimento econômico sem precedentes da China.</p><p>Os comentaristas frequentemente citam a forte influência do Estado na</p><p>transformação econômica do país como evidência de que o caminho da</p><p>China para o capitalismo foi um caso especial. No entanto, dada a natureza</p><p>dessa transformação de uma economia socialista controlada pelo Estado</p><p>para uma economia capitalista, isso é menos excepcional do que pode</p><p>parecer à primeira vista. Em muitos aspectos, não havia nada de especial no</p><p>caminho que a China tomou, como Zhang aponta:</p><p>“Na verdade, o desenvolvimento econômico da China é</p><p>fundamentalmente o mesmo que alguns desenvolvimentos econômicos</p><p>nos países ocidentais — como a Grã-Bretanha durante a Revolução</p><p>Industrial, os EUA no final do século 19 e início do século 20, e alguns</p><p>países do Leste Asiático, como Japão e Coreia do Sul após a Segunda</p><p>Guerra Mundial. Uma vez que as forças de mercado são introduzidas e</p><p>os incentivos certos são estabelecidos para as pessoas buscarem riqueza,</p><p>o milagre do crescimento virá mais cedo ou mais tarde.”104</p><p>Em última análise, o segredo do sucesso da China foi a liberalização</p><p>gradual da economia do controle estatal e a reorientação das aspirações dos</p><p>cargos no governo para o empreendedorismo. Este último fator, em</p><p>particular, é uma lição a que aconselha-se que outros países — que estejam</p><p>embarcando no caminho para o capitalismo, o crescimento econômico e a</p><p>prosperidade — deem atenção: “Assim, podemos concluir que a alocação</p><p>de talentos empreendedores entre o governo e as empresas é um dos</p><p>determinantes mais importantes — mesmo que não o único determinante —</p><p>do desenvolvimento de uma economia.”105 A importância dessa observação</p><p>não pode ser sobrestimada: antes das reformas, rendas mais altas e status</p><p>social eram reservados para aqueles que trabalhavam no governo. Como</p><p>Zhang aponta, “Ao longo da década de 1980, o empreendedorismo ocupava</p><p>uma posição muito baixa em status social e político, e o trabalho</p><p>governamental ainda era a ocupação mais atraente para todos os</p><p>chineses”.106</p><p>As coisas finalmente começaram a mudar na década de 1990, quando a</p><p>liberalização começou a ganhar força, após o XIV Congresso do Partido</p><p>Comunista Chinês em particular. Cada vez mais, os talentos mais brilhantes</p><p>não desejavam mais trabalhos seguros como funcionários do governo — em</p><p>vez disso, sua maior ambição era se tornarem empresários, o que</p><p>aumentaria seu status junto com sua renda. Os chineses rurais foram os</p><p>primeiros a abraçar o trabalho autônomo, seguido por uma segunda fase de</p><p>ex-funcionários públicos assumindo empresas que antes administravam</p><p>como funcionários do governo. Finalmente, muitos dos dezenas de milhares</p><p>de jovens chineses que retornaram de seus estudos no exterior se juntaram</p><p>ao grupo dos novos empresários.107</p><p>Nada disso teria sido possível se não fosse pela legalização do direito à</p><p>propriedade privada. Esta não foi uma transição da noite para o dia para</p><p>direitos de propriedade completos no estilo ocidental, mas sim um processo</p><p>gradual que começou no início dos anos 1980 e, em 2004, culminou na</p><p>introdução de uma nova constituição, que reconheceu oficialmente, os</p><p>direitos de propriedade privada.108 Houve muitas medidas provisórias,</p><p>incluindo a transição gradual das empresas públicas para a propriedade de</p><p>sua gestão.</p><p>Como Zhang enfatiza, esse processo de transformação está longe de ser</p><p>concluído hoje: “O controle do governo sobre grandes quantidades de</p><p>recursos e a intervenção excessiva na economia são a causa direta do</p><p>nepotismo entre oficiais e empresários, são um terreno fértil para a</p><p>corrupção governamental, cultura comercial seriamente corrupta, e</p><p>prejudicam as regras do jogo do mercado.” Consequentemente, ele vê uma</p><p>forte necessidade de novas reformas “em direção à mercantilização,</p><p>redução do controle do governo sobre os recursos e intervenção na</p><p>economia, e a criação de uma verdadeira sociedade de Estado de direito e</p><p>políticas democráticas”.109 Resta saber se a China seguirá ou não esse</p><p>caminho.</p><p>O processo de reforma nunca foi tranquilo e consistente — ao contrário,</p><p>foi marcado por retrocessos frequentes, especialmente nos últimos anos,</p><p>quando instâncias de intervenção governamental na economia atrasaram o</p><p>processo de reforma. O desenvolvimento positivo da China continuará</p><p>apenas se ela permanecer fiel ao seu curso atual de direcionar a economia</p><p>para a introdução de mais elementos de mercado livre, que têm sido a base</p><p>para o enorme sucesso do país nas últimas décadas. “Dos anos 1950 a 30</p><p>anos atrás, acreditamos na economia planejada”, diz Zhang.</p><p>“O resultado foi um desastre tremendo. Se continuarmos a depositar</p><p>nossas esperanças no plano do governo e a usar grandes empresas</p><p>estatais para desenvolver a economia da China, não teremos</p><p>absolutamente nenhuma perspectiva para o futuro. Somente se</p><p>seguirmos em direção à lógica do mercado, o futuro da China será</p><p>brilhante!”110</p><p>Em agosto de 2018, fiz um tour por cinco metrópoles chinesas. Diante</p><p>de uma grande audiência em uma palestra em Xangai, pedi a todos que</p><p>levantassem as mãos se estivessem melhor hoje do que seus pais há 30</p><p>anos. Todas as mãos foram levantadas. Então, em Pequim, tive o prazer de</p><p>conhecer o professor Zhang Weiying. Falamos longamente sobre o</p><p>desenvolvimento econômico da China. Ele me disse que o maior equívoco</p><p>na China hoje é que alguns políticos e economistas acreditam que o</p><p>crescimento impressionante do país é o resultado de um “jeito chinês”</p><p>especial com alto grau de influência do Estado. O professor Zhang Weiying</p><p>enfatizou que é importante entender que o milagre econômico chinês não</p><p>aconteceu “por causa, mas apesar” da influência sustentada do Estado.</p><p>-</p><p>23 Citado em Jung Chang e Jon Halliday, Mao: The Unknown Story (London: Jonathan Cape,</p><p>2005), 519.</p><p>24 Frank Dikötter,</p><p>Mao’s Great Famine: The History of China’s Most Devastating Catastrophe,</p><p>1958–62 (London: Bloomsbury, 2010), 27.</p><p>25 Ibid., 32.</p><p>26Citado em Chang and Halliday, Mao, 529.</p><p>27 Ibid., 529–530.</p><p>28 Felix Wemheuer, Der große Hunger: Hungersnöte unter Stalin und Mao (Berlin: Rotbuch</p><p>Verlag, 2012), 194–195.</p><p>29 Dikötter, Mao’s Great Famine, xii.</p><p>30 Ibid., xiii.</p><p>31 Wemheuer, Der große Hunger, 203.</p><p>32 Citado em Felix Lee, Macht und Moderne: Chinas großer Reformer Deng Xiaoping – Die</p><p>Biographie (Berlin: Rotbuch Verlag, 2014), 80.</p><p>33 Dikötter, Mao’s Great Famine, 320–321.</p><p>34 Chang and Halliday, Mao, 533.</p><p>35 Wemheuer, Der große Hunger, 169</p><p>36 Chang and Halliday, Mao, 531</p><p>37 Dikötter, Mao’s Great Famine, 57.</p><p>38 Ibid., 61.</p><p>39 Chang and Halliday, Mao, 526.</p><p>40 Dikötter, Mao’s Great Famine, 60.</p><p>41 Chang and Halliday, Mao, 526.</p><p>42Ibid., 527.</p><p>43 Ronald Coase e Ning Wang, How China Became Capitalist (New York: Palgrave MacMillan,</p><p>2012), 15.</p><p>44 Chang and Halliday, Mao, 520.</p><p>45 Ibid., 15.</p><p>46 Dikötter, Mao’s Great Famine, 128.</p><p>47 Ibid., 137.</p><p>48 Chang and Halliday, Mao, 525.</p><p>49 Wemheuer, Der große Hunger, 189.</p><p>50 Dikötter, Mao’s Great Famine, 133.</p><p>51 Wemheuer, Der große Hunger, 193.</p><p>52Citado em ibid., 181.</p><p>53 Dikötter, Mao’s Great Famine, 117.</p><p>54 Ibid., 92.</p><p>55 Citado em Chang and Halliday, Mao, 535.</p><p>56Citado em ibid., 535.</p><p>57 Citado em Dikötter, Mao’s Great Famine, 100.</p><p>58 Coase and Wang, How China Became Capitalist, 32.</p><p>59Ibid., 33.</p><p>60 Lee, Macht und Moderne, 165.</p><p>61 Coase and Wang, How China Became Capitalist, 33.</p><p>62 Tobias ten Brink, Chinas Kapitalismus: Entstehung, Verlauf, Paradoxien (Frankfurt: Campus</p><p>Verlag, 2013), 106.</p><p>63 Coase and Wang, How China Became Capitalist, 34.</p><p>64 Lee, Macht und Moderne, 159.</p><p>65 Coase and Wang, How China Became Capitalist, 47</p><p>66 Ibid., 49.</p><p>67 Ibid., 54.</p><p>68 Ten Brink, Chinas Kapitalismus, 118.</p><p>69 Ibid., 84.</p><p>70 Ibid., 170.</p><p>71 Coase and Wang, How China Became Capitalist, 58</p><p>72 Ibid., 68.</p><p>73 Ibid., 75–78.</p><p>74 Ibid., 60.</p><p>75 Lee, Macht und Moderne, 188–189.</p><p>76Ibid., 191.</p><p>77 Ten Brink, Chinas Kapitalismus, 177.</p><p>78 Ibid., 178.</p><p>79 Coase and Wang, How China Became Capitalist, 92.</p><p>80 Amnesty International, China: The Massacre of June 1989 and Its Aftermath, acessado em 20</p><p>de Junho de 2018, https://www.amnesty.org/download/Documents/200000/asa170091990en.pdf</p><p>81 Lee, Macht und Moderne, 256.</p><p>82 Ibid., 258.</p><p>83 Citado em Coase and Wang, How China Became Capitalist, 117.</p><p>84 Citado em ibid., 120–121.</p><p>85 Ibid., 123.</p><p>86 Ibid., 124.</p><p>87 Ten Brink, Chinas Kapitalismus, 123.</p><p>88 Coase and Wang, How China Became Capitalist, 143.</p><p>89 Ten Brink, Chinas Kapitalismus, 126–127.</p><p>90 Zhang, The Logic of the Market, 79.</p><p>91 Ibid., 61 et seq.</p><p>92 Ibid., 75–76.</p><p>93Ibid., 79.</p><p>94 Comitê central do Partido Comunista Chinês</p><p>95 Ten Brink, Chinas Kapitalismus, 114.</p><p>96Ibid., 269.</p><p>97 Zhang, The Logic of the Market, 286.</p><p>98Ibid., 287.</p><p>99Ibid., 288.</p><p>100 Ibid., 290.</p><p>101 Heritage Foundation, 2018 Index of Economic Freedom (Washington, DC: Institute for</p><p>Economic Freedom, 2018), 39–40.</p><p>102 Ver ibid., 5.</p><p>103 Zhang, The Logic of the Market, xii–xiii.</p><p>104 Ibid., 158.</p><p>105 Ibid., 162.</p><p>106 Ibid., 177.</p><p>107 Ibid., 185 et seq.</p><p>108 Ibid., 161.</p><p>109 Ibid., xiii–xiv.</p><p>110 Ibid., 18.</p><p>E</p><p>CAPÍTULO 2</p><p>ÁFRICA: CAPITALISMO É MAIS</p><p>EFICAZ CONTRA A POBREZA DO</p><p>QUE AJUDA AO DESENVOLVIMENTO</p><p>m 1990, a ONU assumiu o compromisso de reduzir a pobreza global</p><p>em 50% em 25 anos. O fato de essa meta ambiciosa ter sido</p><p>alcançada se deve em grande parte ao sucesso da China. No mesmo</p><p>período, a porcentagem da população vivendo abaixo do nível de pobreza</p><p>diminuiu de 56,8% para 42,7% em todo o continente africano.111 No</p><p>entanto, com 20% dos africanos sofrendo de fome — uma porcentagem</p><p>maior do que em qualquer outro lugar do mundo — ainda há um longo</p><p>caminho a percorrer.112</p><p>O continente africano tem um histórico sem precedentes de dar origem</p><p>às impressões distorcidas. Em maio de 2000, The Economist publicou uma</p><p>reportagem de capa intitulada “O Continente Sem Esperança”. A imagem</p><p>da capa mostrava um homem africano fortemente armado. Quase 12 anos</p><p>depois, em dezembro de 2011, outra capa dedicada à África mostrava um</p><p>africano empinando uma pipa, com a manchete “Ascensão africana”.113 O</p><p>editor-chefe da revista admite com pesar: “As pessoas fizeram um grande</p><p>esforço para me mostrar que se você investisse em uma cesta de ações</p><p>africanas no dia em que declaramos a África um ‘continente sem</p><p>esperança’, você estaria se dando muito bem hoje.”114 De fato, os</p><p>investidores que compraram ações na NSE All Share Kenia em 2012 teriam</p><p>dobrado seu dinheiro em cinco anos.</p><p>As ideias ocidentais sobre a vida africana tendem a evocar imagens de</p><p>um tipo diferente — animais majestosos ou humanos vivendo em uma</p><p>miséria deplorável. “Os africanos que não são animais, déspotas ou Nelson</p><p>Mandela são retratados como sofredores da pobreza, guerra e doenças.</p><p>Lembre-se dos dois últimos filmes que você viu com africanos neles. Você</p><p>vai entender o que quero dizer”,115 diz o especialista em África Jonathan</p><p>Berman em seu livro Success in Africa. As estrelas pop ocidentais que</p><p>realizam grandes shows em estádios para arrecadar dinheiro e</p><p>conscientização para a luta contra a pobreza na África fizeram sua parte</p><p>para popularizar essa imagem, que, embora não seja totalmente errada, é</p><p>enganosa, porque mostra apenas parte do cenário. Sua agenda ecoa as</p><p>demandas feitas pelos críticos de esquerda da globalização por mais ajuda</p><p>financeira para a África. Esta, eles acreditam, é a solução para os problemas</p><p>do continente.</p><p>O auxílio ao desenvolvimento tem um belo elo moral e, na opinião de</p><p>algumas pessoas, constitui uma espécie de expiação quase religiosa pelos</p><p>pecados do colonialismo e da “exploração do Terceiro Mundo” pelos países</p><p>capitalistas. Mas ele realmente alcança o que seus defensores esperam? Em</p><p>2002, o então presidente senegalês Abdoulaye Wade disse: “Nunca vi um</p><p>país se desenvolver por meio de ajuda ou crédito. Os países que se</p><p>desenvolveram — na Europa, América, Japão, e outros países asiáticos</p><p>como Taiwan, Coreia e Singapura — acreditam em mercados livres. Não há</p><p>mistério aí. A África tomou o caminho errado depois da independência.”116</p><p>O caminho a que ele se refere, tomado pela maioria dos países africanos</p><p>após o colonialismo, foi o socialismo, de uma forma ou de outra.</p><p>No Egito, o “Nasserismo” foi introduzido como uma versão árabe do</p><p>socialismo. A Eritreia começou a adotar um Marxismo-Leninismo de estilo</p><p>albanês no início da década de 1990, enquanto Gana seguia o modelo</p><p>soviético de uma economia socialista planejada e coletivização da</p><p>agricultura. O Congo era governado por um partido com uma ideologia</p><p>marxista-leninista, enquanto Madagascar adotava uma constituição</p><p>socialista baseada no modelo da China e da Coreia do Norte. Moçambique</p><p>era governado por um partido marxista-leninista. Angola, Mali, Guiné,</p><p>Uganda, Senegal, Sudão, Somália, Zâmbia, Zimbábue, Tanzânia e outros</p><p>países africanos também aderiram a modelos socialistas. Muitos africanos</p><p>sonhavam com uma forma distinta de “socialismo africano” que se baseava</p><p>em valores indígenas como o conceito de comunidades tribais, e deveria</p><p>oferecer uma alternativa ao capitalismo tanto quanto às versões de</p><p>socialismo praticadas na União Soviética e em outros países do bloco</p><p>oriental.</p><p>Os resultados econômicos foram ainda mais desastrosos do que nos</p><p>países socialistas do bloco oriental. Um sistema econômico falho é apenas</p><p>um dos muitos fatores causando pobreza na África, onde ainda faltam</p><p>instituições políticas estáveis em muitos países, enquanto as guerras civis</p><p>entre tribos inimigas ou grupos étnicos diferentes continuam a separar o</p><p>continente.</p><p>Auxílio ao desenvolvimento: inútil, na melhor das hipóteses, e contra-</p><p>produtivo, na pior</p><p>Dambisa Moyo, nascida na Zâmbia, que estudou em Harvard e fez</p><p>doutorado em Oxford, aponta a ajuda ocidental ao desenvolvimento como</p><p>uma das razões para o fracasso em livrar a África da pobreza. “Nos últimos</p><p>cinquenta anos, mais de US$ 1 trilhão</p><p>em ajuda relacionada ao</p><p>desenvolvimento foi transferido dos países ricos para a África”, ressalta</p><p>Moyo em seu livro de 2009, Dead Aid.</p><p>“Mas mais de US$ 1 trilhão em assistência ao desenvolvimento nas</p><p>últimas décadas melhorou a situação dos africanos? Não. Na verdade,</p><p>em todo o mundo, os receptores dessa ajuda estão em uma situação pior;</p><p>muito pior. A ajuda ajudou a tornar os pobres mais pobres e o</p><p>crescimento mais lento ...</p><p>A noção de que a ajuda pode aliviar a pobreza sistêmica, e tem feito</p><p>isso, é um mito. Milhões na África estão mais pobres hoje por causa da</p><p>ajuda; a miséria e a pobreza não acabaram, mas aumentaram. A ajuda</p><p>foi, e continua a ser, um desastre político, econômico e humanitário</p><p>absoluto para a maior parte do mundo em desenvolvimento.”117</p><p>Para deixar claro, a crítica de Moyo não é dirigida contra o alívio à fome</p><p>e de desastres especificamente, mas contra as transferências financeiras de</p><p>longo prazo destinadas a impulsionar o desenvolvimento econômico. Esses</p><p>fundos frequentemente acabam nas mãos de déspotas corruptos, e não nas</p><p>mãos dos pobres.</p><p>“Mesmo quando a ajuda não foi roubada, ela foi improdutiva. O</p><p>verdadeiro teste será a prática, e muito claramente a preponderância da</p><p>evidência está deste lado. Dada a atual situação econômica da África, é</p><p>difícil ver como qualquer crescimento registrado é um resultado direto</p><p>do auxílio. Na verdade, as evidências dos últimos cinquenta anos</p><p>apontam para o contrário — crescimento mais lento, maior pobreza, e a</p><p>África ficou de fora da escada econômica.”118</p><p>Um estudo do Banco Mundial descobriu que até 85% dos fluxos de</p><p>ajuda foram usados “para fins diferentes daqueles para os quais foram</p><p>inicialmente destinados, muitas vezes desviados para empreendimentos</p><p>improdutivos, se não grotescos”.119 Mesmo quando esses fundos são gastos</p><p>em projetos que alcançam resultados positivos, suas consequências de</p><p>longo prazo frequentemente superam quaisquer ganhos de curto prazo. Para</p><p>ilustrar esse efeito pernicioso, Moyo conta a história de um fabricante local</p><p>de mosquiteiros que fabrica cerca de 500 mosquiteiros por semana. Cada</p><p>um dos seus dez funcionários sustenta pelo menos 15 parentes. Então, uma</p><p>estrela do cinema de Hollywood bem intencionada convence os governos</p><p>ocidentais a coletar e enviar 100.000 mosquiteiros para a região, ao custo de</p><p>um milhão de dólares. Os mosquiteiros chegam, colocando prontamente o</p><p>fabricante dos mosquiteiros fora do mercado e obrigando os 150</p><p>dependentes de seus trabalhadores a viver de doações.120</p><p>Como Moyo aponta, a pobreza na África aumentou de 11% para 66%</p><p>entre 1970 e 1998, quando os fluxos de ajuda para a África estavam em seu</p><p>pico.121 Ela argumenta que a ajuda externa</p><p>“apoia governos corruptos — fornecendo-lhes dinheiro que pode ser</p><p>usado livremente. Esses governos corruptos interferem no estado de</p><p>direito, no estabelecimento de instituições civis transparentes e na</p><p>proteção das liberdades civis, tornando tanto o investimento doméstico</p><p>quanto o estrangeiro nos países pobres pouco atraentes.”122</p><p>Isso, por sua vez, inibe o desenvolvimento de uma economia capitalista</p><p>ativa, e, portanto, leva à estagnação econômica e a uma “cultura de</p><p>dependência de auxílio” que incentiva “os governos a apoiar setores</p><p>públicos grandes, de difícil controle e, muitas vezes, improdutivos —</p><p>apenas outra forma de recompensar seus comparsas”.123</p><p>James Shikwati, diretor da Rede Econômica Interregional em Nairóbi,</p><p>Quênia, confirma: “Se o Ocidente cancelasse esses pagamentos, os</p><p>africanos comuns nem perceberiam. Apenas os funcionários seriam</p><p>duramente atingidos”.124 Shikwati explica:</p><p>“Enormes burocracias são financiadas, a corrupção e a complacência</p><p>são promovidas, os africanos são ensinados a ser mendigos e a não</p><p>serem independentes. Além disso, o auxílio ao desenvolvimento</p><p>enfraquece os mercados locais em todos os lugares e diminui o espírito</p><p>de empreendedorismo de que tanto precisamos. Por mais absurdo que</p><p>possa parecer: o auxílio ao desenvolvimento é uma das razões dos</p><p>problemas da África.”125</p><p>William Easterly, professor de Economia e Estudos Africanos na</p><p>Universidade de Nova York, acredita que a ajuda externa é amplamente</p><p>inútil e frequentemente contraproducente. Ao longo de duas décadas, “os</p><p>doadores de ajuda externa gastaram dois bilhões de dólares na Tanzânia ...</p><p>construindo estradas”, ele relata. “A rede rodoviária não melhorou. As</p><p>estradas se deterioraram mais rápido do que os doadores construíram novas,</p><p>devido à falta de manutenção.” Enquanto as estradas ficaram em mau</p><p>estado, a burocracia prosperou. “A Tanzânia produziu mais de 2.400</p><p>relatórios por ano para seus doadores de ajuda, que enviaram ao</p><p>beneficiário necessitado mil missões de doadores oficiais por ano.” A ajuda</p><p>externa falhou em abastecer as estradas que eram extremamente</p><p>necessárias, embora “tenha fornecido muito de algo para o que os pobres</p><p>provavelmente tinham pouco uso”.126</p><p>Da economia de controle estatal para a economia de mercado livre?</p><p>Se o auxílio ao desenvolvimento para os países africanos provou ser, em</p><p>grande parte, inútil, ou mesmo contraproducente, o afastamento dos</p><p>sistemas controlados pelo Estado para os sistemas de mercado livre trouxe</p><p>melhores resultados? No final da década de 1980, quando o colapso do</p><p>socialismo na União Soviética e nos países do bloco oriental demonstrou,</p><p>de modo convincente, o triunfo do capitalismo como sistema superior,</p><p>muitos países africanos começaram a privatizar suas economias, dando as</p><p>costas aos modelos controlados pelo Estado. Em 1990, 40 países da África</p><p>subsaariana concordaram em reestruturar medidas propostas pelo Fundo</p><p>Monetário Internacional (FMI). Isso incluiu a privatização de empresas</p><p>públicas como um componente chave. Em todos os setores — fabricação e</p><p>indústria, agricultura, turismo, serviços, comércio, transporte, finanças,</p><p>energia, mineração, água, eletricidade e telecomunicações — “a</p><p>participação do governo no capital corporativo caiu de quase 90 por cento</p><p>para apenas 10 por cento da propriedade em seis anos”.127</p><p>Países como a Nigéria, que hoje é um dos principais líderes econômicos</p><p>do continente junto com a África do Sul, desregulamentaram</p><p>completamente todos os antigos monopólios estatais para estabelecer um</p><p>sistema de livre mercado. Com uma única exceção — a Eritreia, que</p><p>manteve uma economia controlada pelo Estado —, os sistemas mais ou</p><p>menos orientados para o mercado livre são dominantes em todo o</p><p>continente africano hoje,128 embora continuem a ser atormentados por</p><p>problemas significativos que dificultam o crescimento econômico. Embora</p><p>a privatização tenha criado uma importante pré-condição para resolver esses</p><p>problemas, ela provou ser apenas uma condição necessária para mais</p><p>crescimento, não sendo suficiente para superar as causas muito mais</p><p>complexas da pobreza em toda a África. Em muitos países, o</p><p>desenvolvimento econômico é impedido por enormes dívidas, enquanto a</p><p>privatização fez pouco para combater a corrupção e as mentalidades</p><p>culturais que representam obstáculos ao crescimento.</p><p>Easterly fornece muitas evidências do mundo real para uma explicação</p><p>que é crucial para a compreensão da evolução do capitalismo: “Os</p><p>mercados livres funcionam, mas as reformas do mercado livre muitas vezes</p><p>não funcionam”.129 Por natureza, e em distinto contraste com os modelos</p><p>socialistas de planejamento econômico, o capitalismo é uma ordem social</p><p>que surge como resultado de um desenvolvimento espontâneo, ao invés de</p><p>um sistema que depende da invenção e de projetos humanos. As tentativas</p><p>de cima para baixo do Banco Mundial e do FMI de impor uma economia de</p><p>mercado livre aos países africanos no início da década de 1990 estavam</p><p>fadadas ao fracasso, da mesma forma que qualquer tentativa de impor a</p><p>democracia em um país sem tradições democráticas orgânicas.</p><p>“Tentar mudar as regras de uma vez com a rápida introdução de</p><p>mercados livres rompeu os antigos laços, enquanto as novas instituições</p><p>formais ainda eram muito fracas para fazer os mercados livres</p><p>funcionarem bem. O movimento gradual para mercados mais livres teria</p><p>dado aos participantes mais tempo para ajustar seus relacionamentos e</p><p>negociações.”130</p><p>Ao contrário dos equívocos comuns, há mais no capitalismo e na</p><p>economia de livre mercado do que privatização. O Índice de Liberdade</p><p>Econômica, publicado anualmente pela Heritage Foundation, usa 12</p><p>critérios para medir a liberdade econômica.131 O índice de 2018 mostra uma</p><p>perspectiva desanimadora para a grande maioria dos países africanos. Além</p><p>da Coreia do Norte e da Venezuela, a categoria de pontuação mais baixa é</p><p>composta em grande parte por países africanos, incluindo Zimbábue,</p><p>Argélia, Guiné, Angola, Sudão e Moçambique.</p><p>Uma análise mais detalhada dos fatores por trás da falta de liberdade</p><p>econômica nesses países aponta três questões principais. No índice da</p><p>Heritage Foundation, os países da África subsaariana têm a pontuação mais</p><p>baixa em “direitos de propriedade”, “eficácia judicial” e “integridade do</p><p>governo”.132 Em outras palavras, os direitos de propriedade não são</p><p>garantidos de forma suficiente, nem há qualquer garantia do processo</p><p>judicial justo.</p><p>Corrupção: causas e consequências</p><p>A corrupção administrativa e política ainda prevalece nesses países. A</p><p>Namíbia, que alcançou uma pontuação geral de 58,5 de 100 para “liberdade</p><p>econômica” no índice da Heritage Foundation, obteve apenas 45,4 para</p><p>“integridade do governo”, enquanto o Zimbábue se saiu ainda pior com</p><p>uma pontuação de 18,9 de 100133 (em comparação com 71,9 para os EUA,</p><p>75,3 para a Alemanha e 93,6 para a Noruega).134 As análises da organização</p><p>anticorrupção Transparency International destacam as causas profundas</p><p>dos problemas da África. A organização desenvolveu um índice para medir</p><p>e comparar a percepção da corrupção em diferentes países.135 Nenhum dos</p><p>54 países africanos chegou aos 20 países com pontuação mais baixa. Por</p><p>outro lado, dos 20 países com as pontuações mais altas de corrupção, dois</p><p>terços estão na África. A Somália está em último lugar entre os 176 países</p><p>incluídos no índice.</p><p>O sociólogo alemão Jörn Sommer passou vários anos pesquisando a</p><p>corrupção na África, usando Benin como exemplo. Ele culpa as</p><p>dificuldades de descobrir e combater a corrupção no que ele chama de</p><p>“comunidade repressiva de compreensão”, que interpreta até mesmo</p><p>auditorias rotineiras de gestão de empresas — que são práticas padrão em</p><p>todo o mundo — como uma forma de ‘criar problemas’.</p><p>Consequentemente, os membros da comunidade evitam discordar, pois o</p><p>denunciante que descobrir atos de corrupção terá maior probabilidade de ser</p><p>ostracizado do que a pessoa que os cometeu. Qualquer crítica é abafada por</p><p>apelos à “harmonia” e “acordo mútuo”. No pior cenário, fundos desviados</p><p>são “distribuídos” — leia-se: usados como subornos — a fim de restaurar a</p><p>paz.136</p><p>Nos países africanos, espera-se que os homens possam alimentar</p><p>famílias numerosas de até 40 pessoas. A recusa de um servidor público em</p><p>aceitar subornos seria recebida com indignação por sua família e pela</p><p>comunidade em geral, que interpretaria isso como uma negligência do</p><p>dever. Questionados sobre o que pensariam de um homem que, depois de</p><p>seu mandato como ministro das finanças, voltou para sua modesta casa em</p><p>uma pequena cidade, estudantes da Universidade da Nigéria disseram que</p><p>ele seria um “tolo”, “retardado mental” e “incompetente”.137</p><p>James Mworia, CEO da Centrum Investments, a maior empresa de</p><p>investimentos do Leste Africano listada na bolsa de valores, diz: “Steve</p><p>Jobs não é do Quênia, por quê? Porque o Steve Jobs deste mundo não foi</p><p>capaz de navegar a corrupção [...] Provavelmente havia centenas desses</p><p>grandes empreendedores e grandes ideias que não puderam florescer por</p><p>este motivo.”138</p><p>Por causa da corrupção e da ordem econômica ineficiente, o impacto das</p><p>medidas de redução da dívida para os países africanos, parecido com a</p><p>iniciativa de 2005 pelos ministros das finanças do G8, é limitado. Para ser</p><p>verdadeiramente eficaz, seria necessário acompanhar a criação de</p><p>instituições funcionais, medidas anticorrupção eficientes e reformas</p><p>sistemáticas pró-mercado. Caso contrário, a redução da dívida conseguirá</p><p>muito pouco, como várias tentativas no passado mostraram. Aliás, em</p><p>alguns casos, elas até tiveram o efeito oposto e criaram incentivos</p><p>negativos. Veja o exemplo da Uganda: no ano 2000, Uganda tinha uma</p><p>dívida total de US$ 3,2 bilhões e foi beneficiário da redução da dívida no</p><p>valor de US$ 2 bilhões. Seis anos depois, a dívida de Uganda era de quase</p><p>US$ 5 bilhões. Enquanto isso, o presidente do país, Yoweri Kaguta</p><p>Museveni, deu a si mesmo um jato no valor de US$ 35 milhões e aumentou</p><p>sua equipe para 109 assessores e 69 ministros.139</p><p>Como Easterly demonstra, a redução da dívida e os repetidos</p><p>empréstimos do FMI e do Banco Mundial não alcançaram os resultados</p><p>desejados. Quando a carga da dívida tornou-se tão extrema que o FMI e o</p><p>Banco Mundial, pela primeira vez em sua história, perdoaram parte dos</p><p>seus próprios empréstimos, isso apenas removeu qualquer incentivo para os</p><p>países devedores alcançarem o crescimento que lhes permitiria pagar suas</p><p>dívidas.140</p><p>Um dos maiores problemas da África é a falta de garantias legais, o que</p><p>afeta principalmente os pequenos empresários. Com base em sua extensa</p><p>pesquisa sobre as razões dos problemas econômicos dos países em</p><p>desenvolvimento, o economista Hernando de Soto destaca a dimensão do</p><p>problema.141 Nesses países, as transações comerciais informais respondem</p><p>pela maior parte da economia. Embora não se enquadrem estritamente no</p><p>domínio da legalidade, elas fornecem o sustento de grande parte da</p><p>população. Os pequenos empresários que comercializam bens ou dirigem</p><p>pequenos negócios sem a aprovação do governo assumem total</p><p>responsabilidade, sem recurso legal para quaisquer riscos, tornando-se</p><p>vulneráveis à extorsão por funcionários corruptos. A falta de garantias</p><p>legais para os direitos de propriedade significa que, muitas vezes, não</p><p>conseguem fazer empréstimos.</p><p>É difícil superestimar a importância desta economia informal nos países</p><p>africanos. De acordo com estimativas publicadas entre 2000 e 2006, esse</p><p>setor gerou 42% do PIB total da África e criou empregos para 78% da força</p><p>de trabalho nos países subsaarianos (exceto África do Sul). Nas áreas rurais,</p><p>até 90% de todos os trabalhadores não agrícolas ganhavam a vida na</p><p>economia informal.142 O provedor de telecomunicações Celtel iniciou seu</p><p>novo empreendimento no Congo em 2007 com baixas expectativas, devido</p><p>ao baixo índice do PIB per capita, e ficou surpreso quando 10.000 novos</p><p>clientes assinaram contratos no primeiro mês, 2.000 deles na primeira</p><p>semana, todos pagos em dinheiro.143 Consequentemente, os números</p><p>oficiais do PIB citados neste capítulo não contam toda a história.</p><p>África: um continente em mudança</p><p>Muitas pessoas não estão cientes do tamanho da África, que é mal</p><p>representado nos mapas mais usados do mundo. Voar do norte ao sul do</p><p>continente leva tanto tempo quanto voar de Los Angeles a Frankfurt. A</p><p>África é maior do que as áreas combinadas dos EUA, China, Índia,</p><p>Espanha, Alemanha, França, Itália e Leste Europeu.144</p><p>Ao longo dos últimos dez anos, alguns países africanos tiveram um</p><p>desenvolvimento significativo. A mídia ocidental mostra principalmente</p><p>imagens de refugiados desesperados vindo para a Europa em busca de uma</p><p>vida melhor, mas, novamente, este é apenas um lado da história. A África é</p><p>um grande continente cheio de contradições e contrastes. De acordo com a</p><p>classificação dos países na Heritage Foundation pelo grau de liberdade</p><p>econômica que oferecem, os países africanos são divididos em quatro</p><p>grupos: Maurícia tem o maior nível de liberdade econômica, seguido por</p><p>Botswana, Ruanda, África do Sul, Uganda, Costa do Marfim, Seychelles,</p><p>Burkina Faso e Cabo Verde, que são classificados como “moderadamente</p><p>livres”. Todos os outros países africanos são mais ou menos “não livres”,</p><p>com o Zimbábue, a Guiné Equatorial, a Eritreia e a República do Congo —</p><p>que ocupa a última posição. Somália é um dos poucos países para os quais</p><p>nenhuma pontuação está disponível.145 Enquanto os PIBs per capita de</p><p>mais de US$</p><p>27.000 nas Seychelles e US$ 20.422 na Maurícia são mais</p><p>elevados do que o da China (US$ 15.399), e enquanto a Botswana chega</p><p>perto com um PIB de pouco mais de US$ 17.000, o PIB per capita do</p><p>Sudão de US$ 4.447 mostra o quão grande é a diferença entre os diversos</p><p>países africanos.146</p><p>Em vários países africanos — em particular onde a liberdade econômica</p><p>está crescendo —, existem sinais inequívocos de desenvolvimentos</p><p>positivos. Mesmo em um país como Moçambique, que está entre os países</p><p>que não são livres e com grandes problemas econômicos, há evidências de</p><p>que as coisas estão mudando. Hans Stoisser, um consultor de negócios com</p><p>muitos anos de experiência de trabalho na África, diz:</p><p>“Quando vim pela primeira vez a Moçambique no início dos anos</p><p>1990, as ruas ainda estavam cheias de pessoas magras e pobres com</p><p>roupas surradas, mulheres cozinhando fora na rua, quase todo mundo</p><p>viajando a pé. Hoje é um cenário completamente diferente, com</p><p>supermercados, cafeterias, engarrafamentos, escritórios modernos e</p><p>shopping centers — os novos pontos de encontro onde os membros da</p><p>elite africana se reúnem — e boates noturnas. Obviamente, o boom da</p><p>construção também se manifesta em inúmeros locais de construção</p><p>bloqueando estradas e calçadas. O Moçambique urbano contemporâneo</p><p>está em sintonia com a cultura empresarial global e tem pouco em</p><p>comum com o Moçambique dos anos 90.”147</p><p>Estas mudanças só se tornaram possíveis depois de o governo do</p><p>Frelimo romper os seus laços com o Marxismo em 1989, da introdução de</p><p>uma constituição garantindo (em teoria, se não na prática) eleições livres e</p><p>uma economia de mercado livre em 1990, e do fim da guerra civil em 1992.</p><p>Recursos naturais: uma bênção ou uma maldição?</p><p>Como consequência do boom econômico global e da demanda massiva</p><p>da China, os preços dos recursos naturais aumentaram drasticamente na</p><p>primeira década do século XXI, impulsionando o crescimento econômico</p><p>na África. Em 2010, o crescimento econômico em 22 países africanos</p><p>ultrapassou 6%. Da mesma forma, a queda nos preços dos recursos naturais</p><p>de 2011 em diante teve uma repercussão no desempenho econômico de</p><p>muitos países da região. Em 2015, apenas nove países registraram taxas de</p><p>crescimento acima de 6%, enquanto o número de países africanos com</p><p>taxas de inflação de dois dígitos aumentou de quatro para dez no mesmo</p><p>período.148</p><p>Os números a seguir devem ser suficientes para mostrar a diferença</p><p>qualitativa entre o crescimento econômico na Ásia e na África: entre 2000 e</p><p>2010, ambos os continentes tiveram um crescimento de 500% nas</p><p>exportações. No entanto, enquanto um aumento nos produtos processados</p><p>foi responsável por quatro quintos do crescimento asiático, a mesma</p><p>proporção do crescimento em toda a África foi devido a aumentos</p><p>significativos nos preços das mercadorias.149</p><p>Os recursos naturais representam cerca de 50% de todas as exportações</p><p>africanas e apenas 10% de todas as exportações da Ásia, Europa e EUA.150</p><p>Com 12% de todos os depósitos de petróleo conhecidos localizados na</p><p>África e a porcentagem de depósitos ainda não descobertos que</p><p>provavelmente é ainda mais alta, os recursos naturais do continente</p><p>representam um atributo enorme. De acordo com estimativas da</p><p>Administração de Informação de Energia do Departamento de Energia dos</p><p>Estados Unidos, a África viu suas reservas de petróleo aumentarem 120%</p><p>nos últimos 30 anos para um nível atual de 126 bilhões de barris, com uma</p><p>estimativa de 100 bilhões de barris ainda a serem encontrados. O continente</p><p>também tem uma grande parte de todos os depósitos conhecidos de ouro</p><p>(40%), platina (80%) e cobalto (60%).151</p><p>No entanto, igualar vastas reservas de recursos naturais a enormes</p><p>oportunidades econômicas seria muito simples. Longe de levarem</p><p>automaticamente à prosperidade, os recursos naturais podem até atrapalhar</p><p>o desenvolvimento e criar novos problemas. A história está repleta de</p><p>exemplos de exportadores em grande escala de recursos naturais sofrendo</p><p>economicamente porque dependiam desses ativos e não diversificaram.</p><p>Para piorar as coisas, os excedentes comerciais resultantes elevaram o valor</p><p>de suas moedas, tornando mais difícil a venda de bens produzidos em outras</p><p>indústrias e, assim, exacerbando a dependência de suas economias da</p><p>exportação de recursos naturais.152 Finalmente, grandes depósitos de</p><p>recursos naturais podem criar uma forte tentação para as elites de um país</p><p>de ganhar seu sustento como rentistas cuja riqueza deriva da escassez de</p><p>bens individuais, e não dos lucros gerados pelas empresas. Não é por acaso</p><p>que os países africanos mais ricos em recursos naturais não possuem as</p><p>maiores histórias de sucesso econômico do continente.</p><p>Com base em sua pesquisa, o renomado economista Paul Collier lista os</p><p>enormes depósitos de recursos naturais como uma das razões pelas quais</p><p>muitos países africanos não se desenvolvem. O diagnóstico de Collier de</p><p>“armadilha de recursos naturais” é causado por uma combinação de fatores,</p><p>incluindo aqueles discutidos acima. Lucros flutuantes não conduzem ao</p><p>sucesso econômico sustentável. Os últimos 20 anos mostraram que os</p><p>preços dos recursos naturais são extremamente voláteis. Durante a alta dos</p><p>preços, os ministérios do governo tendem a aumentar os gastos a níveis</p><p>ultrajantes.153 O Capítulo 6 discutirá o impacto desastroso sobre a</p><p>Venezuela dos aumentos bruscos dos preços das mercadorias (o país com os</p><p>maiores depósitos de petróleo do mundo), que alimentaram os gastos</p><p>excessivos do governo.</p><p>Grandes depósitos de recursos naturais provaram ser mais uma maldição</p><p>do que uma bênção em Gana também. O país estava a caminho do sucesso</p><p>econômico quando vastos depósitos de petróleo foram descobertos a 40</p><p>milhas da costa de Gana em 2007. A exploração comercial começou três</p><p>anos depois. O então presidente de Gana, John Kufuor, previu</p><p>euforicamente um futuro brilhante para seu país: “Com o petróleo como</p><p>uma injeção de ânimo, vamos voar”, disse ele à BBC na época. Emmanuel</p><p>Graham, um especialista em recursos naturais do Centro Africano de</p><p>Política Energética, revelou que uma parte significativa dos lucros do</p><p>petróleo fluiu para os cofres do presidente. Uma reportagem em um</p><p>importante jornal suíço cita Graham culpando uma “espécie de maldição</p><p>dos recursos naturais mentais” pela perda do governo de qualquer restrição</p><p>orçamentária assim que a extração dos depósitos de petróleo começou.154</p><p>Quando os preços das mercadorias começaram a cair, os problemas</p><p>tornaram-se óbvios. Em abril de 2015, Gana foi forçada a negociar uma</p><p>facilidade de crédito prolongada de US$ 920 milhões do FMI.</p><p>Por outro lado, desenvolvimentos recentes em Ruanda mostram que a</p><p>falta de recursos naturais não necessariamente impede um país</p><p>economicamente. Em meados da década de 1990, cerca de um milhão de</p><p>ruandeses — incluindo quase todos os membros da elite do pequeno país do</p><p>Leste Africano — morreram durante o genocídio cometido pelos hutus</p><p>contra a minoria tutsi. Hoje, Ruanda mudou além do imaginável. “O país</p><p>agora tem uma rede rodoviária bem desenvolvida, projetos de construção</p><p>estão acontecendo em toda a capital Kigali, e restaurantes e cafés oferecem</p><p>acesso gratuito à internet sem fio como uma coisa natural.” Com taxas de</p><p>matrícula escolar em quase 100%, 91% dos 13 milhões de residentes do</p><p>país cobertos por seguro saúde e taxas médias de crescimento econômico de</p><p>cerca de 8% para o período entre 2001 e 2015, Ruanda está muito à frente</p><p>de muitos de seus vizinhos africanos. “O governo está comprometido com</p><p>uma política de mercado livre favorável ao investidor. O país deu um</p><p>grande salto no ranking Doing Business do Banco Mundial. Para compensar</p><p>a falta de recursos naturais, Ruanda busca alavancar o conhecimento como</p><p>sua principal fonte de renda com o objetivo de se tornar o líder regional em</p><p>informação e tecnologias de comunicação.”155 O exemplo de Ruanda prova</p><p>que a liberdade econômica supera os depósitos minerais quando se trata de</p><p>promover o crescimento econômico. Afinal, Ruanda ocupa o 39º lugar de</p><p>um total de 180 países — à frente da Espanha e da França em</p><p>60º e 71º</p><p>lugares, respectivamente156, e o terceiro entre os 48 países da África</p><p>subsaariana — no Índice de Liberdade Econômica global, e está a caminho</p><p>de mais crescimento.157</p><p>O Quênia fornece mais evidências para refutar a suposição de que os</p><p>recursos naturais são um pré-requisito para o crescimento econômico nos</p><p>países africanos.158 A ex-colônia britânica sempre esteve entre as potências</p><p>econômicas do Leste Africano, se não de todo o continente. Embora</p><p>dividido ao meio pelo equador, o Quênia se beneficia de um clima menos</p><p>opressor do que o oeste da África. Como grandes áreas do país estão</p><p>situadas em altitudes entre 6.000 e 7.000 pés, as temperaturas permanecem</p><p>em níveis agradáveis ao longo do ano. Seu clima moderado e altas</p><p>elevações tornam o Quênia um local ideal para cultivar café e chá — um</p><p>modo de vida memorável capturado no livro semiautobiográfico de Karen</p><p>Blixen, Out of Africa. A criação de gado nas savanas e, mais tarde, o cultivo</p><p>de produtos coloniais de exportação, como o abacaxi, forneceram fontes de</p><p>receita adicionais.</p><p>Os empreendedores do Quênia são os ativos mais importante do país. A</p><p>independência do país em 1963 pôs fim às restrições à liberdade de seus</p><p>cidadãos de viajar, se estabelecer e trabalhar e foi rapidamente seguida por</p><p>uma forte recuperação econômica apoiada por milhares de empresários</p><p>locais e o influxo de capital estrangeiro. Embora atormentado pela</p><p>corrupção generalizada em seu governo e administração, o Quênia tem sido</p><p>capaz de sustentar esta tendência econômica positiva desde então, com uma</p><p>sólida base empresarial que se desenvolve apesar da agitação política</p><p>contínua — de pequenos comerciantes que às vezes contratam alguns</p><p>funcionários quando têm muitos trabalhos chegando a grandes empresas</p><p>cujo raio de influência vai muito além das fronteiras nacionais em toda a</p><p>região.</p><p>Em 1984, o empresário queniano Peter Munga fundou o Equity Bank</p><p>como uma operação de poupança e empréstimo de pequena escala para</p><p>ajudar as famílias mais pobres a comprar suas primeiras casas modestas.</p><p>Seu capital inicial de 5.000 shillings era equivalente a cerca de US$ 100 na</p><p>época. Depois de escapar por pouco da falência várias vezes, a decisão de</p><p>Munga de confiar a administração do banco a James Mwangi, de 31 anos,</p><p>em 1993, acabou sendo algo bem fortuito. Agora administrado por Munga e</p><p>Mwangi em conjunto, o Equity Bank se tornou o maior banco do Leste</p><p>Africano e um dos valores mais importantes negociados na bolsa de valores</p><p>de Nairóbi, ao mesmo tempo em que permanece fiel às suas raízes como</p><p>um porto de paragem para clientes que, de outra forma, teriam acesso</p><p>negado a serviços financeiros.</p><p>No início do novo milênio, o Quênia se tornou a potência econômica da</p><p>região devido à velocidade de seu crescimento — tudo sem petróleo,</p><p>diamantes, ouro ou elementos de terras raras. Esse boom foi desencadeado</p><p>por uma combinação das tecnologias móveis e da banda larga e o advento</p><p>do M-Pesa, um novo tipo de banco móvel introduzido pelo provedor de</p><p>comunicações móveis Safaricom. O banco móvel foi uma virada de jogo</p><p>para a economia queniana porque ofereceu um meio de enviar dinheiro e</p><p>fazer pagamentos sem dinheiro a milhões de quenianos que eram pobres</p><p>demais para os bancos se preocuparem com eles.</p><p>M-Pesa é baseado no reconhecimento de que um contrato de telefone</p><p>celular pré-pago funciona de acordo com o mesmo princípio de uma conta</p><p>bancária: os usuários pagam uma certa quantia em sua conta e podem gastar</p><p>esse dinheiro em telefones e mensagens de texto até o crédito acabar. Mas</p><p>por que restringir seus gastos apenas a telefones e mensagens de texto? Em</p><p>vez disso, o M-Pesa permite que os clientes transfiram seus créditos para</p><p>outros usuários de telefones celulares por mensagem de texto.</p><p>Muitos quenianos trabalham e vivem em Nairóbi por semanas ou mesmo</p><p>meses. Antes da existência do M-Pesa, a única maneira de enviar dinheiro</p><p>para suas famílias nas áreas rurais era entregando um envelope cheio de</p><p>dinheiro a um dos motoristas de microônibus do exército do país e pagando</p><p>um preço alto para garantir que fosse entregue a um membro da família em</p><p>uma parada pré-acordada. Embora confiável, era um sistema caro e</p><p>complicado. Com o M-Pesa, os usuários agora podem transferir dinheiro</p><p>em poucos segundos por uma fração do custo.</p><p>Hoje, os quenianos usam o M-Pesa não apenas para pagar aluguel,</p><p>contas de serviços públicos e impostos, mas também para negociar ações e</p><p>até mesmo para comprar cobertura de seguro. O M-Pesa aumentou o poder</p><p>de compra da população, possibilitando aos quenianos comprar telefones</p><p>celulares, fazer seguro de saúde básico e comprar remédios e muitos outros</p><p>itens essenciais para o dia a dia. De acordo com uma estimativa, o banco</p><p>móvel tirou 2% da população do Quênia da extrema pobreza.159 Hoje, mais</p><p>de 40% do PIB total do Quênia passa pelo M-Pesa e outras plataformas de</p><p>dinheiro móvel.160</p><p>Acima de tudo, a combinação de banda larga e tecnologias móveis levou</p><p>a um boom de start-ups sem precedentes. Em Nairóbi, em centros de start-</p><p>up como 88 mph,161 desenvolvedores de software estão ocupados criando</p><p>os aplicativos de amanhã. Enquanto as empresas europeias ainda estão</p><p>construindo sites para laptops ou computadores de mesa, suas contrapartes</p><p>africanas viram o que está por vir e estão visando principalmente os</p><p>usuários de internet móvel. No Quênia, sites são ultrapassados — hoje é</p><p>tudo sobre aplicativos. Os prósperos centros de start-up de Nairóbi atraíram</p><p>investidores-anjos, fundos de capital de risco e vários outros provedores de</p><p>serviços, sustentando um boom que é mais estável do que qualquer</p><p>economia que depende principalmente de recursos naturais.</p><p>Empreendedores da África e nova classe média</p><p>Dados os exemplos do mundo real discutidos na seção anterior, seria</p><p>errado assumir que as tendências econômicas positivas em todo o</p><p>continente africano são causadas apenas pelo aumento dos preços das</p><p>mercadorias. A ascensão das tecnologias móveis e da banda larga levou a</p><p>um afrouxamento do controle estatal em muitos setores e permitiu que os</p><p>empresários prosperassem independentemente do apoio do governo e de</p><p>conexões políticas. Muitos dessa classe recém-surgida de jovens africanos</p><p>autoconfiantes estudaram no exterior — normalmente na Europa ou nos</p><p>Estados Unidos, mas cada vez mais na China ou na Índia também. Muitos</p><p>deles trabalham para empresas internacionais antes de retornar aos seus</p><p>países de origem.</p><p>“Despercebida pelo norte global rico, a África está vendo o surgimento</p><p>de uma classe de empreendedores que estão impulsionando e moldando a</p><p>recuperação econômica em todo o continente”, comenta Christian Hiller</p><p>von Gaertringen.162 Seu livro — claramente intitulado Afrika ist das neue</p><p>Asien (África é a nova Ásia) — apresenta uma panóplia de exemplos</p><p>impressionantes do tipo de empreendedorismo que o economista Joseph</p><p>Schumpeter considerava uma pré-condição essencial para o sucesso do</p><p>capitalismo.</p><p>Entre os exemplos mais conhecidos está Mo Ibrahim, que alcançou o</p><p>status de lendário na África.163 Nascido no Sudão em 1946, ele foi uma</p><p>força motriz por trás do desenvolvimento de tecnologias de telefonia móvel</p><p>na África e, assim, ajudou a realizar o que provavelmente foi o</p><p>desenvolvimento mais revolucionário desde o fim do colonialismo. Ele</p><p>obteve um PhD em comunicações móveis na Universidade de Birmingham,</p><p>no Reino Unido, e ajudou a desenvolver a rede de comunicações móveis da</p><p>British Telecom. Ibrahim sugeriu levar a nova tecnologia para a África, mas</p><p>— no que seria um golpe de sorte extraordinário para Ibrahim — a British</p><p>Telecom não reconheceu o grande potencial desta oportunidade única. Em</p><p>1989, o jovem empresário deixou a empresa para fundar uma consultoria</p><p>chamada MSI (Mobile Systems International), que vendeu por US$ 900</p><p>milhões para a Marconi Company, sediada no Reino Unido em 2000. No</p><p>entanto, antes de fazê-lo, ele desmembrou MSI Cellular Investments (mais</p><p>tarde renomeada Celtel) como uma operadora de telefonia móvel, que ele</p><p>usou para financiar o desenvolvimento de uma rede móvel na África no</p><p>valor de vários bilhões. Logo sua empresa começou a se expandir para</p><p>Nigéria, Quênia, Uganda, Tanzânia, Malawi, Zâmbia, República</p><p>Democrática do Congo, Congo-Brazzaville, Chade, Níger, Burkina Faso,</p><p>Serra Leoa, Gabão e Madagascar, bem como — comercializando sob uma</p><p>marca diferente — para Gana e Sudão. Em 2005, Ibrahim vendeu sua</p><p>empresa para seu concorrente do Kuwait, Zain, por US$ 3,4 bilhões. Alguns</p><p>anos depois, Zain receberia um total de US$ 10,7 bilhões por seus negócios</p><p>na África.</p><p>O mercado de telefonia móvel é um excelente exemplo das percepções</p><p>equivocadas de europeus e americanos sobre os desenvolvimentos</p><p>econômicos na África. Em todo o continente, o índice de penetração da</p><p>tecnologia de telefonia móvel (medida como o número de contratos de</p><p>telefonia móvel por 100 residentes) explodiu de 15,3% para 84,9% (2015)</p><p>em uma década,164 com 14 países africanos relatando índices de penetração</p><p>de mais de 100% em 2014.165 Refletindo sobre essas transformações, um</p><p>empresário africano fala sobre seu motorista, que costumava tirar três a</p><p>quatro dias de folga do trabalho para levar dinheiro para sua família. Hoje,</p><p>ele manda uma única mensagem de texto.166 Da mesma forma, os telefones</p><p>celulares simplificaram muito o trabalho dos vendedores de verduras, que,</p><p>em vez de irem de casa em casa, agora recebem seus pedidos por telefone e</p><p>também são pagos por telefone.167 Essa é a África do século XXI.</p><p>Questionados sobre suas imagens mais positivas da África, um em cada</p><p>três entrevistados em uma pesquisa do TNS em toda a Europa para a</p><p>Comissão Europeia mencionou reservas naturais, e um em cada quatro</p><p>mencionou as belas paisagens. Apenas 1% mencionou novos modelos de</p><p>negócios, como banco móvel, enquanto 3% mencionaram empresas.168 Por</p><p>outro lado, o Tony Elumelu Foundation Entrepreneurship Programme ,</p><p>criado pelo banqueiro de investimento e empresário nigeriano Tony</p><p>Elumelu, recebeu 45.000 inscrições de todo o continente em 2016, 1.000</p><p>dos quais foram selecionados para financiamento e desenvolvimento</p><p>profissional.169</p><p>Não obstante as tendências positivas discutidas acima, ainda existem</p><p>muitos obstáculos que bloqueiam o crescimento na África. De acordo com</p><p>estatísticas compiladas pelo Banco Mundial, a abertura de uma nova</p><p>empresa demora muito mais em Angola (36 dias), Nigéria (31 dias) ou</p><p>África do Sul (46 dias) do que no Reino Unido (5 dias) ou nos EUA (6</p><p>dias). É importante notar que Ruanda, cujo sucesso econômico já foi</p><p>discutido, está à frente da maioria dos países ocidentais nesta estatística</p><p>particular, com um tempo de espera de apenas 5,5 dias. É também</p><p>importante notar que os prazos de abertura de uma empresa foram</p><p>reduzidos nos últimos dez anos — de inacreditáveis 116 dias em 2006 para</p><p>19 dias no Moçambique contemporâneo, e de 36 para 9 dias na Zâmbia no</p><p>mesmo período. O empreendedorismo desfruta de um status social positivo</p><p>e um alto nível de aceitação entre o público em geral na África Subsaariana</p><p>e em Botswana, Gana e Ruanda.170</p><p>A África é um continente de grandes contrastes. Por um lado, mais</p><p>pessoas passam fome na África do que em qualquer outro lugar do mundo.</p><p>Por outro lado, mais garrafas de champanhe foram vendidas em toda a</p><p>África em 2011 do que em qualquer outro lugar fora da Europa e dos</p><p>Estados Unidos. Mais de 750.000 das 10 milhões de garrafas exportadas</p><p>para a África foram vendidas apenas na Nigéria.171 A África registra taxas</p><p>de crescimento mais rápidas no número de indivíduos com patrimônio</p><p>líquido ultra-alto (UHNWIs, indivíduos com uma riqueza pessoal de pelo</p><p>menos US$ 30 milhões) do que qualquer outro continente. De acordo com o</p><p>Relatório Knight Frank Wealth de 2016, mais da metade dos 20 países com</p><p>as maiores taxas de crescimento no número de UHNWIs nos dez anos</p><p>anteriores estão na África. No Quênia, por exemplo, o número de UHNWIs</p><p>cresceu 93% entre 2006 e 2016 — globalmente, apenas Vietnã, Índia e</p><p>China relataram taxas de crescimento maiores. De acordo com as previsões</p><p>de Knight Frank, nos próximos dez anos as taxas de crescimento na África</p><p>deverão permanecer mais altas do que nos EUA e na Europa.172</p><p>Como na China, o número crescente de UHNWIs coincide com o</p><p>crescimento da classe média. Algumas estimativas agora estabelecem o</p><p>número de africanos de classe média em até 350 milhões, cerca de um terço</p><p>da população total em todo o continente, e um aumento de mais de 200%</p><p>nos últimos 30 anos. No entanto, metade deles vive apenas um pouco acima</p><p>da linha da pobreza.173 Nesse contexto, é importante estar ciente de que os</p><p>estudos relevantes definem “classe média” em termos diferentes daqueles</p><p>aplicados nos países industrializados. Em países emergentes, a definição</p><p>inclui famílias cujo padrão de vida excede apenas um pouco a linha da</p><p>pobreza.174</p><p>No entanto, mesmo se uma definição mais restrita for aplicada, a classe</p><p>média africana ainda conta com 150 milhões de indivíduos cujas vidas estão</p><p>livres de preocupações existenciais e que têm os meios para pagar serviço</p><p>de saúde, férias, propriedade e uma educação muito melhor para seus filhos</p><p>do que a que eles tiveram. O crescimento estupendo no número de telefones</p><p>celulares e carros é um indicador do crescimento da classe média.175</p><p>“Novos restaurantes, salões de manicure, concessionárias de</p><p>automóveis, cinemas e casas noturnas estão transformando a paisagem</p><p>dos centros urbanos em toda a África quase de um dia para o outro. Um</p><p>número crescente de africanos usa marcas de moda conhecidas. As</p><p>pessoas estão dirigindo carros mais caros, principalmente modelos</p><p>japoneses e coreanos. Os sinais estão aí para todos verem: a classe</p><p>média africana está crescendo.”176</p><p>O crescimento da classe média está acelerando os processos de</p><p>urbanização em todo o continente. A quarta maior cidade do mundo, logo</p><p>atrás de Pequim e Xangai, fica na África: a capital nigeriana, Lagos, com</p><p>uma população de mais de 18 milhões. Kinshasa, a capital da República</p><p>Democrática do Congo, tem mais de 10 milhões de residentes. Aos 46, o</p><p>número de cidades com uma população de um milhão ou mais de residentes</p><p>é duas vezes maior do que na Europa.177</p><p>O papel da China na África</p><p>Ao lado do surgimento e crescimento de uma classe média africana e da</p><p>evolução da iniciativa empresarial, o forte compromisso investido nas</p><p>economias africanas por países como Índia, China e Brasil é outra razão</p><p>para o desenvolvimento econômico positivo em muitos países africanos.</p><p>Tendo negociado com sucesso sua própria transformação de um pobre país</p><p>socialista de camponeses em uma potência econômica capitalista, a China</p><p>agora está aplicando o mesmo modelo ao continente africano.</p><p>A evolução dos interesses comerciais chineses na África seguiu um</p><p>conceito simples de quatro etapas. O foco inicial era garantir o acesso às</p><p>vastas reservas de recursos da África, incluindo petróleo, minério de ferro,</p><p>diamantes, algodão, madeira, arroz e cana-de-açúcar. Em troca, os chineses</p><p>financiaram enormes projetos de infraestrutura na África e disponibilizaram</p><p>sua tecnologia para seus parceiros africanos. Em uma segunda etapa, eles</p><p>começaram a exportar bens de consumo chineses para a África para acessar</p><p>o maior mercado inexplorado do mundo, com uma população total de 1,2</p><p>bilhão, entre eles 250 milhões de membros da nova classe média emergente.</p><p>A China foi uma das primeiras a reconhecer o potencial deste mercado,</p><p>embora inicialmente a maior parte das exportações para a África consistisse</p><p>em produtos de baixa qualidade a preços médios.178</p><p>Na etapa três, as empresas chinesas terceirizaram parte de sua produção</p><p>para a África a fim de cortar custos — os salários africanos são mais baixos</p><p>do que na nova e próspera China contemporânea —, ao mesmo tempo em</p><p>que aumentaram seu perfil como geradoras de empregos para os africanos.</p><p>Na etapa quatro, as empresas chinesas começaram a fabricar produtos para</p><p>o mercado africano na África.</p><p>Uma conferência planejada pelo líder chinês Hu Jintao em Pequim em</p><p>novembro de 2006 provou ser um marco importante no envolvimento</p><p>econômico da China em toda a África. Os anfitriões chineses não mediram</p><p>esforços</p><p>para que os representantes africanos se sentissem bem-vindos. As</p><p>ruas de Pequim estavam coloridas com as bandeiras das 48 nações africanas</p><p>convidadas para a conferência. Embora eventos semelhantes organizados na</p><p>Europa tendam a se concentrar na ajuda ao desenvolvimento, a conferência</p><p>de Pequim tratou dos benefícios mútuos da cooperação econômica entre a</p><p>China e os países africanos.</p><p>“A China está executando sua estratégia de recursos com</p><p>considerável desenvoltura, aparentemente fazendo tudo o que pode para</p><p>garantir que as transações de mercadorias beneficiem ambos os</p><p>signatários dos negócios. De fato, a motivação dos países anfitriões</p><p>também não é complicada: eles precisam de infraestrutura, e precisam</p><p>financiar projetos que possam desbloquear o crescimento econômico.</p><p>Para conseguir isso, eles estão dispostos a vender seus ativos pelo lance</p><p>mais alto. Esta é a genialidade da estratégia da China: cada país</p><p>consegue o que quer.”179</p><p>Entre 1998 e 2012, cerca de 2.000 empresas chinesas fizeram</p><p>investimentos em 49 países africanos.180</p><p>Em novembro de 2014, a China assinou um contrato para a construção</p><p>de uma linha ferroviária ao longo da costa da Nigéria. Este projeto sozinho</p><p>vale US$ 12 bilhões. A construção da linha, com um comprimento total de</p><p>cerca de 875 milhas, deve criar 200.000 empregos temporários durante a</p><p>fase de construção e 30.000 empregos locais permanentes181 — sem</p><p>mencionar o impacto significativo de longo prazo de um projeto deste tipo</p><p>sobre o que já é a maior economia da África. A China Railway Construction</p><p>Corporation está atualmente comprometida com 112 projetos com um</p><p>volume total de contratos de US$ 30 bilhões somente na Nigéria.182</p><p>Nunca será demais sublinhar a importância desses projetos em um</p><p>continente onde a falta de infraestrutura adequada — a escassez e as más</p><p>condições das estradas, redes ferroviárias e de voos subdesenvolvidos, e,</p><p>acima de tudo, um fornecimento de energia insuficiente e instável — é um</p><p>dos principais obstáculos para um maior crescimento, de acordo com</p><p>estudos.183 Os chineses, é claro, estão bem cientes desse problema e estão</p><p>lidando com ele investindo fortemente em projetos de infraestrutura em</p><p>toda a África.</p><p>Embora a estratégia de negócios da China na África seja frequentemente</p><p>criticada por servir aos próprios interesses da China, essas acusações não</p><p>convencem. Afinal, após a abertura de seus mercados a investidores</p><p>estrangeiros, a própria China lucrou com os investimentos —</p><p>principalmente de empresas de Hong Kong e da Europa — movidos por um</p><p>astuto senso de negócios, e não por puro altruísmo. Mais recentemente, seu</p><p>envolvimento econômico em toda a África produziu benefícios mútuos para</p><p>ambas as partes. De acordo com os especialistas chineses Andreas e Frank</p><p>Sieren, “duas décadas de investimentos chineses na África fizeram mais</p><p>para ajudar o continente do que meio século de ajuda ao desenvolvimento</p><p>dos países ocidentais”.184</p><p>Pesquisas mostram que levou apenas alguns anos para que a influência</p><p>da China fosse vista de forma muito mais favorável em grande parte da</p><p>África do que a dos EUA.185 Mais recentemente, no entanto, os chineses</p><p>quase perderam a confiança dos consumidores africanos devido à baixa</p><p>qualidade de bens exportados para os mercados africanos e o aparente</p><p>fracasso em criar empregos locais. Essa é uma das razões pelas quais as</p><p>empresas chinesas começaram a terceirizar parte de sua produção para a</p><p>África. A China estabeleceu um grande número de Zonas Econômicas</p><p>Especiais em toda a África, transferindo assim com sucesso um modelo que</p><p>havia contribuído significativamente para sua própria recuperação</p><p>econômica e transição para uma economia capitalista, conforme discutido</p><p>no Capítulo 1.186</p><p>África: uma segunda Ásia?</p><p>Os investimentos feitos pela China, Índia e outros países terão o mesmo</p><p>impacto que os investimentos estrangeiros tiveram na China após a abertura</p><p>do país? A África é uma segunda Ásia, como alguns comentaristas gostam</p><p>de afirmar? Existem boas razões para ser cético. Investimentos estrangeiros</p><p>e a criação de sistemas econômicos mais orientados para o mercado em</p><p>cada país não são os únicos pré-requisitos para o crescimento e a</p><p>prosperidade. A situação na África está repleta de desafios que não existiam</p><p>na China pós-reforma: guerras civis, rivalidades tribais e níveis</p><p>insuficientes de institucionalização. Outra questão é se as populações</p><p>africanas serão capazes de reunir ou desenvolver a forte disciplina e</p><p>vontade de trabalhar que distingue muitas populações asiáticas, mesmo em</p><p>comparação com os concorrentes europeus e norte-americanos.</p><p>Uma questão importante é a influência contínua do Estado na iniciativa</p><p>privada, que estudos mostraram ser mais forte em muitos países africanos</p><p>do que em outras partes do mundo.187 Sam Jonah, o ex-CEO da AngloGold</p><p>Ashanti, a primeira empresa africana listada na Bolsa de Valores de Nova</p><p>York, explica por que o papel dominante do Estado em muitas economias</p><p>africanas é tão pernicioso:</p><p>“O dinheiro africano, como o dinheiro em todos os lugares, irá fluir</p><p>para onde houver menor risco de retorno. Se um negócio é</p><p>impulsionado principalmente por conexões políticas e você pode estar</p><p>exposto a menos riscos como resultado, muitas pessoas farão isso em</p><p>vez de financiar um projeto com todo o risco financeiro e operacional</p><p>de uma empresa produtiva.”188</p><p>Tradicionalmente, os governos africanos tendem a ver seu</p><p>relacionamento com grandes empresas como um jogo de soma zero. Como</p><p>afirma o diretor-gerente de um family office senegalês: “Se você se tornasse</p><p>muito grande ou muito poderoso, alguém no governo se sentiria ameaçado</p><p>por isso, e essa é uma luta que você não poderia vencer.”189 No entanto, há</p><p>motivos para ter esperança de que os governos podem estar começando a</p><p>perder o medo de que “a perda de controle de qualquer elemento importante</p><p>da economia enfraqueça o controle do partido no poder” sob o peso das</p><p>evidências que mostram o contrário na China e em outros países.190</p><p>No Capítulo 1, já discuti a importância da observação de Zhang Weiying</p><p>sobre a alocação de talentos empreendedores entre o governo e as empresas</p><p>como um fator-chave na transição bem-sucedida para o capitalismo.191 Para</p><p>desenvolver adequadamente as aspirações empreendedoras, jovens</p><p>talentosos precisam de fortes modelos para admirar e seguir. Esses modelos</p><p>existem na África contemporânea, como Moky Makura mostrou em um</p><p>livro impressionante que mostra 16 dos empresários mais bem-sucedidos do</p><p>continente.192 Eles servem como modelos para a próxima geração de</p><p>empreendedores — jovens que, em vez de esperar por uma vida inteira</p><p>coletando subornos como funcionários públicos, nutrem ambições de</p><p>ganhar dinheiro em empresas privadas.</p><p>Em outras palavras, a África oferece muitas oportunidades econômicas.</p><p>No entanto, algumas das previsões de um boom massivo em todo o</p><p>continente cogitadas por especialistas atualmente são baseadas em modelos</p><p>que ficam aquém de uma avaliação realista dos fatos. Tentar reproduzir as</p><p>histórias de sucesso da Ásia na África sem levar em consideração as</p><p>diferenças entre os dois continentes seria muito simplista. Este capítulo já</p><p>discutiu por que as fórmulas no sentido de “a África tem enormes reservas</p><p>de recursos naturais, portanto, é natural que alcance um crescimento</p><p>significativo” equivalem a pouco mais do que ilusões: em primeiro lugar,</p><p>esses recursos existem na África há eras e até agora não têm conseguido</p><p>resultar em um crescimento significativo. Em segundo lugar, como vimos,</p><p>grandes reservas de recursos naturais às vezes podem ser mais uma</p><p>maldição do que uma bênção para o desenvolvimento econômico de um</p><p>país.</p><p>Há um fundo de verdade no argumento do “dividendo demográfico”,</p><p>que assume que a população jovem da África será o motor de seu</p><p>crescimento. No futuro próximo, o continente se beneficiará de uma oferta</p><p>ilimitada de trabalho, enquanto a proporção da população que é muito</p><p>jovem ou muito velha para trabalhar permanecerá limitada.193 De acordo</p><p>com estimativas do Banco Mundial, o impacto positivo da população jovem</p><p>sobre o crescimento econômico será maior entre 2025 e 2030, com</p><p>aproximadamente 0,5 pontos percentuais, após o que espera-se que</p><p>diminua, mas permaneça positivo no longo prazo.</p><p>No entanto, existem outras hipóteses baseadas na suposição de que o</p><p>crescimento populacional ultrapassará de longe a capacidade da economia</p><p>africana para a criação de empregos. De acordo com as estimativas da</p><p>ONU, em 2050, a população dos dois países vizinhos, Níger e Nigéria, será</p><p>igual à de toda a União Europeia atualmente.194 Também não sabemos</p><p>como se desenvolverá o fluxo populacional da África para a Europa, ou o</p><p>que poderá significar para a África se a mesma perder um grande número</p><p>de cidadãos, especialmente porque aqueles com meios financeiros para</p><p>deixar o continente não estão entre os mais pobres.</p><p>Devido à incerteza em torno de todas essas questões, os</p><p>desenvolvimentos futuros na África são difíceis de prever. No entanto, uma</p><p>coisa já é óbvia: a África, como as outras regiões do mundo, tem mais</p><p>probabilidade de experimentar crescimento e prosperidade sob condições</p><p>capitalistas do que nas economias planejadas controladas pelo Estado do</p><p>“socialismo africano” do passado. Embora a introdução do capitalismo</p><p>possa resultar em maior sucesso em alguns países do que em outros, é um</p><p>catalisador para o crescimento econômico onde quer que aconteça.</p><p>Até o vocalista do U2, Bono, anteriormente o organizador de festivais</p><p>enormes de “ajuda para a África” marcados pela retórica anticapitalista e</p><p>uma crença aparentemente inabalável na ajuda internacional como uma</p><p>solução para a fome e a pobreza na África, mudou de tom sob o peso das</p><p>provas do contrário. “A ajuda é apenas um paliativo”, disse ele em um</p><p>discurso na Universidade de Georgetown em 2013. “O comércio [e] o</p><p>capitalismo empresarial tiram mais pessoas da pobreza do que a ajuda.</p><p>Precisamos de que a África se torne uma potência econômica.”195 Da</p><p>mesma forma, o cofundador da Live Aid, Sir Bob Geldof, recentemente se</p><p>uniu a dois ex-executivos sênior para criar um fundo de participações</p><p>privadas (private equity). Ele também parece ter percebido que as doações</p><p>de caridade não serão suficientes para resolver os problemas da África.196</p><p>O especialista em África, Vijay Mahajan, prevê que</p><p>“o empreendedorismo e o desenvolvimento dos mercados de consumo</p><p>podem ser um poderoso incentivador do progresso de longo prazo mais</p><p>puro, estável e poderoso do que a reforma política. O professor Pat</p><p>Utomi, tom de brincadeira, que, se todo o petróleo da Nigéria fosse</p><p>dado aos soldados e políticos com a condição de que deixassem a nação</p><p>em paz, a nação estaria em melhor situação.”197</p><p>Na Europa e nos Estados Unidos, a percepção da África é dividida em</p><p>dois extremos: alguns veem apenas crianças famintas, pobreza de partir o</p><p>coração, AIDS, corrupção e outros problemas graves. Outros preferem uma</p><p>visão extremamente otimista, até mesmo eufórica, da África como uma</p><p>terra de oportunidades de ouro rumo ao crescimento em uma escala que</p><p>compete com as economias emergentes da Ásia. Os defensores de ambos os</p><p>pontos de vista são capazes de reunir muitas evidências em apoio de suas</p><p>respectivas posições. Para os investidores dispostos a correr riscos, a visão</p><p>negativa unilateral da África é uma rica fonte de oportunidades. Como diz</p><p>Ibrahim: “Nos negócios, quando há uma lacuna entre a realidade e a</p><p>percepção, há bons negócios a serem feitos”.198</p><p>-</p><p>111 Andreas Freytag, “Ist Afrikas wirtschaftliche Entwicklung nachhaltig?” em Praxishandbuch</p><p>Wirtschaft in Afrika, editado por Thomas Schmidt, Kay Pfaffenberger e Stefan Liebing (Wiesbaden:</p><p>Springer Gabler, 2017), 43.</p><p>112 World Food Programme, “Zero Hunger,” acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>http://de.wfp.org/hunger/hunger-statistik.</p><p>113 Jonathan Berman, Success in Africa: CEO Insights from a Continent on the Rise (Brookline,</p><p>MA: Bibliomotion, 2013), 18.</p><p>114 Citado em ibid., 19</p><p>115 Ibid., 9.</p><p>116 Citado em Dambisa Moyo, Dead Aid: Why Aid Is Not Working and How There Is a Better</p><p>Way for Africa (New York: Farrar, Straus & Giroux, 2009), 108.</p><p>117 Ibid., 5.</p><p>118 Ibid., 28.</p><p>119 Ibid., 36.</p><p>120 Ibid., 39.</p><p>121 Ibid., 5.</p><p>122 Ibid., 43.</p><p>123 Ibid., 43.</p><p>124 Citado em David Signer, “Entwicklungshilfe statt Entwicklung? Die fragwürdige Bilanz eines</p><p>überholten Konzeptes,” em Das Ende der Armut: Chancen einer globalen Marktwirtschaft, editado</p><p>por Christian Hoffmann e Pierre Bessard (Zürich: Liberales Institut Zürich, 2012), 94–95.</p><p>125 Citado em ibid., 97–98.</p><p>126 William Easterly, The White Man’s Burden: Why the West’s Efforts to Aid the Rest Have Done</p><p>So Much Ill and So Little Good (Oxford: Oxford University Press, 2006), 123.</p><p>127 Moyo, Dead Aid, 49.</p><p>128 Freytag, “Ist Afrikas wirtschaftliche Entwicklung nachhaltig?,” 50.</p><p>129 Easterly, The White Man’s Burden, 53.</p><p>130Ibid., 78.</p><p>131 Ver Capítulo 8.</p><p>132 Heritage Foundation, 2018 Index of Economic Freedom, 63.</p><p>133Ibid., 5 and 7.</p><p>134 Ibid., 3.</p><p>135 Transparency International, Corruption Perceptions Index 2017 (2018), acessado em 29 de</p><p>Maio de 2018, https://www.transparency.org/news/feature/corruption_perceptions_index_2017.</p><p>136Citado em Signer, “Entwicklungshilfe statt Entwicklung?”, 88.</p><p>137 Berman, Success in Africa, 121.</p><p>138 Ibid., 117.</p><p>139Signer, “Entwicklungshilfe statt Entwicklung?,” 94.</p><p>140 Easterly, The White Man’s Burden, 164.</p><p>141 Para ler esses argumentos, ver Hernando de Soto, “Eigentumsrechte und Märkte,” LI-Paper</p><p>(May 2016), accessed 29 June 2018, www.libinst.ch/publikationen/LI-Paper-De-Soto-Eigentum.pdf.</p><p>142 Essas estimativas são baseadas nos relatórios publicados entre 2002 e 2006; ver Vijay</p><p>Mahajan, Africa Rising: How 900 Million African Consumers Offer More than You Think (New</p><p>Jersey: Prentice Hall, 2009), 42 et seq.</p><p>143 Ibid., 42 et seq.</p><p>144 Kay Pfaffenberger, “Die Bedeutung regionaler Besonderheiten für das Geschäftsleben”, em</p><p>Praxishandbuch Wirtschaft in Afrika, editado por Thomas Schmidt, Kay Pfaffenberger e Stefan</p><p>Liebing (Wiesbaden: Springer Gabler, 2017), 56.</p><p>145 Heritage Foundation, 2018 Index of Economic Freedom, 7.</p><p>146 Ibid., 364, 292, 140, 112 e 384. Dados do PIB per capita compilados em setembro de 2017 a</p><p>partir de dados de 2016.</p><p>147 Hans Stoisser, Der Schwarze Tiger: Was wir von Afrika lernen können (Munich: Kösel-</p><p>Verlag, 2015), 12–13.</p><p>148 Ruchir Sharma, The Rise and Fall of Nations: Forces of Change in the Postcrisis World (New</p><p>York: Allen Lane, 2016), 396–397.</p><p>149Ibid., 353.</p><p>150 Andreas Sieren and Frank Sieren, Der Afrika-Boom: Die große Überraschung des 21.</p><p>Jahrhunderts (Munich: Carl Hanser Verlag, 2015), 190.</p><p>151 Ibid., 66–70.</p><p>152 Ibid., 93.</p><p>153 Paul Collier, The Bottom Billion: Why the Poorest Countries Are Failing and What Can Be</p><p>Done about It (Oxford: Oxford University Press, 2007), 38 et seq.</p><p>154 Ver Fabian Urech, “Das Öl hat der Regierung den Kopf verdreht”, Neue Zürcher Zeitung (11</p><p>de Agosto de 2015), acessado em 20 de Junho de 2018, https://www.nzz.ch/international/afrika/das-</p><p>oel-hat-der-regierung-den-kopfverdreht-1.18593317.</p><p>155 Thomas Scheen, “Ein Reformwunder mit Schönheitsfehlern”, Frankfurter Allgemeine (7 de</p><p>Janeiro de 2017), acessado em 20 de Junho de 2018, www.faz.net/aktuell/wirtschaft/afrika-im-</p><p>umbruch/ruanda-reformwunder-mit-schoenheitsfehlern-14592400.html.</p><p>156 Heritage Foundation, 2018 Index of Economic Freedom, 4.</p><p>157 Ibid., 70.</p><p>158 Eu tenho que agradecer ao Christian Hiller von Gaertringen pela informação sobre o</p><p>Quênia.</p><p>159 “M-Pesa Has Completely Transformed Kenya’s Economy, This Is How…”, CNBC Africa (4</p><p>de Janeiro de 2017), acessado em 20 de Junho de 2018, https://www.cnbcafrica.com/news/east-</p><p>africa/2017/01/04/mpesa-economic-impacton-kenya.</p><p>160 Nambuwani Wasike, “M-PESA and Kenya’s GDP Figures: The Truth, the Lies and the</p><p>Facts”, LinkedIn Pulse (2 de Março de 2015), acessado em 20 Junho em 2018,</p><p>https://www.linkedin.com/pulse/m-pesa-kenyas-gdp-figures-truthslies-facts-wasike-phd-student-.</p><p>161 Ver www.88mph.ac/nairobi.</p><p>162 Christian Hiller von Gaertringen, Afrika ist das neue Asien: Ein Kontinent im Aufschwung</p><p>(Hamburg: Hoffmann</p><p>cenário, o</p><p>direito à propriedade privada é garantido e os empresários operam dentro de</p><p>um quadro jurídico para fabricar produtos que eles acreditam que os</p><p>consumidores irão querer. Os preços que eles podem cobrar por seus</p><p>produtos servem como uma medida da extensão em que suas suposições</p><p>estavam corretas — em outras palavras, da extensão em que seu</p><p>fornecimento de produtos estava alinhado à demanda dos consumidores por</p><p>esses produtos. A primeira definição descreve um sistema socialista; a</p><p>segunda, um sistema capitalista. Ao longo deste livro, o último termo será</p><p>usado para designar uma economia de mercado genuinamente livre, em vez</p><p>de uma versão atenuada, às vezes definida como uma economia de mercado</p><p>“social” ou “eco-social”.</p><p>Na realidade, nenhum dos dois sistemas existe hoje, ou existiu, em uma</p><p>forma pura. Mesmo em países socialistas como a República Democrática</p><p>Alemã (RDA), ou mesmo a Coreia do Norte, alguns indivíduos possuíam</p><p>ou possuem propriedade privada, enquanto o plano econômico abrangente</p><p>nunca suprimiu por completo todos os elementos do mercado livre. Sem</p><p>esses elementos, as economias dos países em questão teriam sido ainda</p><p>mais disfuncionais. Embora os preços existam teoricamente nas economias</p><p>socialistas, a função que desempenham é radicalmente diferente de sua</p><p>função nas economias capitalistas. Na verdade, eles se parecem mais com</p><p>os impostos, como observou o economista Zhang Weiying.1</p><p>Por outro lado, nas economias capitalistas, existe um certo grau de</p><p>propriedade pública e intervenção regulatória, enquanto os impostos</p><p>representam essencialmente um sistema de redistribuição que tira dos ricos</p><p>e dá às classes médias e pobres. A Suécia na década de 1970 é um exemplo</p><p>extremo desse tipo de redistribuição, enquanto o Reino Unido durante o</p><p>mesmo período oferece um sério estudo de caso que mostra os resultados</p><p>econômicos negativos da intervenção governamental desproporcional e</p><p>prova que limitar tal intervenção é crucial para aumentar a prosperidade.</p><p>Nenhum dos países apresentados neste livro opera uma forma “pura” de</p><p>capitalismo. Em cada caso, a questão importante é a proporção ou equilíbrio</p><p>entre a intervenção regulatória e a liberdade empresarial. O argumento</p><p>central proposto neste livro é que aumentar a proporção de elementos</p><p>capitalistas em uma dada economia geralmente leva a mais crescimento, o</p><p>que aumenta o bem-estar da maioria das pessoas que vivem nessa</p><p>economia. O desenvolvimento da China nas últimas décadas é um exemplo</p><p>disso.</p><p>Muitos livros procuram sistematizar teorias para provar que um dos dois</p><p>sistemas econômicos é superior ao outro. Este não é um deles. Em vez de</p><p>abordar o assunto de um ângulo teórico, este livro toma a história</p><p>econômica como ponto de partida. Ao contrário do socialismo, o</p><p>capitalismo não é um sistema inventado por intelectuais. Em vez disso, ele</p><p>evoluiu organicamente ao longo dos séculos, da mesma forma que as</p><p>plantas e os animais evoluíram na natureza e continuam a evoluir, sem</p><p>exigir nenhuma teorização ou planejamento centralizado. Entre as visões</p><p>mais importantes do economista e filósofo Friedrich August von Hayek,</p><p>está a constatação de que a origem do bom funcionamento das instituições</p><p>deve ser encontrada “não na invenção ou design, mas na sobrevivência do</p><p>sucesso”,2 com o processo de seleção operando “por imitação de</p><p>instituições e hábitos de sucesso”.3</p><p>O maior erro que une os socialistas de várias divisas com os homens e</p><p>mulheres que dirigem os bancos centrais é a crença de que alguns</p><p>planejadores mestres são mais capazes de determinar o que as pessoas</p><p>necessitam do que os milhares de empresários, investidores e consumidores</p><p>cujas decisões individuais, quando somadas, são, na verdade, muito</p><p>superiores às de qualquer agência governamental de planejamento, banco</p><p>central ou outro órgão de controle do Estado.</p><p>É por isso que as tentativas “ top-down” (de cima para baixo) de impor</p><p>uma economia baseada no mercado continuam em grande parte</p><p>malsucedidas — embora os políticos sempre precisem estar envolvidos até</p><p>certo ponto. Um olhar mais atento sobre a China mostrará que sua transição</p><p>bem-sucedida para o capitalismo foi substancialmente devida ao</p><p>crescimento “bottom-up” (de baixo para cima) e à adoção generalizada de</p><p>práticas econômicas capitalistas — nenhuma das quais teria sido possível</p><p>sem a tolerância top-down de tais práticas por parte de líderes como Deng</p><p>Xiaoping. Deng e seus companheiros reformadores foram inteligentes o</p><p>suficiente para não inventar um novo sistema baseado em ideais. Em vez</p><p>disso, eles fizeram duas coisas: primeiro, ao invés de tentar proibir ou</p><p>controlar os desenvolvimentos espontâneos em todo aquele imenso país,</p><p>eles permitiram que eles evoluíssem organicamente. Em segundo lugar, eles</p><p>analisaram cuidadosamente muitos outros países para ver o que estava</p><p>funcionando e o que não estava — e então implementaram esse</p><p>conhecimento em casa.</p><p>Neste livro, faço uma abordagem semelhante: ver o que funcionou e o</p><p>que não funcionou. Comparo países em que tais comparações sejam mais</p><p>possíveis porque têm muita história e cultura em comum: Coreia do Norte e</p><p>do Sul, RDA e República Federal da Alemanha, Venezuela e Chile. O livro</p><p>também mostra como o avanço do capitalismo e a retirada do socialismo</p><p>transformaram a China de um país pobre, onde dezenas de milhões de</p><p>pessoas morreram de fome há menos de 60 anos, na maior nação</p><p>exportadora do mundo, onde a fome foi erradicada.</p><p>Enquanto os críticos de esquerda do capitalismo e da globalização</p><p>culpam o capitalismo por causar fome e pobreza em várias partes do</p><p>mundo, a história recente do continente africano fornece muitos exemplos</p><p>para provar que o oposto é verdadeiro: o capitalismo não é o problema, mas</p><p>a solução. O capitalismo provou ser mais eficaz no combate à pobreza do</p><p>que a ajuda financeira. Estudos mostram que os países em desenvolvimento</p><p>mais orientados para o mercado têm uma taxa de pobreza de apenas 2,7%,</p><p>em comparação com 41,5% nos países em desenvolvimento sem um</p><p>mercado livre.4</p><p>Em geral, mais intervenção estatal significa taxas de crescimento mais</p><p>baixas, em alguns casos até negativas, enquanto a história econômica</p><p>recente dos EUA e do Reino Unido fornece evidências convincentes de que</p><p>mais capitalismo leva a um aumento mais rápido da prosperidade para a</p><p>maioria das pessoas. Na década de 1980, Ronald Reagan e Margaret</p><p>Thatcher, dois líderes políticos que acreditavam firmemente nos benefícios</p><p>do mercado livre, introduziram reformas que reduziram a influência do</p><p>Estado na economia e melhoraram significativamente as perspectivas</p><p>econômicas em ambos os países. Como mostra o exemplo da Suécia —</p><p>discutido no Capítulo 7 —, às vezes os programas do estado de bem-estar</p><p>social podem reprimir o crescimento econômico e precisam ser restringidos.</p><p>Nos últimos 70 anos, esses experimentos do mundo real produziram</p><p>consistentemente resultados semelhantes — evidências avassaladoras</p><p>apontando para a conclusão de que mais capitalismo significa maior</p><p>prosperidade. Ainda assim, uma notável relutância ou incapacidade de</p><p>aprender com esses resultados persiste em muitos lugares. Em seu Lições</p><p>sobre a Filosofia da História, o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich</p><p>Hegel disse: “Mas o que a experiência e a história ensinam é isto — que os</p><p>povos e governos nunca aprenderam nada com a história, ou agiram de</p><p>acordo com os princípios deduzidos a partir dela”.5</p><p>Mesmo que seu veredito seja muito severo, parece que a maioria das</p><p>pessoas são incapazes de abstrair e tirar conclusões gerais da experiência</p><p>histórica. Apesar dos numerosos exemplos de políticas econômicas mais</p><p>capitalistas que levam a uma maior prosperidade (algumas das quais são</p><p>discutidas neste livro, enquanto outras, como a Índia, não) e do fracasso de</p><p>cada variante do socialismo que já foi testada sob condições do mundo real,</p><p>muitas pessoas ainda se recusam a aprender a lição óbvia.</p><p>Após o colapso da maioria dos sistemas socialistas no início dos anos</p><p>1990, tentativas de implementar ideais socialistas ainda estão acontecendo</p><p>em várias partes</p><p>und Campe Verlag, 2014), 103.</p><p>163 O seguinte é baseado em Hiller von Gaertringen, Afrika ist das neue Asien, 110 et seq.</p><p>164 Berman, Success in Africa, 35.</p><p>165 Fonte: ITU, baseado em dados nacionais, acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>https://www.itu.int/en/ITUD/Statistics/Documents/statistics/2018/Mobile_cellular_2000-2016.xls.</p><p>166 Berman, Success in Africa, 35.</p><p>167 Ibid., 35–36.</p><p>168 Pesquisa TNS para a Comissão Europeia, “SPECIAL EUROBAROMETER 353: The EU and</p><p>Africa: Working towards closer partnership”, Novembro de 2010, acessado em 20 de Junho de 2016,</p><p>http://ec.europa.eu/commfrontoffice/publicopinion/archives/ebs/ebs_353_en.pdf, 44-45.</p><p>169 Christian Hiller von Gaertringen, “Afrikas junge Unternehmer”, em Praxishandbuch</p><p>Wirtschaft in Afrika, editado por Thomas Schmidt, Kay Pfaffenberger e Stefan Liebing (Wiesbaden:</p><p>Springer Gabler, 2017), 5.</p><p>170 Philipp von Carlowitz, “Unternehmertum in Afrika: Eine Bestandsaufnahme”, em</p><p>Praxishandbuch Wirtschaft in Afrika, editado por Thomas Schmidt, Kay Pfaffenberger e Stefan</p><p>Liebing (Wiesbaden: Springer Gabler, 2017), 23. Os dados de quanto tempo leva para abrir um</p><p>negócio são retirados do World Bank, Time Required to start a Business (days), acessado em 20 de</p><p>Junho de 2018, https://data.worldbank.org/indicator/IC.REG.DURS?view=chart.</p><p>171 Johannes Dietrich, “Afrika liebt Champagner”, Der Westen (29 de Abril de 2017), acessado</p><p>em 20 de Junho de 2016, https://www.derwesten.de/panorama/afrika-liebt-champagner-</p><p>id7896047.html.</p><p>172 Knight Frank, The Wealth Report 2016 (2016), acessado em 20 de Junho de 2016,</p><p>https://content.knightfrank.com/research/83/documents/en/wealth-report-2016-3579.pdf, 14.</p><p>173 Sieren and Sieren, Der Afrika-Boom, 50.</p><p>174 Helmut Asche, “Demografische und soziale Entwicklung: Chance oder Risiko?”, em</p><p>Praxishandbuch Wirtschaft in Afrika, editado por Thomas Schmidt, Kay Pfaffenberger e Stefan</p><p>Liebing (Wiesbaden: Springer Gabler, 2017), 42.</p><p>175 Sieren and Sieren, Der Afrika-Boom, 50–51. Asche estima que cerca de 30 milhões de</p><p>famílias na África são de classe média (pelo menos US$ 5.500 de renda familiar anual): Asche,</p><p>“Demografische und soziale Entwicklung,” 43.</p><p>176 Sieren and Sieren, Der Afrika-Boom, 50.</p><p>177Ibid., 16.</p><p>178Ibid., 41.</p><p>179 Dambisa Moyo, Winner Take All: China’s Race for Resources and What It Means for the</p><p>World (New York: Basic Books, 2012), 85.</p><p>180 Stefan Enders, “Investment in Afrika: Chinas und Indiens planvolle Präsenz”, IHK (19 de</p><p>Junho de 2017), acessado em 20 de Junho de 2018, www.subsahara-afrika-</p><p>ihk.de/blog/2017/06/19/investment-in-afrika-chinas-undindiens-planvolle-praesenz.</p><p>181 Sieren and Sieren, Der Afrika-Boom, 21.</p><p>182Ibid., 115.</p><p>183 Freytag, “Ist Afrikas wirtschaftliche Entwicklung nachhaltig?”, 37.</p><p>184 Sieren and Sieren, Der Afrika-Boom, 15.</p><p>185 Moyo, Winner Take All, 166 et seq.</p><p>186 Sieren and Sieren, Der Afrika-Boom, 42–43.</p><p>187 Berman, Success in Africa, 117.</p><p>188Ibid., 120.</p><p>189 Ibid., 118–119.</p><p>190 Ibid., 130–131.</p><p>191 Ver Zhang, The Logic of the Market, 161 et seq.</p><p>192 Moky Makura, Africa’s Greatest Entrepreneurs (Century City, CA: Penguin, 2008).</p><p>193 Freytag, “Ist Afrikas wirtschaftliche Entwicklung nachhaltig?”, 47.</p><p>194 Ibid., 46.</p><p>195 Georgetown University, “U2’s Bono: Budget Cuts Can Impact Social Enterprise, Global</p><p>Change” (13 de Novembro de 2012), acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>https://www.georgetown.edu/news/bono-speaks-at-gu.html.</p><p>196 Louise Armitstead and Ben Harrington, “Bob Geldof to Front African Private Equity Fund”,</p><p>The Telegraph (3 de Setembro de 2010), acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>www.telegraph.co.uk/finance/newsbysector/banksandfinance/privateequity/7978634/Bob-Geldof-to-</p><p>front-African-private-equity-fund.html. da Lagos Business School, uma vez sugeriu, apenas</p><p>parcialmente em</p><p>197 Mahajan, Africa Rising, 18.</p><p>198 Citado em ibid., 21.</p><p>A</p><p>CAPÍTULO 3</p><p>ALEMANHA: VOCÊ NÃO PODE</p><p>ULTRAPASSAR</p><p>UM MERCEDES EM UM TRABANT</p><p>Alemanha, involuntariamente, tornou-se o local de um experimento</p><p>em grande escala projetado para determinar se os humanos têm maior</p><p>probabilidade de prosperar sob uma economia controlada pelo Estado</p><p>ou de livre mercado. O experimento, que levou mais de 40 anos para ser</p><p>solucionado, começou com o fim da Segunda Guerra Mundial e a ocupação</p><p>da Alemanha pelas potências aliadas, e terminou com o colapso do regime</p><p>socialista na Alemanha Oriental e a reunificação alemã em 1989-1990.</p><p>Após o fim da guerra, a Alemanha foi dividida em quatro zonas, cada</p><p>uma controlada pelo exército de uma das potências aliadas. Entre 1947-</p><p>1948, as três zonas ocidentais ocupadas pelos EUA, os britânicos e os</p><p>franceses se fundiram para formar o ‘Trizone’. Com apenas 15% de suas</p><p>instalações industriais destruídas por bombardeios aliados, a parte oriental</p><p>da Alemanha controlada pelos soviéticos sofreu muito menos danos</p><p>econômicos do que o resto do país.199 No entanto, esses danos foram</p><p>agravados pelo desmantelamento de fábricas em toda a Alemanha Oriental,</p><p>que foram transportadas para a União Soviética a título de “reparação” das</p><p>perdas sofridas durante a guerra.</p><p>A divisão da Alemanha em dois Estados por décadas não fazia parte do</p><p>plano original das potências ocupantes, mas sim uma consequência da</p><p>Guerra Fria que eclodiu entre a União Soviética e os Aliados Ocidentais na</p><p>sequência de sua vitória conjunta sobre a Alemanha.</p><p>A economia planejada socialista na Alemanha Oriental</p><p>O Partido Comunista (KPD) logo emergiu como uma força política</p><p>dominante na zona ocupada pelos soviéticos. Antes de sua fusão com o</p><p>Partido Social-Democrata (SPD) para formar o Partido Socialista Unificado</p><p>(SED) em abril de 1946, o KPD emitiu uma declaração em junho de 1945</p><p>que, pelos padrões comunistas, soa surpreendentemente moderada,</p><p>garantindo o “desenvolvimento completamente desobstruído de comércio</p><p>livre e empreendedorismo privado com base na propriedade privada”.</p><p>Apesar da garantia de que “seria errado impor o sistema soviético à</p><p>Alemanha”,200 isso é exatamente o que aconteceria nos anos seguintes.</p><p>Tudo começou com uma reforma agrária que viu a expropriação sem</p><p>compensação de propriedades maiores que 100 hectares (247 acres) e</p><p>propriedades anteriormente pertencentes a líderes nacional-socialistas de</p><p>alto escalão. As terras agrícolas expropriadas foram divididas em pequenos</p><p>lotes e dadas aos agricultores. A divisão de grandes propriedades foi</p><p>justificada como uma medida de “desnazificação”, com o benefício</p><p>adicional de fornecer um meio de vida para as pessoas deslocadas e</p><p>refugiados das regiões a leste da nova fronteira alemã com a Polônia e a</p><p>Tchecoslováquia, que foram eufemisticamente chamadas de “resettlers (os</p><p>que buscaram o reassentamento)” na linguagem oficial da República</p><p>Democrática Alemã. Em 1950, dois terços das terras expropriadas foram</p><p>dados a beneficiários individuais.</p><p>A nacionalização das indústrias da Alemanha Oriental aconteceu em</p><p>vários estágios, começando na zona ocupada pelos soviéticos como parte da</p><p>“luta contra o fascismo”. A teoria comunista considerava o capitalismo a</p><p>causa raiz do fascismo (o termo comunista para nacional-socialismo), que</p><p>precisava ser eliminada para livrar o mundo do fascismo de uma vez por</p><p>todas. Assim, para o SED, as expropriações eram um instrumento de luta de</p><p>classes e não um meio de punir proprietários individuais por colaborarem</p><p>com o regime nacional-socialista.201</p><p>No final de 1948, as empresas públicas já geravam 60% do volume total</p><p>de produção em toda a zona ocupada pelos soviéticos. Em 1955, esse</p><p>número subiu para 80%. As empresas privadas restantes foram sujeitas a</p><p>várias pressões e discriminadas no que se refere à distribuição de materiais</p><p>de produção,202 resultando em uma perda significativa de potencial</p><p>empresarial em toda a zona ocupada pelos soviéticos. Em 1953, uma em</p><p>cada sete empresas industriais da Alemanha Oriental — um total de mais de</p><p>4.000 empresas — mudou sua sede para o oeste, levando com elas</p><p>executivos sêniores e especialistas técnicos, bem como talentos</p><p>empreendedores.203</p><p>Fiel ao lema socialista de dar poder aos trabalhadores,</p><p>os proprietários</p><p>ou diretores de muitas empresas nacionalizadas foram destituídos dos</p><p>cargos e substituídos por trabalhadores. Em meados de 1948, mais da</p><p>metade de todas as empresas públicas na região da Saxônia eram dirigidas</p><p>por ex-trabalhadores, 80% dos quais não tinham educação além do ensino</p><p>fundamental.204 Enormes departamentos administrativos foram criados</p><p>dentro das empresas para lidar com o dilúvio de papeladas — regulamentos,</p><p>normas de execução, ordenanças, relatórios, estatísticas e metas para a</p><p>produção, finanças e investimento. Cada empresa estatal teve que</p><p>apresentar até 65 relatórios complexos e detalhados por mês para a</p><p>autoridade de planejamento econômico, departamentos governamentais,</p><p>administrações regionais, o escritório que lidava com decisões relacionadas</p><p>aos preços e outros órgãos públicos.205</p><p>Assim como na própria União Soviética, a economia na zona ocupada</p><p>pelos soviéticos era cada vez mais planejada por funcionários do governo.</p><p>Como Fritz Selbmann, um importante economista comunista, explica: “[Em</p><p>uma] economia planejada, cada detalhe da fabricação é controlado por</p><p>planos, cada processo econômico, desde a obtenção de matérias-primas até</p><p>o transporte, processamento e vendas, é planejado com antecedência.”206</p><p>Enquanto em uma economia de mercado livre os preços são</p><p>determinados pela oferta e demanda, eles eram agora definidos pelo</p><p>governo. Por razões políticas, os preços dos alimentos e de outros itens</p><p>essenciais do dia-a-dia, em particular, eram frequentemente mais baixos do</p><p>que o custo das matérias-primas necessárias para produzi-los. “Plano” se</p><p>tornou uma palavra mágica. Como membros dos Jovens Pioneiros, crianças</p><p>de apenas seis anos aprenderam a elogiar a economia planejada em um</p><p>fervoroso hino ao “querido plano” que lhes deu “sapatos e roupas, [...] casas</p><p>e escolas”, fizeram “trens irem e virem rapidamente”, “envio[u] navios pelo</p><p>mar” e prometeu fornecer “ainda mais carvão, aço e minério, e alegrar seus</p><p>corações”.207</p><p>Em 7 de outubro de 1949, poucos meses depois que a República Federal</p><p>da Alemanha foi estabelecida nas zonas ocidentais, a zona ocupada pelos</p><p>soviéticos tornou-se a República Democrática Alemã (RDA). A recuperação</p><p>econômica foi lenta. O consumo privado per capita na RDA em 1950</p><p>variou entre pouco mais de um terço e metade dos níveis de 1936, e em</p><p>1952 atingiu entre 50% e 75% dos níveis de consumo per capita da</p><p>Alemanha Ocidental.208</p><p>Demandas feitas pelo ditador soviético Joseph Stalin em conversas com</p><p>a liderança do SED em abril de 1952 sobre a criação de “cooperativas</p><p>produtivas” em áreas rurais e o embarque “aquiescente” do país na “rota</p><p>para o socialismo”209 foram rapidamente seguidas por esforços concertados</p><p>para coletivizar a produção agrícola na RDA. As cooperativas agrícolas</p><p>recém-criadas receberam tratamento preferencial sobre os agricultores</p><p>independentes como disse o chefe de Estado da Alemanha Oriental, Walter</p><p>Ulbricht: “A cooperativa de produção vem em primeiro e segundo lugar, e</p><p>só então as fazendas de pequeno e médio porte terão a sua vez.”210 Muitos</p><p>agricultores fugiram para o oeste, em vez de suportar a pressão crescente.</p><p>O governo usou a política fiscal como um instrumento para impor a</p><p>nacionalização e aumentar a pressão sobre as operações privadas no</p><p>comércio e na indústria. Empresas que obtiveram lucros de 100.000 marcos</p><p>alemães-orientais ou mais foram tributadas a 78,5%, uma taxa que subiu</p><p>para 90% para as empresas que obtiveram 500.000 marcos alemães-</p><p>orientais ou mais.211</p><p>Não admira, então, que um número crescente de alemães orientais —</p><p>agricultores, comerciantes e empresários, em particular — fugiu para o</p><p>oeste: a média mensal de 15.000 para o período entre 1950 e 1952 não foi</p><p>muito em comparação com os 37.500 por mês que deixaram a parte leste do</p><p>país durante os primeiros seis meses de 1953.212 Essas pesadas perdas</p><p>foram um duro golpe para a economia da Alemanha Oriental. O governo</p><p>respondeu elevando as metas de produção, o que — embora</p><p>economicamente necessário — gerou ainda mais descontentamento na</p><p>população e desencadeou a revolta popular de 17 de junho de 1953, quando</p><p>centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas em protesto e os</p><p>trabalhadores entraram em greve. A revolta foi finalmente reprimida por</p><p>tanques soviéticos, matando entre 51 e mais de 100 pessoas, de acordo com</p><p>diferentes fontes.213</p><p>O relato oficial publicado no jornal SED Neues Deutschland reformulou</p><p>as greves e as manifestações como uma “provocação fascista por agentes</p><p>estrangeiros”: “Seguindo as instruções de Washington, agências americanas</p><p>baseadas na Alemanha Ocidental estão desenvolvendo planos para guerra e</p><p>guerra civil.”214 Não querendo admitir que os dissidentes e a resistência</p><p>existissem dentro de suas próprias fronteiras, os regimes ditatoriais, da</p><p>União Soviética de Stalin às versões atuais, sempre foram rápidos em</p><p>culpar “espiões estrangeiros” como os mentores por trás de qualquer</p><p>revolta.</p><p>Na verdade, existem muitas provas documentais que mostram que o</p><p>governo ocidental e as agências de notícias estavam completamente</p><p>despreparados para os acontecimentos de 17 de junho. Sua resposta inicial</p><p>aos relatos da revolta foi de descrença, o que em alguns casos deu origem à</p><p>noção absurda de que as manifestações poderiam ter sido uma tentativa</p><p>liderada pela Rússia de colocar Ulbricht sob pressão.215</p><p>O trauma da revolta continuaria a assombrar os governantes comunistas</p><p>nas próximas décadas. Sua determinação de evitar outra revolta a qualquer</p><p>custo os tornou mais relutantes em aumentar a pressão sobre os</p><p>trabalhadores. Graças aos relatórios compilados pela agência de segurança</p><p>nacional, a notória Stasi, o partido estava profundamente ciente da vontade</p><p>popular. Informações detalhadas sobre o descontentamento popular e as</p><p>críticas ao regime também alimentaram as negociações do governo da</p><p>Alemanha Oriental com a União Soviética, levando a pedidos de apoio</p><p>financeiro e material para evitar que a situação econômica na Alemanha</p><p>Oriental agravasse.</p><p>Enquanto tudo isso acontecia, a reestruturação da agricultura da</p><p>Alemanha Oriental de acordo com o dogma socialista causou estragos no</p><p>abastecimento de alimentos do país. Entre 1952 e 1961, a proporção de</p><p>cooperativas agrícolas onde — além da gestão coletiva dos campos —</p><p>todos os equipamentos, animais e pastagens estavam sob propriedade</p><p>coletiva aumentou de pouco mais de um em cada dez para pouco menos de</p><p>dois terços. Os agricultores continuaram a sair em números crescentes.</p><p>Apenas entre 1952 e 1956, um total de 70.000 operações agrícolas — 30%</p><p>delas “grandes fazendas”, de 20 a 100 hectares — foram dissolvidas porque</p><p>seus proprietários haviam fugido do país.216</p><p>O regime da Alemanha Oriental deu voltas e mais voltas em seus</p><p>esforços para coletivizar a produção agrícola. Um período inicial radical</p><p>para aumentar a pressão sobre os fazendeiros foi seguido por uma</p><p>reviravolta em junho de 1953, com a promessa de que os fazendeiros que</p><p>haviam partido seriam capazes de retornar e obter suas terras de volta. Dos</p><p>11.000 agricultores que partiram nos primeiros seis meses de 1953, apenas</p><p>10% aceitaram a oferta. No lado positivo, 2.500 veredictos judiciais contra</p><p>os agricultores que não cumpriram suas cotas foram revertidos, e um</p><p>número significativo de agricultores que cumpriam penas de prisão foram</p><p>libertados.217</p><p>Embora ciente do enorme custo da coletivização, o regime da Alemanha</p><p>Oriental foi capaz de se consolar em saber que outros países socialistas</p><p>haviam suportado um fardo semelhante. Como disse Erich Mückenberger,</p><p>membro do secretariado do Comitê Central encarregado da agricultura:</p><p>“Criar uma sociedade socialista nas áreas rurais sempre custa dinheiro e</p><p>nenhum país jamais conseguiu fazê-lo com pouco dinheiro.”218</p><p>Ao contrário da intenção proclamada do regime de superar a economia</p><p>da Alemanha Ocidental, no final dos anos 1950 o consumo per capita na</p><p>RDA ainda estava 12% abaixo dos níveis anteriores à guerra e 50% abaixo</p><p>do consumo per capita da Alemanha Ocidental.219 Isso foi antes de o Muro</p><p>de Berlim ser construído,</p><p>quando os alemães orientais ainda podiam cruzar</p><p>para Berlim Ocidental e se maravilhar com a melhor qualidade, os preços</p><p>mais baixos (de 20% a 30%) e o fornecimento mais confiável de produtos</p><p>nas lojas.220</p><p>Enquanto os alimentos essenciais eram vendidos abaixo do custo na</p><p>economia planejada da RDA, os preços dos “alimentos de luxo” e roupas</p><p>eram significativamente mais altos. Os grãos de café custavam 19,40</p><p>marcos alemães por quilo no oeste e 80 marcos alemães-orientais no leste.</p><p>Um par de sapatos masculinos custava em média 32 marcos alemães no</p><p>oeste e mais de 73 marcos no leste.221 Pão, por outro lado, era</p><p>ridiculamente barato. O principal especialista da Coreia do Norte, Rüdiger</p><p>Frank, que cresceu na Alemanha Oriental, lembra-se de alguns de seus</p><p>concidadãos abusando do sistema de preços: “Os planejadores do governo</p><p>na RDA quase devem ter ficado desesperados com os números de vendas</p><p>relatados a Berlim por padarias da Alemanha Oriental, o que mostrou que</p><p>todos os cidadãos da RDA pareciam comer grandes quantidades de pão. O</p><p>que eles não sabiam, ou não poderiam fazer nada a respeito se soubessem,</p><p>era que alguns fazendeiros compravam pão fresco para alimentar seus</p><p>porcos, já que era muito mais barato do que a ração real para porcos. Eles</p><p>foram então capazes de vender suas carnes com um grande lucro porque os</p><p>preços eram subsidiados pelo governo.”222</p><p>Os próprios comunistas da Alemanha Oriental eram inabaláveis em sua</p><p>crença no socialismo como o sistema superior. Na conferência do SED de</p><p>1958, Ulbricht definiu a tarefa da política econômica mais importante do</p><p>regime: trazer o consumo per capita da “população trabalhadora” para</p><p>“todos os alimentos essenciais e bens de consumo” até e acima do nível de</p><p>“toda a população da Alemanha Ocidental” até 1961.223</p><p>Entre as ações do governo de Ulbricht para atingir essa meta ambiciosa,</p><p>a coletivização acelerada mais uma vez se tornou uma prioridade. Julho de</p><p>1958 marcou o fim da abordagem mais conciliatória do regime e o início de</p><p>um novo ataque à propriedade privada das operações agrícolas — uma</p><p>medida absurda e autodestrutiva, puramente ideológica, dado que os</p><p>agricultores independentes obtiveram melhores rendimentos do que os</p><p>coletivos existentes. Os agricultores que administravam operações de médio</p><p>porte bem-sucedidas ainda estavam rejeitando entrar em um coletivo.224</p><p>Em dezembro de 1959, o SED lançou um programa nacional de</p><p>coletivização compulsória, lançando líderes partidários locais em</p><p>competição entre si para alcançar a coletivização completa primeiro.</p><p>Brigadas de agitação foram enviadas às aldeias para conquistar os</p><p>habitantes locais com música alta e slogans propagandísticos. Qualquer</p><p>pessoa que não fosse influenciada pela propaganda era ameaçada ou</p><p>simplesmente presa.225 A recusa de se juntar ao coletivo local</p><p>“voluntariamente” era considerada “contra-revolucionária” — uma</p><p>acusação perigosa que poderia levar o acusado à prisão por anos.226</p><p>Em abril de 1960, todos os distritos da Alemanha Oriental relataram</p><p>coletivização completa, embora cerca de 15.000 agricultores tenham fugido</p><p>para o oeste no decorrer desta campanha, que o partido celebrou como sua</p><p>“primavera socialista (socialist spring)”.227 Com muito poucas fazendas</p><p>independentes remanescentes, a “revolução venceu as áreas rurais, os</p><p>ideólogos triunfaram e havia longas filas do lado de fora dos açougues e</p><p>verdureiros de todo o país”.228 Sem a ajuda de importações adicionais de</p><p>alimentos da União Soviética, o sistema de abastecimento de alimentos da</p><p>Alemanha Oriental teria entrado totalmente em colapso.</p><p>A situação continuou a se agravar. A fim de introduzir a colheita,</p><p>trabalhadores adicionais tiveram que ser destacados de seus empregos</p><p>regulares para empresas municipais. Devido à falta de equipamentos e</p><p>instalações adequadas para agricultura em grande escala, o grau de</p><p>mecanização implantado na safra de grãos caiu de 68% para apenas 39%. A</p><p>partir do final de 1960, um número crescente de agricultores tentou deixar</p><p>os coletivos, alguns dos quais chegaram perto de serem encerrados. De</p><p>acordo com estimativas do Comitê de Planejamento Nacional, a</p><p>coletivização custou à RDA um total de 1 bilhão de marcos, uma quantia</p><p>impressionante para a época.229</p><p>Ao mesmo tempo, a oferta de bens à disposição da população em geral</p><p>deteriorou-se progressivamente. De carne e laticínios a sapatos, todos os</p><p>tipos de tecidos e sabão em pó, tudo estava em falta. As prateleiras</p><p>costumavam ficar vazias e a situação geral parecia pior do que no final dos</p><p>anos 1950.230 A economia da RDA parecia mais distante do que nunca de</p><p>alcançar o objetivo declarado de Ulbricht de superar os padrões de vida no</p><p>Ocidente capitalista.</p><p>No início de 1961, Ulbricht relatou aos líderes soviéticos:</p><p>“A lacuna entre nós e a Alemanha Ocidental não diminuiu em 1960.</p><p>Pelo contrário, as dificuldades internas aumentaram devido ao não</p><p>cumprimento de prazos, bem como à escassez de suprimentos técnicos e</p><p>materiais. Um estado em que a continuidade dos processos de produção</p><p>não pode mais ser garantida em muitas empresas tem causado forte</p><p>descontentamento entre os trabalhadores e a intelectualidade.”</p><p>Em seu círculo interno, Ulbricht expressou temores de que a situação se</p><p>deteriorasse ainda mais e que o êxodo em massa de alemães orientais que</p><p>partiam para o oeste continuasse inabalável.231</p><p>“A tentativa precipitada de alcançar a coletivização à força criou um</p><p>círculo vicioso na RDA”, diz Stefan Wolle em seu relato sobre a vida</p><p>cotidiana e o poder do governo na Alemanha Oriental antes da construção</p><p>do Muro de Berlim. “As medidas compulsórias levaram a uma deterioração</p><p>dos padrões de vida que levou um número crescente de pessoas a deixar o</p><p>país. Seu êxodo em massa, por sua vez, criou mais dificuldades</p><p>econômicas, o que levou a uma maior deterioração dos padrões de vida.”232</p><p>Também ficou cada vez mais claro que o princípio de uma economia</p><p>planejada como tal — ou seja, um sistema em que a alocação de recursos é</p><p>controlada por um departamento de planejamento governamental, ao invés</p><p>de preços refletindo a escassez na relação entre oferta e demanda — estava</p><p>causando problemas significativos. Como explica o historiador André</p><p>Steiner:</p><p>“As empresas dariam início a qualquer projeto que tivesse sido</p><p>incluído (ou seja, orçado) no plano, independentemente de o</p><p>equipamento necessário estar disponível ou não; eles estavam com</p><p>medo de terem o dinheiro tirado novamente se não o fizessem. É por</p><p>isso que muitos projetos foram iniciados sem nunca serem concluídos</p><p>ou produzirem qualquer resultado. Os fundos investidos nesses projetos</p><p>incompletos em toda a indústria de manufatura em 1960/61 quase</p><p>igualaram, e nos anos subsequentes excederam, o volume de</p><p>investimento anual.”233</p><p>Em 1961, o investimento havia caído para um quarto do nível de</p><p>1959.234 Os números crescentes de pessoas deixando o país só agravaram a</p><p>situação.</p><p>Em agosto de 1961, a liderança da Alemanha Oriental deu o passo</p><p>desesperado de construir um muro para impedir que mais pessoas se</p><p>juntassem aos 2,74 milhões que já haviam partido desde 1949. De acordo</p><p>com números do Comitê de Planejamento Nacional, a economia da</p><p>Alemanha Oriental havia perdido um total de 963.000 trabalhadores, 13%</p><p>de toda a força de trabalho.235</p><p>Na linguagem oficial, o Muro de Berlim era uma “defesa antifascista”</p><p>projetada para impedir que fascistas e agentes ocidentais se infiltrassem no</p><p>país. Todos sabiam que isso era uma mentira tanto quanto a famosa negação</p><p>de Ulbricht de qualquer intenção de construir um muro em junho de 1961,</p><p>dois meses antes de a construção começar. Na verdade, o muro já era uma</p><p>admissão de derrota. Ao fugir do país em massa, o povo deixou sua vontade</p><p>bem clara e não deixou dúvidas quanto à sua opinião sobre os méritos</p><p>relativos do socialismo da Alemanha Oriental e da economia de livre</p><p>mercado na parte ocidental do país.</p><p>Claro, essa não foi uma conclusão que a liderança da Alemanha Oriental</p><p>estava disposta a tirar. Assim que ficou claro que a construção do muro</p><p>pouco serviu para resolver a crise, o governo</p><p>lançou um ‘Novo Sistema</p><p>Econômico’ que transferiu mais independência para empresas individuais.</p><p>“Basicamente, os reformadores estavam tentando simular os mecanismos de</p><p>uma economia de livre mercado sem estabelecer as bases para uma</p><p>economia de livre mercado.”236 As reformas não tiveram um impacto</p><p>significativo e foram sujeitas a uma série de emendas e modificações.</p><p>Afinal de contas, o regime continuava empenhado em atingir as metas</p><p>estabelecidas, que em 1969 foram definidas como “um salto no</p><p>desenvolvimento da tecnologia e da base produtiva”. De acordo com</p><p>documentos internos, a suposição era que a economia da Alemanha Oriental</p><p>seria capaz de ultrapassar e exceder os níveis de produção e padrões de vida</p><p>da Alemanha Ocidental em ou antes de 1980.237</p><p>Os padrões de vida na Alemanha Oriental aumentaram até certo ponto.</p><p>Entre 1960 e 1970, o percentual de famílias com carro multiplicou de</p><p>apenas 3,2% para 15,6%, enquanto o número de famílias com máquinas de</p><p>lavar e geladeiras aumentou ainda mais de 6% para 50%. Esses itens eram</p><p>considerados mercadorias de luxo, com 40% do preço de venda utilizados</p><p>para subsidiar os preços de itens essenciais. Custando 1.350 e 1.200 marcos</p><p>alemães-orientais, respectivamente, em 1965 as geladeiras e máquinas de</p><p>lavar custavam mais do que o dobro do salário médio mensal do trabalhador</p><p>de 491 marcos alemães-orientais.238 Apesar das taxas de crescimento de</p><p>cerca de 2% ao ano durante os anos 1960, os salários reais na Alemanha</p><p>Oriental ficaram cada vez mais atrás das taxas de crescimento da Alemanha</p><p>Ocidental de 5% a 6% ao ano.239 O problema foi agravado pela escassez</p><p>e/ou longas filas para itens específicos, incluindo roupas íntimas de frio,</p><p>roupas infantis e esportivas, calçados de inverno, baterias, ferros, móveis</p><p>modulares, escovas de dente e velas de ignição.240</p><p>A fim de pagar as instalações e os equipamentos necessários para</p><p>modernizar a indústria manufatureira, a RDA começou a pedir dinheiro</p><p>emprestado da Alemanha Ocidental e de outros países capitalistas.</p><p>“Estamos pedindo emprestado o máximo que podemos dos capitalistas</p><p>apenas para garantir nossa sobrevivência básica”, disse Ulbricht a seu</p><p>homólogo soviético Leonid Brezhnev em maio de 1970.241 Ele foi forçado</p><p>a renunciar um ano depois, em suas tentativas de levar adiante um programa</p><p>moderado de reformas que encontraram resistência tanto da União Soviética</p><p>como de seu próprio partido.</p><p>O sucessor de Ulbricht, Erich Honecker, seguiu uma nova linha, que ele</p><p>definiu como “fusão de política econômica e social”. Em vez de tentar</p><p>estabelecer as bases econômicas primeiro para melhorar os padrões de vida,</p><p>sua ideia era começar pela implementação de políticas sociais que teriam</p><p>um impacto direto na vida das pessoas e, consequentemente, aumentariam a</p><p>produtividade.</p><p>Em parte, essa mudança de direção foi motivada pelo medo de ver</p><p>eventos semelhantes às manifestações, greves e protestos dos trabalhadores</p><p>que se espalharam pela Polônia em dezembro de 1970 se repetindo na</p><p>Alemanha Oriental. Como parte da nova política, os salários mínimos, as</p><p>férias anuais e as taxas de pensão foram aumentados repetidamente,</p><p>enquanto as mães de vários filhos tiveram suas horas de trabalho</p><p>obrigatórias reduzidas. O ambicioso programa de desenvolvimento</p><p>habitacional lançado em 1973 foi outra base da nova política de</p><p>Honecker.242</p><p>Os avisos do Comitê de Planejamento Nacional de que a economia não</p><p>estava crescendo rápido o suficiente para financiar essas medidas</p><p>abrangentes foram ignorados; o chefe de governo, Willi Stoph, disse na</p><p>primavera de 1972: “Os cálculos atuais do Comitê de Planejamento</p><p>Nacional não levaram em consideração o crescimento na produtividade que</p><p>resultará do nosso apelo aos trabalhadores com o anúncio dessas medidas</p><p>de política social.”243 Declarações desse tipo eram uma expressão das auto-</p><p>ilusões de um regime economicamente ineficiente.</p><p>Até as modestas tentativas de reforma da era Ulbricht chegaram ao fim.</p><p>O desempenho das empresas individuais agora era medido pelo volume de</p><p>produção, e não pelo lucro. Quanto mais uma empresa produzia —</p><p>independentemente da eficiência —, melhor seu desempenho relatado.244</p><p>Isso não fazia sentido do ponto de vista econômico e criava incentivos mal</p><p>direcionados.</p><p>Ao mesmo tempo, o regime comunista aumentou ainda mais a pressão</p><p>sobre as pequenas e médias empresas restantes. Honecker despertou</p><p>sentimentos de inveja contra os antigos “pequenos capitalistas” que se</p><p>“transformaram em milionários”. Em 1971, os proprietários das últimas</p><p>empresas privadas ou parcialmente estatais remanescentes ganhavam cerca</p><p>de três vezes e meia mais depois dos impostos do que o trabalhador médio</p><p>de colarinho branco ou azul. O ano de 1972 viu o lançamento de um grande</p><p>programa de nacionalização que afetou cerca de 11.000 empresas —</p><p>cooperativas comerciais envolvidas na produção industrial, empresas</p><p>parcialmente estatais e empresas privadas. Isso também era irracional e</p><p>motivado puramente pela ideologia, uma vez que ia contra o objetivo</p><p>declarado de melhorar a situação do fornecimento. Em vez disso, ainda</p><p>mais bens de consumo ficaram indisponíveis, criando uma nova</p><p>escassez.245</p><p>As 15.000 cartas de reclamação que Honecker recebeu todos os anos</p><p>foram arquivadas em “submissões” e analisadas por estatísticos. Problemas</p><p>de moradia, viagens para a Alemanha Ocidental e a escassez diária de</p><p>suprimentos surgiram como principais preocupações nessas cartas.246 Um</p><p>marido e pai enviou a Honecker uma laranja seca acompanhada por um</p><p>bilhete que dizia:</p><p>“Quando minha esposa estava em nosso ponto de venda local esta</p><p>semana, ela teve a sorte de receber uma laranja para nossa filha, porque</p><p>a entrega tinha sido tão “grande” que incluía exatamente uma laranja</p><p>para cada criança da cidade. Hoje íamos dar a laranja para a nossa filha,</p><p>mas ficamos consternados ao perceber que estava quase totalmente</p><p>ressecada e não comestível [...] Todos os dias, como muitos</p><p>trabalhadores em nosso país, trabalhamos pelo bem comum das pessoas</p><p>e entregamos um alto padrão de qualidade. Em troca, gostaríamos muito</p><p>de poder comprar QUALIDADE pelo menos uma vez!!!”247</p><p>Outros tomaram medidas mais drásticas para expressar seu</p><p>descontentamento, conforme ilustrado por um relatório apresentado pela</p><p>administração do distrito em Halle sobre os eventos que ocorreram durante</p><p>a noite de 18 a 19 de maio de 1961, quando “mensagens provocativas”</p><p>apareceram em várias vitrines. Entre outras coisas, as mensagens deixadas</p><p>pelos “perpetradores até então não identificados” incluíam “sem pão nos</p><p>sábados”, “natas frescas” pintadas na vitrine de uma loja em formato self-</p><p>service, “bananas - tomates - pepinos” e similares. Esses rabiscos foram</p><p>encontrados em um total de doze locais da cidade. Os perpetradores usaram</p><p>pintura a óleo de cor branca. “As forças de segurança abriram</p><p>procedimentos de investigação conforme exigido.”248</p><p>A política social de Honecker levou a uma situação em que o país vivia</p><p>cada vez mais de seus ativos. Os investimentos urgentemente necessários</p><p>não se materializaram, os equipamentos da fábrica ficaram para trás em</p><p>relação à tecnologia de ponta atual, e não havia dinheiro suficiente para</p><p>fazer avançar o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. A</p><p>produtividade na RDA ficou mais atrás do que nunca dos níveis da</p><p>Alemanha Ocidental, dobrando a diferença de um terço no início da década</p><p>de 1950 para dois terços na década de 1980.249</p><p>Em curto prazo, entretanto, a nova direção política alcançou os</p><p>resultados pretendidos. O aumento da produção de bens de consumo, em</p><p>combinação com uma redução nas exportações e o aumento nos volumes de</p><p>importação, significou que, em meados da década de 1970, o governo</p><p>conseguiu melhorar a oferta de itens para atender à demanda por mais</p><p>escolha e qualidade e preços mais competitivos. No entanto, os bens</p><p>disponíveis para os consumidores na Alemanha Oriental ainda não</p><p>chegavam nem perto dos padrões da Alemanha Ocidental. A qualidade de</p><p>bens superior, como carros e TVs em cores, era muito inferior à de itens</p><p>semelhantes disponíveis</p><p>no Ocidente capitalista.</p><p>Honecker só conseguiu atingir seu objetivo mais importante de elevar os</p><p>padrões de vida pedindo emprestado ainda mais dinheiro dos países</p><p>capitalistas. Em 1982, o valor que a Alemanha Oriental devia aos países</p><p>capitalistas — que era de cerca de 2 bilhões de marcos valuta (uma unidade</p><p>monetária usada na Alemanha Oriental para denominar os preços de</p><p>comércio exterior, equivalente a 0,95 marcos alemães) quando Honecker</p><p>assumiu o cargo no início dos anos 1970 — ultrapassou 25 bilhões de</p><p>marcos valuta.250 Economistas da RDA alertaram que as dívidas do país</p><p>não eram mais sustentáveis: o consenso internacional era que não mais do</p><p>que 25% da receita em moeda estrangeira de um país deveria ser gasta em</p><p>pagamentos de dívidas e juros. Na RDA, esse número havia subido para</p><p>115%, enquanto surpreendentes 168% da receita em moeda estrangeira</p><p>convertível de todo o país foi para seus credores.251 A recusa dos países</p><p>ocidentais em conceder novos empréstimos a países socialistas trouxe a</p><p>RDA para a beira da falência, que foi evitada apenas pelo governo da</p><p>Alemanha Ocidental intervindo para garantir dois empréstimos no valor de</p><p>um bilhão de marcos alemães cada.252</p><p>A crescente lacuna tecnológica entre a RDA e o mundo ocidental tornou-</p><p>se evidente no ambicioso programa de microeletrônica de Honecker, que</p><p>gastou 14 bilhões de marcos da Alemanha Oriental em investimentos</p><p>apenas entre 1986 e 1989. Outros 14 bilhões de marcos alemães-orientais</p><p>foram investidos em pesquisa e desenvolvimento neste campo, sem</p><p>mencionar os 4 bilhões de marcos valuta gastos em importações de países</p><p>ocidentais.253 Apesar dessa despesa enorme, o resultado foi deprimente: o</p><p>custo de produção para um chip de memória de 256 quilobits era de 534</p><p>marcos alemães-orientais, enquanto o mesmo componente estava disponível</p><p>por quatro a cinco marcos valuta no mercado global. A RDA ficou oito anos</p><p>atrás da tecnologia de ponta internacional e alcançou apenas 10% das</p><p>quantidades médias que os fabricantes do Ocidente eram capazes de</p><p>produzir.254</p><p>A indústria automotiva era outra área em que a lacuna entre a RDA e a</p><p>Alemanha Ocidental era particularmente óbvia. Quando o Muro de Berlim</p><p>caiu em 1989, apenas pouco mais da metade de todas as famílias da</p><p>Alemanha Oriental possuíam um carro, e mais da metade deles eram</p><p>Trabants — a famosa marca da Alemanha Oriental com um motor de dois</p><p>tempos e um máximo de 26 cavalos de potência — enquanto apenas 0,1%</p><p>eram importações ocidentais. Os cidadãos comuns tiveram que esperar</p><p>entre 12,5 e 17 anos por um carro novo. Quase todo mundo solicitou um</p><p>carro, e solicitações foram vendidas para aqueles impacientes por pular a</p><p>fila por algo entre 2.000 e 40.000 marcos alemães-orientais. Ao mesmo</p><p>tempo, os carros usados eram vendidos por duas ou três vezes o preço de</p><p>um carro novo no próspero mercado negro.255</p><p>Durante o final da década de 1980, a diferença entre seu próprio padrão</p><p>de vida e o do “Ocidente capitalista” tornou-se bastante clara para o número</p><p>crescente de alemães orientais que receberam permissão para viajar para a</p><p>Alemanha Ocidental. Embora assistir a canais de TV ocidentais fosse ilegal</p><p>na Alemanha Oriental, a maioria da população o fazia, e muitos recebiam</p><p>pacotes de parentes e amigos da Alemanha Ocidental. Produtos ocidentais</p><p>também estavam em exposição em lojas estatais chamada Intershop,</p><p>embora estivessem disponíveis para compra apenas para aqueles que tinham</p><p>a sorte de ter moeda estrangeira. Esses lembretes constantes de uma vida</p><p>melhor do outro lado da fronteira interna com a Alemanha não ajudaram em</p><p>nada a conter o crescente descontentamento.</p><p>A RDA não apenas falhou em atingir sua meta declarada de alcançar e</p><p>ultrapassar a Alemanha Ocidental, como a lacuna entre os dois sistemas</p><p>havia se ampliado ainda mais. Dificultada pelas falhas sistêmicas de sua</p><p>economia planejada, a Alemanha Oriental nunca teve a chance de alcançar</p><p>seu vizinho ocidental, cujo modelo muito diferente de uma “economia</p><p>social de mercado” provou ser muito superior em garantir a prosperidade.</p><p>“Economia social de mercado” da Alemanha Ocidental</p><p>As três zonas ocidentais da Alemanha foram atingidas ainda mais</p><p>duramente do que o leste pela devastação do tempo de guerra. Por outro</p><p>lado, era vantajoso para eles que o desmantelamento da infraestrutura nunca</p><p>atingisse os mesmos níveis que no leste controlado pelos soviéticos.</p><p>Imediatamente após a guerra, muitos alemães em ambas as partes do</p><p>país passaram fome. No final de 1945, a ingestão alimentar média diária de</p><p>2.800 calorias no Reino Unido era o dobro da ingestão diária na Alemanha</p><p>Ocidental. Demorou até o segundo semestre de 1948 para voltar a níveis</p><p>aceitáveis. Para piorar as coisas, o bombardeio de guerra havia tornado</p><p>entre 22% e 25% do parque imobiliário da Alemanha Ocidental</p><p>inabitável.256</p><p>No entanto, com relação à situação política, os alemães ocidentais</p><p>estavam em uma posição muito melhor do que seus compatriotas na zona</p><p>ocupada pelos soviéticos, com nenhum dos aliados ocidentais insistindo na</p><p>adoção de uma economia planejada. No entanto, o sentimento</p><p>anticapitalista predominou na Europa do pós-guerra. Em 1945, um governo</p><p>trabalhista liderado pelo líder sindical de esquerda Clement Attlee chegou</p><p>ao poder no Reino Unido, enquanto o Partido Comunista obteve 28,6% dos</p><p>votos nas eleições francesas de 1946 e foi um componente central das</p><p>alianças tripartidas que governaram o país de 1944 a 1947.</p><p>Esse forte sentimento anticapitalista também se refletiu em ambas as</p><p>partes da Alemanha. Então, como agora, a política da Alemanha Ocidental</p><p>era dominada por dois grandes partidos — os Social-Democratas (SPD) e a</p><p>União Democrática Cristã (CDU), que foi fundada logo após a Segunda</p><p>Guerra Mundial. O SPD estava ainda mais comprometido com o dogma</p><p>socialista do que está hoje. O partido demorou até 1959 para adotar os</p><p>princípios do mercado livre em seu “Manifesto de Godesberg’.</p><p>O sentimento anti-capitalista na CDU foi refletido no “Manifesto Ahlen”</p><p>de 1947, adotado pela seção regional do partido na Renânia do Norte-</p><p>Vestfália. Publicado com o slogan “CDU transcende o Capitalismo e o</p><p>Marxismo”, o manifesto foi aclamado por seus apoiadores como a</p><p>articulação dos princípios do socialismo cristão. Suas primeiras linhas</p><p>deixam poucas dúvidas quanto às suas prioridades:</p><p>“O sistema econômico capitalista não conseguiu atender aos</p><p>interesses nacionais e sociais do povo alemão. Após o terrível colapso</p><p>político, econômico e social como resultado de uma política de poder</p><p>criminoso, uma reestruturação abrangente tornou-se necessária. O</p><p>conteúdo e objetivo desta nova ordem social e econômica não pode</p><p>mais ser a busca capitalista de lucro e poder, mas apenas o bem-estar de</p><p>nosso povo.”</p><p>O manifesto continuava exigindo a nacionalização parcial das principais</p><p>indústrias e a ampla participação dos trabalhadores na gestão. Após a</p><p>eleição de Konrad Adenauer para o cargo de chanceler federal em setembro</p><p>de 1949, a CDU começou a adotar políticas econômicas mais orientadas</p><p>para o mercado.</p><p>O fato de a Alemanha Ocidental contrariar a tendência ao adotar uma</p><p>economia de mercado livre em um momento em que o planejamento</p><p>econômico controlado pelo Estado prevalecia em outras partes da Europa</p><p>foi em grande parte devido aos esforços de um homem. Esse homem era</p><p>Ludwig Erhard, que veio de uma família de empresários e, em 1942, fundou</p><p>o Instituto de Pesquisa de Indústria (Institute for Industry Research) para</p><p>identificar estratégias para estabelecer uma ordem econômica orientada</p><p>para o mercado na Alemanha do pós-guerra. Embora os nacionais-</p><p>socialistas tenham deixado de abolir a propriedade privada dos meios de</p><p>produção, eles interferiram cada vez mais nas questões econômicas e</p><p>impuseram restrições político-partidárias e pressões ideológicas às</p><p>empresas. O distinto modelo orientado para o mercado de Erhard foi uma</p><p>rejeição explícita da política econômica do Terceiro Reich.</p><p>Erhard, que não era membro de nenhum partido, tornou-se Ministro de</p><p>Assuntos Econômicos da Baviera depois da guerra e diretor</p><p>do</p><p>Departamento Especial de Dinheiro e Crédito criado pelos americanos para</p><p>se preparar para a reforma monetária. Já em outubro de 1946, ele expôs</p><p>seus argumentos contra uma economia planejada controlada pelo Estado e a</p><p>favor de uma economia de mercado com livre concorrência e liberalização</p><p>dos preços em um artigo de jornal com o título “Mercado Livre ou</p><p>Economia Controlada pelo Estado”.257</p><p>Criado pelo economista Alfred Müller-Armack em 1947, o termo</p><p>“economia social de mercado” ainda é usado hoje para descrever o sistema</p><p>econômico alemão, embora seu uso atual tenha pouco em comum com a</p><p>compreensão de Erhard do conceito. Longe de designar um “meio-termo”</p><p>entre a concorrência de mercado livre e a política social, Erhard viu a</p><p>economia social de mercado como uma chance de superar as abordagens</p><p>tradicionais da política social por meio de uma ordem econômica que</p><p>promovia a criação de riqueza.258 Ele acreditava firmemente que mais</p><p>liberdade econômica era o caminho para um maior bem-estar social.259 Os</p><p>historiadores econômicos Mark Spoerer e Jochen Streb provavelmente</p><p>estão certos em apontar que, no final dos anos 1940, a fórmula da economia</p><p>social de mercado foi projetada principalmente para “fazer o retorno a um</p><p>sistema econômico capitalista — o que estava longe de ser um fato</p><p>inevitável no momento — aceitável para uma população materialmente</p><p>empobrecida e profundamente instável ideologicamente”.260 Afinal, os</p><p>alemães haviam se acostumado com a retórica explicitamente anticapitalista</p><p>dos nacionais-socialistas, enquanto noções de “bem-estar social” têm sido</p><p>um marco do discurso político na Alemanha.</p><p>Contrário às interpretações atuais, Erhard considerava a economia de</p><p>livre mercado como um impulsionador do bem-estar social em si —</p><p>independentemente de quaisquer tentativas subsequentes de redistribuição,</p><p>das quais ele era bastante cético. Como ele disse, é muito mais fácil</p><p>“conceder a cada indivíduo um pedaço maior de uma economia de uma</p><p>nação crescente do que continuar lutando até a exaustão para distribuir os</p><p>ganhos enquanto se afasta do único caminho para o sucesso, que é aumentar</p><p>o produto nacional bruto”.261 Consequentemente, uma política econômica</p><p>bem-sucedida, com o tempo, evitaria a necessidade de políticas de bem-</p><p>estar social no sentido tradicional.262</p><p>Erhard foi capaz de colocar em prática sua visão da política econômica.</p><p>Na sua capacidade como diretor da administração econômica Bizone, que</p><p>havia sido estabelecida durante a combinação das zonas de ocupação</p><p>americana e britânica em 1º de janeiro de 1947, durante a ocupação da</p><p>Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, Erhard fez um anúncio pelo</p><p>rádio um dia antes da reforma monetária em 20 de junho de 1948 — sem</p><p>primeiro consultar as potências aliadas — para declarar o fim do controle</p><p>de produção de muitos alimentos essenciais. A Alemanha ainda era um país</p><p>ocupado, e Erhard mais tarde alegou que foi chamado a prestar contas pelo</p><p>governador militar, Lucius D. Clay, que se opôs à sua decisão unilateral de</p><p>flexibilizar os regulamentos dos Aliados. “Eu não os flexibilizei. Eu os</p><p>aboli”, respondeu Erhard, ao que Clay rebateu: “Meus conselheiros estão</p><p>me dizendo que você cometeu um erro terrível”. Erhard respondeu: “Meus</p><p>conselheiros estão me dizendo a mesma coisa.”263 Quer essa conversa</p><p>realmente tenha acontecido ou não, a iniciativa de Erhard definitivamente</p><p>levantou muitos questionamentos na época.</p><p>Marion von Dönhoff, uma jornalista que mais tarde se tornaria uma das</p><p>principais luzes da intelectualidade da esquerda alemã, desprezou as</p><p>propostas de Erhard: “Mesmo se a Alemanha já não tivesse sido arruinada,</p><p>aquele homem definitivamente nos levaria lá com seu plano absurdo de</p><p>abolir todos os controles de produção. Que Deus nos proteja do que seria</p><p>um terceiro desastre após Hitler e o desmembramento da Alemanha.”264</p><p>A abolição dos controles de preços e de produção por Erhard foi um</p><p>passo corajoso e uma condição-chave para a recuperação econômica</p><p>subsequente. Os nacionais-socialistas criaram uma densa rede de</p><p>regulamentações de preços e salários, que as administrações aliadas</p><p>inicialmente mantiveram.</p><p>“Essa rede dificultava a obtenção de importantes produtos</p><p>intermediários pelas empresas, ao oferecer preços elevados. Por outro</p><p>lado, os limites de preço impossibilitaram as empresas de se</p><p>beneficiarem da alta disponibilidade dos clientes para pagar. Preços e</p><p>salários haviam perdido sua função-chave no contexto de uma economia</p><p>de mercado — refletindo a escassez relativa — e não eram mais capazes</p><p>de equilibrar a oferta e a demanda nos mercados de bens e de</p><p>trabalho.”265</p><p>No domingo, 20 de junho de 1948, cada cidadão da Alemanha Ocidental</p><p>recebeu 40 marcos alemães em troca de 40 Reichsmark e outros 20 marcos</p><p>alemães foram pagos nos dois meses seguintes. A taxa para valores que</p><p>excediam esses limites foi fixada em 6,50 marcos alemães por 100</p><p>Reichsmark, a ser trocada uma vez que o período inicial de dois meses</p><p>tivesse passado.</p><p>Depois que a moeda flutuou e flexibilizaram os controles de preços, as</p><p>vitrines das lojas rapidamente se encheram de mercadorias que haviam sido</p><p>armazenadas anteriormente. Ao mesmo tempo, porém, os preços</p><p>aumentaram drasticamente, gerando protestos violentos. Os sindicatos</p><p>convocaram a única greve geral na história do pós-guerra alemão. Eles</p><p>vagavam pelas ruas com faixas exigindo “Erhard para a forca”.266 Como a</p><p>economista Karen Horn comenta: “A economia social de mercado não era</p><p>amplamente aceita na época”.267 Uma vez que o desemprego também</p><p>aumentou no início e havia fortes ressalvas sobre a orientação da economia</p><p>de mercado de Erhard entre os aliados ocidentais e os partidos políticos na</p><p>Alemanha, não era de forma alguma uma conclusão precipitada a de que</p><p>esse curso prevaleceria.</p><p>Em vista do aumento dos preços e do desemprego, os planos de retorno</p><p>aos controles de preços e de produção já haviam sido elaborados e estavam</p><p>prontos para implementação, aguardando nas gavetas da administração</p><p>econômica.268 “O experimento do mercado livre quase falhou antes mesmo</p><p>de ter uma chance de demonstrar adequadamente suas capacidades.”269</p><p>Apesar das críticas da esquerda política, Erhard era o político mais popular</p><p>nas zonas ocidentais na época e, em 1949, a CDU entrou na campanha</p><p>eleitoral com o slogan “Economia Planejada ou Economia de Mercado” —</p><p>e venceu, ainda que por uma pequena margem, com 31%, contra 29,2% do</p><p>SPD.</p><p>Não pode haver dúvida de que o curso de política econômica</p><p>estabelecido pela iniciativa de economia de mercado de Erhard foi mais</p><p>instrumental na promoção do “milagre econômico” da República Federal do</p><p>que o Plano Marshall (em homenagem ao então Secretário de Estado dos</p><p>EUA, George C. Marshall), que forneceu ajuda para a população sofredora</p><p>e, em alguns casos, faminta da Europa após a guerra. Do volume total do</p><p>programa de US$ 13,1 bilhões, cerca de 25% foram para o Reino Unido,</p><p>outros 20% para a França e 10% cada para a Alemanha Ocidental e a Itália.</p><p>O resto foi distribuído entre uma dúzia de outros países. Segundo cálculos</p><p>do historiador econômico Barry Eichengreen, esses recursos aumentaram o</p><p>PIB dos beneficiários em uma média de 0,5% entre 1948 e 1951.270</p><p>O período que então começou na Alemanha Ocidental foi</p><p>frequentemente referido como o “milagre econômico alemão”. Entre 1948 e</p><p>1960, o PIB per capita cresceu em média 9,3% e continuou a crescer 3,5%</p><p>no período entre 1961 e 1973.271 Embora uma recessão tenha atingido o</p><p>país em 1967 com uma queda de 0,5% no PIB, a economia da Alemanha</p><p>Ocidental logo acelerou novamente. O desemprego, que havia sido muito</p><p>alto depois da guerra, foi reduzido em poucos anos e deu lugar ao pleno</p><p>emprego. Apesar de várias outras recessões — incluindo uma após o</p><p>choque global do preço do petróleo no final de 1973 —, era óbvio que as</p><p>condições econômicas na Alemanha Ocidental estavam melhorando muito</p><p>mais rapidamente do que no leste.</p><p>A corrida entre os dois sistemas foi vencida, não pelo leste socialista,</p><p>como tinha sido a ambição pública de Ulbricht e Honecker, mas pela</p><p>Alemanha Ocidental</p><p>orientada para o mercado. As evidências conclusivas</p><p>fornecidas por todos os dados econômicos disponíveis apenas confirmaram</p><p>o que os cidadãos alemães comuns já sabiam. Quando chegou a hora de</p><p>fazer um balanço em 1989,272 67,8% dos alemães ocidentais tinham um</p><p>carro, em comparação com apenas 54,3% dos alemães orientais. Os carros</p><p>da Alemanha Ocidental — BMW, Mercedes, Volkswagen, etc. — eram de</p><p>qualidade significativamente mais alta do que os modelos da Alemanha</p><p>Oriental, Trabant e Wartburg. E, embora os alemães ocidentais pudessem</p><p>visitar uma concessionária de automóveis a qualquer momento para</p><p>comprar um carro produzido em seu país ou no exterior, os cidadãos da</p><p>RDA tiveram que esperar pelo menos uma década por seu veículo.</p><p>Em 1989, 12% dos alemães orientais possuíam um computador,</p><p>enquanto a porcentagem era três vezes maior na Alemanha Ocidental</p><p>(37,4%). Na RDA, apenas as casas de poucos privilegiados — 16% da</p><p>população total, em sua maioria servidores públicos e funcionários seniores</p><p>— ostentavam telefones. Em toda a Alemanha Ocidental, a cobertura foi de</p><p>99,3%. Após a introdução de um sistema de mercado livre na antiga</p><p>Alemanha Oriental, a lacuna diminuiu rapidamente. Em 2006, as diferenças</p><p>nas taxas de propriedade de carros (72,9% na antiga Alemanha Oriental vs.</p><p>78% na antiga Alemanha Ocidental), computadores (66,6% vs. 69%) e</p><p>telefones fixos (99,8% vs. 99,2%) diminuíram para níveis quase</p><p>insignificantes.</p><p>Embora o regime de Honecker tenha feito da habitação uma prioridade,</p><p>a diferença entre os dois sistemas econômicos não era mais visível do que</p><p>no mercado imobiliário. Enquanto os aluguéis eram controlados em níveis</p><p>extremamente acessíveis, os alemães orientais tiveram que esperar anos por</p><p>um apartamento muito cobiçado em um dos novos edifícios construídos</p><p>com placas de concreto pré-fabricadas. Os edifícios multifamiliares</p><p>existentes do pré-guerra em Leipzig, Dresden, Berlim Oriental, Erfurt e</p><p>outras cidades da Alemanha Oriental estavam tão dilapidados que foi</p><p>necessário um enorme esquema de reforma financiado por impostos no</p><p>valor de vários bilhões de euros para recuperá-los após a reunificação da</p><p>Alemanha. Naquela época, os prédios de apartamentos pré-fabricados que</p><p>datavam da era pós-guerra também exigiam uma reforma em grande escala,</p><p>além da extensa atividade de construção necessária para resolver a falta de</p><p>habitação na parte leste (oriental) da Alemanha.</p><p>Com a ajuda de incentivos fiscais, um total de 838.638 residências</p><p>foram concluídas na antiga RDA durante a década de 1990, a um custo de</p><p>84 bilhões de euros.273 Isso é ainda mais notável considerando que a</p><p>habitação foi uma política fundamental durante a era Honecker. O chanceler</p><p>da Alemanha, Helmut Kohl, foi ridicularizado por sua promessa de criar</p><p>“paisagens exuberantes” — mas uma comparação entre as cidades no leste</p><p>da Alemanha durante a era da economia planejada da RDA e hoje</p><p>demonstra de forma convincente a superioridade da economia de mercado.</p><p>Apesar de todas as conquistas impressionantes da economia de mercado</p><p>alemã, há poucos motivos para complacência. O modelo de economia social</p><p>de mercado de Erhard, que quase todos os atuais partidos alemães</p><p>incorporaram em seus manifestos — alguns mais explicitamente do que</p><p>outros — foi sujeito a uma reinterpretação gradual ao longo dos anos. Hoje,</p><p>é frequentemente mal interpretado como significando a redistribuição em</p><p>grande escala da riqueza por um estado de bem-estar social abrangente. O</p><p>próprio Erhard alertou contra essa tendência em um livro publicado em</p><p>1957 sob o título Wohlstand für alle (Prosperidade para Todos): “O ideal</p><p>que tenho em mente é baseado na força do indivíduo para dizer ‘Eu quero</p><p>me provar por conta própria, quero assumir os riscos da vida sozinho, quero</p><p>ser responsável pelo meu próprio destino. Cabe a você, Estado, garantir que</p><p>eu seja capaz de fazê-lo.’ O apelo do indivíduo ao Estado não deve ser</p><p>‘Venha em meu auxílio, proteja-me e ajude-me’, mas o oposto: ‘Fique fora</p><p>do meus negócios, mas me dê muita liberdade e me deixe ficar com o</p><p>suficiente dos meus ganhos para que eu seja capaz de moldar minha própria</p><p>existência, meu destino e o da minha família.’”274</p><p>Os governos alemães subsequentes deram as costas cada vez mais a</p><p>esses princípios. No início dos anos 2000, a expansão excessiva do estado</p><p>de bem-estar social levou a uma explosão nos gastos públicos e</p><p>comprometeu significativamente o desempenho econômico. Os gastos com</p><p>bem-estar social dispararam de 15,5% do PIB em 1970 para 27,2% em</p><p>2005 — em comparação com 20,6% no Reino Unido e 15,8% nos EUA.275</p><p>A Alemanha era uma potência econômica da Europa, mas foi ficando</p><p>para trás, atrapalhando o crescimento. Os números crescentes de</p><p>desemprego acentuaram a necessidade de uma resposta urgente a um</p><p>problema que o então chanceler, o social-democrata Gerhard Schröder,</p><p>conhecia há muito tempo. Em uma declaração escrita para o jornal alemão</p><p>Handelsblatt em dezembro de 2002, Schröder disse:</p><p>“Não é mais uma questão de distribuir um excedente. Expectativas</p><p>adicionais não podem mais ser satisfeitas. Em vez disso, se quisermos</p><p>preservar a prosperidade sólida, o desenvolvimento sustentável e a nova</p><p>equidade, precisaremos reduzir algumas expectativas atuais e reduzir ou</p><p>mesmo abolir os benefícios de bem-estar que podem ter sido</p><p>justificados há meio século atrás, mas que hoje perderam sua urgência e,</p><p>portanto, a sua razão para existir.”276</p><p>Ao longo de quatro anos de ‘ fireside chats (conversas mais informais)’,</p><p>Schröder tentou vender suas propostas de reforma para empregadores e</p><p>sindicatos. No entanto, os sindicatos permaneceram teimosamente</p><p>recalcitrantes. Cansado das demandas incessantes por impostos mais altos</p><p>para os que ganhavam mais, aumento dos empréstimos públicos e um</p><p>esquema de investimento de bilhões de euros, Schröder perdeu a paciência</p><p>e respondeu duramente às críticas do líder sindical Frank Bsirske durante</p><p>uma conversa final em 3 de março de 2003: “Isso é o disparate mais</p><p>estúpido que eu já ouvi.”277</p><p>Menos de duas semanas depois, em 14 de março de 2003, ele apresentou</p><p>suas propostas da Agenda 2010 em um discurso de 90 minutos para o</p><p>parlamento alemão: “Teremos que reduzir os benefícios da previdência,</p><p>recompensar a iniciativa e esperar que cada indivíduo contribua mais”. O</p><p>pacote de reforma difícil e intransigente de Schröder incluiu a fusão do</p><p>subsídio para candidatos a emprego e benefícios da previdência social ao</p><p>nível deste último para garantir que no futuro ninguém “será capaz de se</p><p>sentar e deixar que outros façam o trabalho. Qualquer pessoa que recusar</p><p>uma oferta de emprego razoável — vamos alterar os critérios do que é</p><p>considerado razoável — enfrentará penalidades.”278</p><p>A Agenda 2010 de Schröder foi projetada para restabelecer o equilíbrio</p><p>entre o bem-estar social e a economia de mercado livre, ao flexibilizar os</p><p>regulamentos sobre proteção contra demissões sem justa causa e outros</p><p>benefícios dos trabalhadores. O benefício do desemprego foi limitado a 12</p><p>meses, e orientações mais estritas foram aplicadas para determinar se uma</p><p>oferta de trabalho era razoável. Nos anos anteriores, o governo de Schröder</p><p>já havia cortado impostos para pessoas físicas e jurídicas. Entre 1999 e</p><p>2005, a taxa para a faixa de renda superior foi gradualmente reduzida de</p><p>53% para 42%.</p><p>Tal como acontece com tentativas semelhantes de reformar um sistema</p><p>de previdência inflacionado em outros países, a Agenda 2010 encontrou</p><p>forte resistência do público, não menos do que do próprio partido de</p><p>Schröder e dos sindicatos, que viram as reformas como um ataque aos</p><p>direitos dos trabalhadores conduzido pelas forças do “neoliberalismo” e do</p><p>“radicalismo de mercado”.</p><p>No entanto, a médio prazo, elas se mostraram extremamente eficazes e</p><p>ajudaram a reduzir o desemprego na Alemanha em 50%, de 11,6% em 2003</p><p>para 5,6% em 2017. Em parte, isso foi conquistado ao melhorar</p><p>significativamente a capacidade da Alemanha de manter sua vantagem</p><p>competitiva no mercado global, que resultou em um aumento do PIB de</p><p>2.130 bilhões de euros em 2003 para</p><p>3.263 bilhões de euros em 2017.</p><p>Enquanto isso, outros países europeus que não conseguiram impor reformas</p><p>semelhantes — França e Itália, por exemplo — observaram o desempenho</p><p>econômico da Alemanha com inveja.</p><p>-</p><p>199 André Steiner, Von Plan zu Plan: Eine Wirtschaftsgeschichte der DDR (Berlin: Aufbau</p><p>Taschenbuch, 2007), 24.</p><p>200 Institut für Marxismus-Leninismus beim ZK der SED, Revolutionäre deutsche</p><p>Parteiprogramme: Vom Kommunistischen Manifest zum Programm des Sozialismus (Berlin: Dietz</p><p>Verlag, 1967), 196–197.</p><p>201 Steiner, Von Plan zu Plan, 46.</p><p>202Ibid., 47.</p><p>203Ibid., 80.</p><p>204 Ibid., 48.</p><p>205 Stefan Wolle, Der große Plan: Alltag und Herrschaft in der DDR 1949–1951 (Berlin: Ch.</p><p>Links Verlag, 2013), 118.</p><p>206 Citado em Steiner, Von Plan zu Plan, 65.</p><p>207 Citado em Wolle, Der große Plan, 116–117.</p><p>208 Steiner, Von Plan zu Plan, 79.</p><p>209Ibid., 81.</p><p>210Citado em ibid., 83.</p><p>211 Wolle, Der große Plan, 376.</p><p>212 Steiner, Von Plan zu Plan, 86.</p><p>213Ibid., 89.</p><p>214 Citado em Wolle, Der große Plan, 271.</p><p>215 Ibid., 273–274.</p><p>216 Steiner, Von Plan zu Plan, 103.</p><p>217 Wolle, Der große Plan, 389.</p><p>218 Steiner, Von Plan zu Plan, 111.</p><p>219 Ibid., 114.</p><p>220 Ibid., 122–123.</p><p>221 Ibid., 123.</p><p>222 Rüdiger Frank, Nordkorea: Innenansichten eines totalen Staates, 2ª ed. (Munich: Deutsche</p><p>Verlags-Anstalt, 2017), 148.</p><p>223 Steiner, Von Plan zu Plan, 124.</p><p>224 Wolle, Der große Plan, 390.</p><p>225 Steiner, Von Plan zu Plan, 131.</p><p>226 Wolle, Der große Plan, 390.</p><p>227 Steiner, Von Plan zu Plan, 131.</p><p>228 Wolle, Der große Plan, 391.</p><p>229 Steiner, Von Plan zu Plan, 132–133.</p><p>230 Ibid., 134–135.</p><p>231 Ibid., 135–136.</p><p>232 Wolle, Der große Plan, 391.</p><p>233 Steiner, Von Plan zu Plan, 128.</p><p>234Ibid., 128.</p><p>235 Ibid., 118.</p><p>236 Ibid., 149.</p><p>237Ibid., 165.</p><p>238 Ibid., 178.</p><p>239 Ibid., 180.</p><p>240Ibid., 182.</p><p>241 Ibid., 184.</p><p>242 Ibid., 194–195.</p><p>243 Citado em ibid., 194.</p><p>244 Ibid., 198.</p><p>245Ibid., 200–201.</p><p>246 Henrik Eberle, Mit sozialistischem Gruß: Eingaben, Briefe und Mitteilungen an die DDR-</p><p>Regierung (Berlin: Edition Berolina, 2016), 13–14.</p><p>247 Citado em ibid., 14.</p><p>248 Citado em ibid., 18.</p><p>249 Steiner, Von Plan zu Plan, 235.</p><p>250Ibid., 221.</p><p>251 Ibid., 222.</p><p>252 Ibid., 225.</p><p>253 Ibid., 238.</p><p>254 Ibid., 239.</p><p>255 Ibid., 248.</p><p>256 Mark Spoerer and Jochen Streb, Neue deutsche Wirtschaftsgeschichte des 20. Jahrhunderts</p><p>(Munich: De Gruyter Oldenbourg, 2013), 212–213.</p><p>257 Walter Wittmann, Soziale Marktwirtschaft statt Wohlfahrtsstaat: Wege aus der Krise (Zürich:</p><p>Orell Füssli, 2013), 72.</p><p>258 Gerd Habermann, Der Wohlfahrtsstaat: Die Geschichte eines Irrwegs (Frankfurt: Propyläen</p><p>Verlag, 1994), 331.</p><p>259 Karen Ilse Horn, Die Soziale Marktwirtschaft. Alles, was Sie über den Neoliberalismus</p><p>wissen sollten (Frankfurt: Frankfurter Allgemeine Buch, 2010), 122.</p><p>260 Spoerer and Streb, Neue deutsche Wirtschaftsgeschichte, 265.</p><p>261 Ludwig Erhard, Wohlstand für alle (Düsseldorf: Econ, 1990), 10.</p><p>262 Habermann, Der Wohlfahrtsstaat, 332.</p><p>263 Citado em Peter Gillies, “Ludwig Erhard: Ökonom der Freiheit”, em Peter Gillies, Daniel</p><p>Koerfer and Udo Wengst, Ludwig Erhard (Berlin: Be.bra Wissenschaft Verlag, 2010), 125–126.</p><p>264Ibid., 126.</p><p>265 Spoerer and Streb, Neue deutsche Wirtschaftsgeschichte, 210.</p><p>266 Daniel Koerfer, “Ludwig Erhard: Der vergessene Gründervater”, em Peter Gillies, Daniel</p><p>Koerfer and Udo Wengst, Ludwig Erhard (Berlin: Be.bra Wissenschaft Verlag, 2010), 32.</p><p>267 Karen Ilse Horn, Die Soziale Marktwirtschaft, 123.</p><p>268 Koerfer, “Ludwig Erhard”, 32.</p><p>269 Hans-Peter Schwarz, Die Ära Adenauer: Gründejahre der Republik 1949–1957 (Stuttgart:</p><p>Deutsche Verlagsanstalt, 1981), 86.</p><p>270 “Aufbauhilfe für das zerstörte Europa”, Frankfurter Allgemeine Zeitung (3 de Abril de 2008).</p><p>271 Spoerer and Streb, Neue deutsche Wirtschaftsgeschichte, 219.</p><p>272 Para os seguintes dados, ver Statistisches Jahrbuch 1990 für die Bundesrepublik Deutschland,</p><p>Statistisches Jahrbuch 1991 für das vereinigte Deutschland, Sozialreport 1990 (Daten und Fakten</p><p>zur sozialen Lage in der DDR), Datenreport 2008.</p><p>273 Fontes: “Bauen und Wohnen” building permits/completed constructions, Lange Reihen,</p><p>Federal Statistical Office, 26 July 2017, Article no. 5311101167004; Chapters 4.2 (1990) and 4.3</p><p>(1991–1999)/EUR 84 bilhões: estes são os custos agregados cotados pelos incorporadores para</p><p>edifícios concluídos na antiga RDA para o período entre 1991 e 1999; “Bauen und Wohnen” building</p><p>permits/completed constructions, construction costs, Lange Reihen dating back to 1962, Federal</p><p>Statistical Office, 27 July 2017, Article no. 5311103167004; Neue Länder und Berlin, Chapter 3.</p><p>274 Erhard, Wohlstand für alle, 251–252.</p><p>275 Spoerer and Streb, Neue deutsche Wirtschaftsgeschichte, 262.</p><p>276 Gerhard Schröder, artigo para Handelsblatt (16 de Dezembro de 2002).</p><p>277 Citado em Gregor Schöllgen, Gerhard Schröder: Die Biografie (Munich: Deutsche Verlags-</p><p>Anstalt, 2015), 676.</p><p>278 Ibid., 684–685.</p><p>C</p><p>CAPÍTULO 4</p><p>COREIA DO SUL E DO NORTE:</p><p>KIM IL-SUNG VERSUS A SABEDORIA</p><p>DO MERCADO</p><p>omo a Alemanha, a Coreia saiu da Segunda Guerra Mundial como um</p><p>país dividido por dois sistemas econômicos concorrentes. Antes da</p><p>sua divisão em um sul capitalista e um norte comunista em 1948, a</p><p>Coreia era um dos países mais pobres do mundo, semelhante à África</p><p>subsaariana. Isso só começou a mudar no início dos anos 1960. Hoje, a</p><p>Coreia do Sul capitalista é a oitava maior exportadora mundial, cujo PIB</p><p>per capita de US$ 27.539 a coloca à frente de países como Espanha</p><p>(26.609), Rússia (8.929), Brasil (8.727) e China (8.113).279 Samsung,</p><p>Hyundai e LG estão entre as marcas coreanas mais populares e bem-</p><p>sucedidas.</p><p>Estimativas vagas — não há números exatos disponíveis — colocam o</p><p>PIB per capita da Coreia do Norte em cerca de US$ 583.280 O país é</p><p>frequentemente devastado por fomes que matam milhares de seus</p><p>habitantes. Seria difícil imaginar uma prova mais convincente das</p><p>vantagens de uma ordem econômica capitalista sobre uma ordem</p><p>econômica comunista. Parece que o mercado é capaz de superar até mesmo</p><p>Kim Il-sung, o fundador do país, a quem os norte-coreanos adoram como</p><p>um deus.</p><p>Qualquer pessoa corajosa — ou imprudente — o suficiente para</p><p>expressar esse pensamento na Coreia do Norte estaria sujeita a detenção e</p><p>aprisionamento. A Coreia do Norte proíbe qualquer sugestão de que o</p><p>“presidente eterno”, seu filho Kim Jong-il e seu neto Kim Jong-un podem</p><p>não ser os homens mais sábios do mundo. O preâmbulo da constituição da</p><p>“República Popular Democrática da Coreia” afirma:</p><p>“A Constituição Socialista da República Popular Democrática da</p><p>Coreia deve, como a codificação das ideias direcionadas à ideologia</p><p>Juche dos líderes supremos Kim Il-sung e Kim Jong-il sobre a</p><p>construção do Estado e suas façanhas nele, ser chamada de Constituição</p><p>Kim Il-sung e Kim Jong-il.”281</p><p>O culto em torno dos líderes norte-coreanos não tem precedentes em</p><p>nenhum outro lugar do mundo — nem mesmo Stalin e Mao desfrutavam</p><p>desse nível de devoção entre seus compatriotas. O aniversário de Kim Il-</p><p>sung (19 de abril) é comemorado anualmente como o “Dia do Sol”, o</p><p>feriado público mais importante do calendário nacional. Além disso, o</p><p>calendário norte-coreano, que foi introduzido no final da década de 1990,</p><p>conta o tempo a partir do ano de nascimento de Kim Il-sung em 1912.</p><p>Assim, no momento em que este livro foi escrito, os norte-coreanos viviam</p><p>em 107, em vez de 2018.282 Todos os itens em que Kim Il-sung tocou são</p><p>adorados como relíquias sagradas, com uma placa vermelha ou uma</p><p>inscrição em ouro comemorando esse acontecimento importante e, na</p><p>maioria das vezes, interditando o local sagrado ou item para que nenhum</p><p>mero mortal se aproxime. É por isso que ninguém tem permissão para</p><p>entrar no elevador central em um banco de três no arranha-céu da</p><p>Universidade Kim Il-sung na capital da Coreia do Norte, Pyongyang, que já</p><p>foi usado pelo Líder Supremo. Rochas que serviram como locais de</p><p>descanso para Kim Il-sung durante uma de suas caminhadas são cercadas</p><p>para protegê-las, enquanto os locais mais bonitos nas montanhas norte-</p><p>coreanas são decorados com citações</p><p>do Líder Supremo e slogans</p><p>esculpidos profundamente na face da rocha.283</p><p>Existem regulamentos rígidos relativos à exibição obrigatória de fotos</p><p>de Kim Il-sung e seu filho Kim Jong-il em todas as casas norte-coreanas. A</p><p>literatura norte-coreana está repleta de relatos de feitos heroicos de homens</p><p>e mulheres devotos que arriscam suas próprias vidas para salvar essas fotos</p><p>durante desastres como incêndios ou naufrágios.284 De acordo com a</p><p>propaganda oficial, Kim Il-sung e seus sucessores têm a habilidade de curar</p><p>outras pessoas e a ocasião auspiciosa do nascimento de Kim Jong-il foi</p><p>marcada pelo aparecimento de uma estrela excepcionalmente brilhante.</p><p>Quando ele morreu, as cegonhas supostamente poderiam ser vistas voando</p><p>por todo o país.285</p><p>No Ocidente, o líder norte-coreano é objeto de medo ou é ridicularizado,</p><p>enquanto os norte-coreanos estão convencidos de que o mundo inteiro</p><p>inveja seus líderes supremos. Como diz a introdução a uma biografia de</p><p>Kim Jong-il: “Seu amor é verdadeiramente grande; cura os enfermos e dá</p><p>vida nova, como a chuva de primavera que o sagrado país bebe... Tudo isso</p><p>desperta admiração nos povos do mundo, causando inveja de nós”.286 Por</p><p>todas as suas qualidades maravilhosas, o autor prossegue dizendo, o Líder</p><p>Supremo permaneceu um homem modesto que escolheu ter suas estátuas</p><p>gigantescas espalhadas por todo o país banhadas com bronze simples em</p><p>vez de ouro.287</p><p>Há uma empresa com mais de 4.000 funcionários que se dedica</p><p>principalmente à fabricação de monumentos, estátuas e pinturas que</p><p>glorificam o Líder Supremo. A produção continua mesmo em épocas em</p><p>que muitos norte-coreanos passam fome. A empresa tem um negócio</p><p>paralelo lucrativo, que é responder à demanda por obras semelhantes de</p><p>ditadores em outras partes do mundo, entre eles o antigo governante do</p><p>Zimbábue Robert Mugabe.288</p><p>O culto à personalidade em torno de Kim Il-sung remonta à guerra de</p><p>libertação da ocupação japonesa, à criação da Coreia do Norte e à Guerra da</p><p>Coreia entre 1950 e 1953. Assim como a Alemanha foi ocupada pelos</p><p>Aliados Ocidentais e pela União Soviética no final da Segunda Guerra</p><p>Mundial, a Coreia foi dividida entre uma zona ocupada pelos soviéticos e</p><p>uma zona ocupada pelos EUA em 1945. E, assim como a Alemanha foi</p><p>dividida em duas, com a República Federal no oeste e a República</p><p>Democrática Alemã no leste, a Coreia foi dividida para formar a República</p><p>Popular Democrática no norte e a República da Coreia no sul.</p><p>Em junho de 1950, as tropas norte-coreanas atacaram a Coreia do Sul,</p><p>dando início à Guerra da Coreia, na qual a China e a União Soviética</p><p>ficaram contra uma coalizão, liderada pelos EUA, de membros da ONU. A</p><p>guerra terminou com um acordo de armistício em 1953, depois de matar</p><p>940.000 soldados e cerca de 3 milhões de civis, quase destruindo toda a</p><p>indústria do país. Kim Il-sung permaneceu no poder até sua morte em 1994.</p><p>Ele foi sucedido por seu filho, Kim Jong-il, que morreu em 2011 e foi</p><p>sucedido por seu próprio filho, Kim Jong-un.</p><p>Coreia do Norte e a doutrina de Kim Il-Sung e Kim Jong-Il</p><p>A Coreia do Norte aderiu inicialmente à doutrina marxista-leninista e</p><p>alinhou-se estreitamente com a China e a União Soviética. Após ocupar a</p><p>parte norte do país, a União Soviética começou a reestruturar a economia</p><p>local segundo o modelo de seu próprio sistema, da mesma forma que havia</p><p>feito na Alemanha Oriental e em outros países do Leste Europeu.</p><p>Especificamente, isso significava a nacionalização compulsória das</p><p>operações industriais — a maioria das quais anteriormente era pertencente</p><p>aos japoneses — e a reforma agrária.</p><p>A partir do início da década de 1960, no entanto, os líderes da Coreia do</p><p>Norte, com a intenção de provar sua independência, começaram a propagar</p><p>uma rota alternativa ao socialismo, que foi informada pelos dogmas de Kim</p><p>Il-sung e Kim Jong-il e se tornou conhecida como a “Doutrina de Kim Il-</p><p>sung e Kim Jong-il”. Os norte-coreanos usam o termo juche para se referir a</p><p>uma ideologia idiossincrática que combina elementos-chave do socialismo</p><p>com uma forma extrema de nacionalismo e um culto à personalidade.289 Os</p><p>grandes retratos de Marx e Lenin exibidos na Praça Kim Il-sung em</p><p>Pyongyang foram retirados em 2012 — provavelmente para garantir que os</p><p>norte-coreanos não adorem nenhum outro deus além do seu próprio Líder</p><p>Supremo, que sozinho decide o caminho certo para o socialismo.</p><p>A constituição da Coreia do Norte define o socialismo como a ordem</p><p>econômica prescrita do país, com o Artigo 20 estipulando que os meios de</p><p>produção são propriedade do Estado ou, na produção agrícola, de coletivos,</p><p>e o Artigo 34 estipulando que a economia da Coreia do Norte é uma</p><p>economia planejada.290 Enquanto a União Soviética e a China continuaram</p><p>fornecendo apoio econômico, a Coreia do Norte foi capaz de cumprir suas</p><p>metas de acordo com o planejado. Ao jogar os dois poderes comunistas um</p><p>contra o outro e usar as ofertas feitas por uma das partes para obter</p><p>concessões semelhantes da outra, ela até lucrou com a rivalidade entre eles.</p><p>A partir do início dos anos 1960, a Coreia do Norte começou a se</p><p>emancipar da influência das duas maiores potências comunistas. No</p><p>entanto, ela não foi mais capaz de cumprir suas metas de planejamento sem</p><p>sua ajuda financeira. A extensão de três anos do primeiro plano de sete anos</p><p>da Coreia do Norte para o período de 1961 a 1967 estabeleceu o padrão</p><p>para as décadas seguintes: o plano de seis anos de 1971 a 1976 foi</p><p>estendido por dois anos, assim como o segundo plano de sete anos (de 1978</p><p>a 1984). Após o terceiro plano de sete anos (de 1987 a 1993), o regime</p><p>interrompeu temporariamente a publicação dos planos econômicos</p><p>detalhados.291 A formulação do plano estratégico de dez anos proclamado</p><p>em 2011 foi vago e generalizado, e mesmo o plano de cinco anos adotado</p><p>na conferência do partido de 2016 continha poucos dados.292 Afinal, não</p><p>divulgar suas metas era a maneira mais segura de o regime norte-coreano</p><p>garantir que não as perdesse.</p><p>Como em outras economias planejadas, a Coreia do Norte sempre foi</p><p>atormentada por uma escassez em todos os domínios. Rüdiger Frank, que é</p><p>um dos maiores especialistas na Coreia do Norte, lembra-se de ter viajado a</p><p>Pyongyang em 1991 para uma visita de estudo que duraria vários meses.</p><p>Para não exceder seu limite de bagagem de 20 quilos, ele não trouxe uma</p><p>caneca de café.</p><p>“Uma coisa eu pensei que sabia: se você não é muito exigente com a</p><p>estética, você deve ser capaz de encontrar esse tipo de coisa mesmo em</p><p>uma economia de penúria. No primeiro dia depois de chegar lá, fui à</p><p>‘Loja de Departamentos nº 1’, a melhor loja de departamentos da cidade</p><p>na época. Não demorou muito para encontrar uma pirâmide inteira de</p><p>xícaras de café muito ornamentadas no segundo andar. A moça</p><p>encarregada do departamento me deu um sorriso incerto e eu coloquei</p><p>meu melhor sotaque coreano para pedir uma das miniaturas de obras</p><p>expostas bem na minha frente. Sua resposta foi imediata e</p><p>surpreendente: “Não temos nenhuma”. Supondo que tivesse havido</p><p>algum tipo de mal-entendido, reformulei minha pergunta e usei a</p><p>linguagem de sinais para dar ênfase adicional, o que fez com que a</p><p>fachada de compostura cuidadosamente mantida da mulher</p><p>desmoronasse enquanto o sorriso em seu rosto foi substituído por uma</p><p>expressão de pânico absoluto. Ela saiu correndo sem dizer mais nada, e</p><p>eu voltei para o meu dormitório com muitas perguntas na cabeça, mas</p><p>sem uma xícara de café.”293</p><p>Mais tarde, Frank descobriu uma explicação provável para esse curioso</p><p>evento. Durante uma de suas visitas ao local a fim de dar “instruções e</p><p>ordens” alguns anos antes, Kim Il-sung havia notado o quanto a visão de</p><p>tantas lacunas nas prateleiras de seu belo país o magoava. Presumivelmente,</p><p>a intenção era apenas um lembrete ao povo da Coreia do Norte para</p><p>aumentar a produção. No entanto, a comitiva que se aglomerava ao seu</p><p>redor o tempo todo — que anotava cada palavra sua e as transformava em</p><p>instruções, que eram então exibidas em faixas e proclamadas em alto-</p><p>falantes em anúncios públicos em todo o país — interpretou literalmente:</p><p>o</p><p>Líder Supremo não quer ver mais lacunas nas prateleiras das lojas de seu</p><p>belo país.</p><p>“E assim, a partir daí, as prateleiras dos pontos de venda públicos</p><p>ficaram sempre cheias. Nenhum líder e nenhum visitante estrangeiro foi</p><p>capaz de dizer se um item específico estava disponível ou não.</p><p>Infelizmente, os norte-coreanos também não — pelo menos não</p><p>olhando as prateleiras, que estavam sempre bem abastecidas. Quando</p><p>chegava uma entrega real, as mercadorias terminavam em pacotes no</p><p>chão ou eram rapidamente empilhadas no balcão e vendidas</p><p>imediatamente.”294</p><p>No entanto, como diz Frank, muita coisa mudou desde sua tentativa</p><p>fracassada de comprar uma xícara de café. O aumento da conscientização</p><p>sobre as fraquezas do planejamento econômico levou a tentativas</p><p>experimentais de ‘mini-reformas’ econômicas de 2002 em diante. Tentativas</p><p>semelhantes de instigar reformas simulando os mecanismos de uma</p><p>economia de mercado viável na RDA são discutidas no Capítulo 3. No</p><p>entanto, como na RDA — e ao contrário da China, cujo sistema econômico</p><p>atual é “socialista” apenas no nome —, esses esforços tiveram um efeito</p><p>limitado, na melhor das hipóteses, devido à recusa do regime norte-coreano</p><p>de reconsiderar radicalmente seu compromisso com um sistema socialista e</p><p>iniciar uma transição para o capitalismo.</p><p>As pequenas reformas que o regime trouxe incluíram uma ligeira</p><p>mudança em direção a mais incentivos para melhorar o desempenho de</p><p>cada trabalhador. Anteriormente, o regime confiava principalmente na</p><p>propaganda em seus esforços para aumentar a produtividade. Todos os anos,</p><p>o aniversário de Kim Il-sung serviu como uma ocasião para instar os</p><p>trabalhadores a aumentarem seus esforços. Alto-falantes proclamando os</p><p>mais recentes slogans motivacionais são uma característica onipresente nos</p><p>locais de trabalho norte-coreanos em qualquer caso. Em canteiros de obras,</p><p>alto-falantes montados em cima de vans fornecem uma trilha sonora</p><p>constante de recitais de documentos oficiais, alternando com canções</p><p>revolucionárias para manter os trabalhadores motivados.295</p><p>Uma das medidas adotadas durante a tentativa de reforma de curta</p><p>duração da economia norte-coreana foi uma reforma de preços em 2002,</p><p>que resultou em preços mais realistas. No entanto, assim como na</p><p>Alemanha Oriental, a liderança política norte-coreana evitou dar o próximo</p><p>passo e permitir que os preços fossem determinados pela interação entre a</p><p>demanda e a oferta — que é o pré-requisito para um sistema econômico</p><p>funcional, porque as variações nos preços são as indicadoras mais</p><p>confiáveis de excedentes e escassez de produção.</p><p>Os governantes da Coreia do Norte parecem viver com um medo</p><p>constante de perder seu poder, como aconteceu com os líderes soviéticos e</p><p>seus companheiros comunistas em outros países do Leste Europeu que</p><p>instigaram extensas reformas econômicas no final dos anos 1980 e início</p><p>dos anos 1990. Quando a reforma de preços norte-coreana trouxe à tona a</p><p>escala real da inflação, que havia sido escondida e suprimida antes, os</p><p>governantes ficaram compreensivelmente amedrontados e sua disposição de</p><p>reformar a economia logo atingiu seus limites.</p><p>O livro de Frank contém o relato de uma palestra sobre o combate à</p><p>inflação que ele deu em Pyongyang em 2005. Em conversas subsequentes</p><p>com especialistas norte-coreanos, ele percebeu que eles estavam muito bem</p><p>informados sobre os conceitos econômicos ocidentais, mas sem a</p><p>consciência de que seria necessário um sistema econômico diferente —</p><p>especificamente, uma economia de livre mercado — para fazer esses</p><p>conceitos funcionarem. Os especialistas buscaram seu conselho sobre</p><p>pontos de ação específicos, embora se recusassem a ouvir palestras sobre os</p><p>mecanismos que impulsionam uma economia de livre mercado.296</p><p>O compromisso do regime com a reforma da economia, que tinha sido,</p><p>no máximo, hesitante, logo cessou, e a imprensa controlada pelo Estado</p><p>começou a publicar avisos frequentes sobre os riscos de sucumbir ao “doce</p><p>veneno do capitalismo”.297 Em novembro de 2009, a moeda foi</p><p>desvalorizada com a taxa de câmbio fixada em 100:1. Embora preços,</p><p>rendas e poupança estivessem todos sujeitos ao mesmo fator de</p><p>depreciação, os norte-coreanos só podiam trocar poupanças até o</p><p>equivalente a cerca de US$ 100. Em outras palavras, a reforma monetária</p><p>equivalia a uma expropriação de quem tinha poupança a mais do que essa</p><p>quantia e não os tinha trocado por moeda estrangeira.298</p><p>Isso causou muita raiva na população, já que os afetados incluíam</p><p>famílias comuns que, por exemplo, estavam economizando para o</p><p>casamento de suas filhas, bem como aquelas que eram genuinamente ricas</p><p>para os padrões norte-coreanos. Qualquer confiança que a população tinha</p><p>anteriormente em sua moeda foi perdida completamente graças a essa</p><p>reforma mal pensada. Para proteger suas economias, os norte-coreanos</p><p>começaram a investir seu dinheiro em bens materiais, como arroz e ouro, ou</p><p>tentaram se apossar de moedas estrangeiras. O governo respondeu banindo</p><p>todas as transações em moeda estrangeira, mas os sistemas de duas moedas</p><p>coexistem de fato lado a lado na Coreia do Norte contemporânea: a moeda</p><p>oficial, que é usada para pagar mercadorias de acordo com cotas de</p><p>alocação, e moedas estrangeiras, que compram aos seus afortunados</p><p>proprietários pequenos luxos. Táxis, restaurantes e piscinas ficam felizes</p><p>em aceitar dólares.299</p><p>Embora até mesmo os pequenos passos dados para reformar a economia</p><p>não tenham resultado em nada no final, as Zonas Econômicas Especiais da</p><p>Coreia do Norte sobreviveram. Conforme discutido no Capítulo 1, quando</p><p>introduzido na China, esse campo experimental para a reforma econômica</p><p>desempenhou um papel importante em facilitar a transição do socialismo</p><p>para o capitalismo ao proporcionar um espaço para experimentos em</p><p>pequena escala com propriedade privada, economia de livre mercado e</p><p>colaboração internacional dentro de um território geograficamente definido.</p><p>A Coreia do Norte também criou várias Zonas Econômicas Especiais — no</p><p>entanto, em comparação com as chinesas, sua contribuição para a economia</p><p>até agora tem sido insignificante. Algumas delas existiram por décadas sem</p><p>alcançar nenhum resultado perceptível, enquanto outras já foram fechadas.</p><p>Frank, que está bastante otimista em relação ao desenvolvimento</p><p>econômico da Coreia do Norte, está menos otimista com as perspectivas da</p><p>Zona Econômica Especial Rason: “A Coreia do Norte está abrindo uma</p><p>porta e ninguém entra, exceto alguns especuladores chineses [...] Os</p><p>investimentos feitos até agora neste ‘Triângulo Dourado do Nordeste’ nem</p><p>chegariam ao padrão de uma pequena cidade chinesa.” Outra Zona</p><p>Econômica Especial, a Zona Industrial Kaesong, foi interrompida em 2016</p><p>depois que a Coreia do Sul cancelou um acordo comercial após um teste de</p><p>míssil norte-coreano.300</p><p>Além da economia planejada, os enormes gastos militares da Coreia do</p><p>Norte são outro fator que contribui para a terrível situação econômica do</p><p>país. O regime só conseguiu permanecer no poder instituindo um estado de</p><p>sítio permanente e de emergência em todo o território. Os norte-coreanos</p><p>estão constantemente preparados para um ataque das “potências</p><p>imperialistas”, dos EUA em particular. A Coreia do Norte mantém um dos</p><p>maiores exércitos do mundo e, dependendo de qual fonte você escolher, o</p><p>período do serviço militar obrigatório varia entre três e dez anos.301 A</p><p>sociedade norte-coreana é amplamente militarizada: em vez de ir a pé para</p><p>o trabalho ou escola, os norte-coreanos marcham. Os uniformes estão por</p><p>toda parte, os exercícios militares são uma ocorrência frequente em</p><p>empresas, escolas e órgãos governamentais. O financiamento do ambicioso</p><p>programa nuclear do país coloca uma pressão significativa na economia.</p><p>O fato de a Coreia do Norte ter um padrão de vida tão baixo, apesar de</p><p>suas reservas excepcionalmente grandes de depósitos minerais, deve-se</p><p>principalmente à insistência da liderança política em manter um sistema</p><p>econômico socialista. A Coreia do Norte se orgulha de ter permanecido fiel</p><p>aos seus princípios socialistas, com apenas tentativas</p><p>do mundo, na esperança vã de que “desta vez” o resultado</p><p>seja diferente — mais recentemente, na Venezuela. Assim como foram</p><p>cativados por experimentos anteriores semelhantes, muitos intelectuais em</p><p>todo o mundo ocidental ficaram fascinados com a tentativa de Hugo Chávez</p><p>de levar o socialismo ao século 21.6 Como em experimentos socialistas de</p><p>larga escala anteriores, as consequências foram desastrosas, conforme</p><p>mostrado no Capítulo 6.</p><p>Mesmo nos EUA de hoje, muitos jovens se apegam ao sonho</p><p>“socialista” — embora o sistema que eles têm em mente seja uma versão</p><p>idealizada e equivocada do socialismo de estilo escandinavo em vez do</p><p>comunismo da era soviética. No entanto, este livro demonstra que essa</p><p>variante também foi totalmente desacreditada por seu amplo fracasso nas</p><p>décadas de 1970 e 1980 (Capítulo 7).</p><p>Não estou muito preocupado com a nacionalização em grande escala de</p><p>ativos e empresas que varre as nações ocidentais industrializadas. Em vez</p><p>disso, o que me preocupa é o perigo muito maior e mais</p><p>imediato de uma redução gradual do capitalismo concomitante com um</p><p>aumento dos poderes dos Estados de planejamento e redistribuição. Os</p><p>bancos centrais já estão agindo como se fossem autoridades de</p><p>planejamento. Originalmente estabelecidos para garantir a estabilidade do</p><p>valor monetário, eles agora se veem empenhados na tarefa de neutralizar as</p><p>forças do mercado. Ao abolir de fato as taxas de juros de mercado, o Banco</p><p>Central Europeu desativou parcialmente o mecanismo de preços que é uma</p><p>característica essencial de qualquer economia de mercado em</p><p>funcionamento. Em vez de conter a dívida pública excessiva, isso apenas</p><p>agravou o problema.</p><p>“A política de manter as taxas de juros baixas por um longo período de</p><p>tempo irá distorcer cada vez mais os preços dos ativos e exacerbar o perigo</p><p>de outro colapso econômico, seguido por uma crise financeira assim que</p><p>essa política for alijada”, adverte o economista Thomas Mayer.7 Não é</p><p>preciso uma bola de cristal para prever que essas crises serão atribuídas ao</p><p>“capitalismo”, embora sejam na verdade o resultado de uma violação dos</p><p>princípios capitalistas. Um diagnóstico errado inevitavelmente leva à</p><p>prescrição de um tratamento errado — nesse caso, ainda mais intervenção</p><p>governamental em um mercado ainda mais enfraquecido.</p><p>Era uma vez um tempo em que os socialistas simplesmente costumavam</p><p>nacionalizar as empresas comerciais. Hoje, os elementos de uma economia</p><p>planejada são introduzidos de outras maneiras: aumentando a intervenção</p><p>governamental nos processos de tomada de decisão comercial e uma série</p><p>de medidas regulatórias e fiscais, restrições legais e subsídios que reduzem</p><p>a liberdade dos empresários. Dessa forma, o mercado de energia alemão</p><p>tem se transformado gradualmente em uma economia planejada.</p><p>Isso só é possível porque muitas pessoas simplesmente não sabem — ou</p><p>esqueceram — que o mercado livre é a base sobre a qual nosso nível atual</p><p>de prosperidade se baseia. Isso é particularmente verdade para a geração</p><p>millennial, cuja única experiência dos regimes socialistas na União</p><p>Soviética e em outros países do bloco oriental vem dos livros de história, se</p><p>é que vem. “Capitalismo” e “mercado livre” tornaram-se palavras sujas.</p><p>Em uma pesquisa da GlobeScan publicada em abril de 2011, os</p><p>entrevistados em vários países diferentes foram solicitados a avaliar até que</p><p>ponto concordavam com a seguinte afirmação: “O sistema de livre</p><p>comércio e economia de mercado livre é o melhor sistema para</p><p>fundamentar o futuro do mundo.”8 No Reino Unido, que apenas 30 anos</p><p>antes havia passado de uma situação econômica desesperadora para um</p><p>maior crescimento e prosperidade graças às reformas intransigentes de livre</p><p>mercado de Margaret Thatcher, apenas 19% dos entrevistados concordaram</p><p>fortemente. Em toda a Europa, esses números foram mais altos na</p><p>Alemanha, com 30% dos entrevistados concordando fortemente. Na França,</p><p>em que muitos dos problemas estão diretamente relacionados à opinião</p><p>negativa da população sobre o mercado livre, esse número caiu para apenas</p><p>6%.</p><p>É reconfortante notar que essas porcentagens aumentam</p><p>significativamente se incluirmos os entrevistados que concordaram “um</p><p>pouco” com a proposta citada acima: 68% na Alemanha, 55% no Reino</p><p>Unido e 52% na Espanha. Na França, por outro lado, 57% dos entrevistados</p><p>expressaram desacordo. Nos EUA, a pesquisa mostrou uma queda na</p><p>aprovação do sistema de livre mercado de 80% em 2002 para apenas 59%</p><p>em 2011. Entre os níveis de renda mais baixa da sociedade, isso caiu</p><p>novamente para 45%. O economista Samuel Gregg cita essas estatísticas em</p><p>Becoming Europe, um livro que serve como uma terrível advertência aos</p><p>americanos contra seguir o modelo dos estados de bem-estar social</p><p>europeus.</p><p>As gerações mais jovens de americanos, em particular, expressam uma</p><p>forte afinidade com ideias anticapitalistas. Uma pesquisa do YouGov de</p><p>2016 mostrou que 45% dos americanos entre 16 e 20 anos considerariam</p><p>votar em um socialista, enquanto 20% até dariam seu voto a um candidato</p><p>comunista. Apenas 42% dos americanos nessa faixa etária eram a favor de</p><p>uma economia capitalista (em comparação com 64% dos americanos com</p><p>mais de 65 anos). Ainda mais preocupante, na mesma pesquisa: um terço</p><p>dos jovens americanos revelou a crença de que mais pessoas foram mortas</p><p>sob o governo de George W. Bush do que sob Stalin.9 Em outra pesquisa</p><p>conduzida pela Gallup em abril de 2016, 52% dos americanos concordaram</p><p>em que “nosso governo deve redistribuir a riqueza por meio de altos</p><p>impostos sobre os ricos”.10</p><p>Em uma pesquisa da Infratest dimap realizada na Alemanha em 2014,</p><p>61% dos entrevistados concordaram com a visão de que “não vivemos em</p><p>uma democracia de verdade porque o poder está nos interesses comerciais e</p><p>não nos eleitores”.11 Além disso, 33% dos alemães (41% na ex-RDA)</p><p>concordaram que o capitalismo “inevitavelmente causa pobreza e fome”,12</p><p>enquanto 42% (59% na ex-RDA) concordaram que “o</p><p>socialismo/comunismo é uma boa ideia que foi mal executada no</p><p>passado”.13</p><p>À medida que o colapso dos sistemas socialistas gradualmente se afasta</p><p>da memória, muitas pessoas em todo o mundo ocidental parecem correr o</p><p>risco de perder a consciência dos benefícios superiores do mercado livre.</p><p>Isso é particularmente verdadeiro para os jovens, cujas lições de história</p><p>mal abordaram as condições econômicas e políticas nos países socialistas.</p><p>Este livro foca em uma única questão: qual sistema econômico oferece a</p><p>melhor qualidade de vida para a maioria das pessoas? A qualidade de vida é</p><p>determinada, especialmente, embora não exclusivamente, pelo nível de</p><p>riqueza econômica dos indivíduos e por seu nível de liberdade política.</p><p>Embora a história forneça muitos exemplos de democracia e capitalismo</p><p>andando de mãos dadas, há outros casos de regimes autoritários com uma</p><p>economia capitalista: a Coreia do Sul ainda não havia se tornado uma</p><p>democracia na época em que adotou o capitalismo, assim como o Chile.</p><p>Apesar de todo o seu sucesso econômico como uma economia capitalista, a</p><p>China ainda é governada por um regime autoritário. Quaisquer</p><p>comparações feitas entre países neste livro são baseadas apenas nos</p><p>critérios de seus respectivos sistemas econômicos e desempenho</p><p>econômico. Isso não quer dizer que a liberdade política seja um aspecto</p><p>menos importante de qualidade de vida — no entanto, está além do âmbito</p><p>deste livro e merece uma investigação separada.</p><p>Por mais que eu discorde das premissas e dos argumentos desenvolvidos</p><p>em O Capital no Século XXI de Thomas Piketty, em muitos aspectos</p><p>compartilho suas críticas a muitas pesquisas atuais em economia, que</p><p>demonstram uma “paixão infantil pela matemática e pela especulação</p><p>puramente teórica e muitas vezes altamente ideológica, às custas da</p><p>pesquisa histórica e da colaboração com as outras ciências sociais”.14 Em</p><p>vez disso, Piketty defende “uma abordagem pragmática”, que usa “os</p><p>métodos de historiadores, sociólogos e cientistas políticos, bem como</p><p>economistas”, e descreve seu livro como “uma obra de história (tanto)</p><p>quanto de economia”.15 Meu primeiro</p><p>temporárias e bastante</p><p>insignificante de reforma, enquanto a Rússia, a China e outras nações ex-</p><p>socialistas foram atraídas pelas “tentações” do capitalismo.</p><p>Embora o setor agrícola da Coreia do Norte empregue cerca de seis</p><p>vezes mais pessoas do que a Coreia do Sul, a produção agrícola do país</p><p>quase não atende à demanda, mesmo em anos bons.302 Quando as colheitas</p><p>fracassam por causa de secas ou outros desastres naturais, há uma escassez</p><p>de alimentos e fome frequente com uma magnitude semelhante aos</p><p>sustentados na China pré-capitalista.</p><p>A pior dessas fomes aconteceu em 1996, quando os efeitos combinados</p><p>de uma má gestão de recursos, seca e inundações deixaram 200.000 norte-</p><p>coreanos mortos de fome, de acordo com dados oficiais. O número real de</p><p>mortos é difícil de verificar — estimativas de agências estrangeiras</p><p>estabelecem o total em até 3 milhões, ou um em cada oito norte-coreanos.</p><p>Assim como a liderança comunista da China uma vez colocou a culpa de</p><p>milhões de mortes por fome nos desastres naturais (ver Capítulo 1), o</p><p>regime norte-coreano faz o mesmo, colocando a culpa por qualquer</p><p>escassez de alimentos e outros problemas econômicos em sanções</p><p>ocidentais ou eventos naturais.</p><p>No entanto, como mostra o exemplo da China, más colheitas — o que</p><p>pode acontecer em qualquer sistema político ou econômico, devido a, por</p><p>exemplo, longos períodos de seca — não necessariamente fazem com que</p><p>seus habitantes morram de fome. Não são as secas em si que causam</p><p>milhares de mortes, mas os déficits de um sistema de economia planejada</p><p>cuja produção agrícola quase não atende à demanda, mesmo em condições</p><p>normais, o que significa que o rendimento das colheitas instável causado</p><p>por mudanças nos padrões climáticos pode ter consequências fatais.</p><p>Coreia do Sul</p><p>O contraste entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul dificilmente</p><p>poderia ser maior. De acordo com o Índice de Liberdade Econômica de</p><p>2018, a Coreia do Sul ocupa o 27º lugar entre os países mais livres do</p><p>mundo, logo atrás da Alemanha em 25º e à frente do Japão em 30º lugar, e</p><p>com uma pontuação de 90,7 de 100 pontos possíveis na categoria</p><p>“liberdade de negócios”.303 A Coreia do Norte, em comparação, está na</p><p>retaguarda em 180º lugar e pontua apenas 5,0 de 100 pontos na categoria</p><p>“liberdade de negócios”.304</p><p>Após a Segunda Guerra Mundial, a Coreia do Sul se viu em uma posição</p><p>inicial difícil, sem nenhuma ajuda financeira vinda dos Estados Unidos,</p><p>enquanto a Coreia do Norte recebeu um apoio considerável da União</p><p>Soviética e da China. A Coreia do Sul era um país agrícola sem quaisquer</p><p>depósitos minerais significativos — quase todas as reservas de recursos</p><p>naturais da península coreana, que incluem minério de ferro, ouro, cobre,</p><p>chumbo, zinco, grafite, molibdênio, calcário e mármore, estão localizadas</p><p>na Coreia do Norte.305 A população da Coreia do Sul cresceu muito</p><p>rapidamente — de 16 milhões para 21 milhões apenas entre 1945 e 1947 —</p><p>devido ao influxo de refugiados do norte comunista. Muitas pessoas viviam</p><p>no nível de subsistência ou abaixo dele.306</p><p>Em julho de 1961, o governo japonês listou sete razões pelas quais a</p><p>independência econômica seria impossível para a Coreia do Sul:</p><p>superpopulação, falta de recursos, falta de industrialização, enormes</p><p>obrigações militares, falta de habilidades políticas, falta de capital e falta de</p><p>habilidades administrativas.307 O fracasso da Coreia do Sul em alcançar</p><p>qualquer progresso econômico significativo na década de 1950,</p><p>imediatamente após a Guerra da Coreia, inicialmente parecia confirmar essa</p><p>visão. Com US $79, a Coreia do Sul tinha uma das rendas per capita mais</p><p>baixas do mundo.</p><p>As perspectivas do país finalmente começaram a melhorar com a</p><p>ascensão de Park Chung-hee ao poder em 1961. Na época em que o</p><p>governante autocrático foi assassinado pelo diretor da Agência Central de</p><p>Inteligência da Coreia em 1979, ele tinha se tornado o pai fundador do</p><p>milagre econômico da Coreia do Sul. Park inicialmente favorecia um</p><p>sistema econômico centralizado controlado pelo Estado, mas foi persuadido</p><p>do contrário pelo fundador da Samsung, Lee Byung-chull, que, segundo</p><p>consta, o aconselhou “que apenas uma economia de mercado relativamente</p><p>liberal seria capaz de liberar a iniciativa empresarial e o pensamento</p><p>criativo necessários para competir no mercado global e garantir a</p><p>disponibilidade de produtos de última geração”.308 O termo coreano para</p><p>conglomerados como a Samsung é chaebol, que se traduz como “negócio</p><p>de família”. Essas poderosas empresas familiares deram uma contribuição</p><p>crucial para a ascensão da Coreia do Sul à prosperidade econômica. Não é</p><p>por acaso que o fundador de um deles teve influência decisiva na política</p><p>econômica de Park.</p><p>O relacionamento próximo entre o governo e essas grandes empresas</p><p>familiares era uma característica marcante da economia sul-coreana naquela</p><p>época. Embora o governo emitisse planos para estabelecer metas de</p><p>desenvolvimento e produção, eles eram completamente diferentes do</p><p>planejamento econômico dos sistemas socialistas. Em vez de o governo</p><p>dizer às empresas o que fazer, como seria o caso em uma economia</p><p>planejada, as próprias empresas tiveram uma influência significativa na</p><p>política governamental. A corrupção era abundante neste sistema. Para</p><p>construir sua própria base de poder, Park contou com o apoio das poderosas</p><p>empresas chaebol, que precederam seu regime — 27 dos 30 maiores</p><p>conglomerados chaebol de hoje remontam a antes de 1961.309</p><p>Ao contrário das empresas privadas na Coreia do Norte, que foram</p><p>nacionalizadas, as sul-coreanas foram compensadas por suas perdas durante</p><p>a guerra. Isso foi conseguido com a privatização de ativos japoneses, que</p><p>foram vendidos a alguns proprietários de empresas familiares. Quase</p><p>metade dos novos proprietários veio de famílias de proprietários médios ou</p><p>grandes.</p><p>“É aqui que as origens do rápido avanço do modelo de corporações</p><p>hierarquicamente organizadas e coordenadas por famílias e a estrutura</p><p>corporativa formada por clãs familiares capazes de alavancar capital</p><p>emprestado para se expandir com flexibilidade em diferentes setores</p><p>para atender às metas da política industrial foram estabelecidas.”310</p><p>Hoje, as grandes marcas chaebol coreanas são, literalmente, nomes</p><p>conhecidos pelos consumidores em todo o mundo: Samsung é o principal</p><p>concorrente da Apple, enquanto aparelhos de TV e eletrônicos domésticos</p><p>feitos pela LG são populares em todo o mundo. Esses grupos pertencentes a</p><p>famílias são mais diversificados do que a maioria das corporações dos</p><p>Estados Unidos, com exceção de algumas isoladas como a General Electric.</p><p>Muitos conglomerados chaebol são compostos por dezenas de empresas</p><p>individuais que operam em uma variedade de indústrias diferentes. Em</p><p>meados da década de 1990, os cinco maiores atuavam em uma média de</p><p>142 mercados cada (calculado por categoria de produto), enquanto o 6º ao</p><p>10º e o 11º ao 15º atendiam em média 63 e 39 mercados,</p><p>respectivamente.311</p><p>As pequenas e médias empresas, por outro lado, estavam lutando para</p><p>competir e não desempenharam um papel significativo na Coreia do Sul até</p><p>as décadas de 1980 e 1990. A porcentagem da força de trabalho total que</p><p>estava empregada em pequenas e médias empresas (até 100 funcionários)</p><p>cresceu de 35% em 1970 para cerca de 58% em 1998.312 Hoje, as grandes</p><p>marcas chaebol ainda são cruciais para a economia coreana. Elas sempre</p><p>tiveram um foco muito forte em pesquisa e desenvolvimento. Tanto a</p><p>Hyundai quanto a Samsung aumentaram seus departamentos de pesquisa</p><p>exponencialmente entre 1980 e 1994, com um aumento de seis vezes de 616</p><p>para 3.890 funcionários e um aumento impressionante de 13 vezes de 690</p><p>para 8.919 funcionários, respectivamente.313</p><p>Dentre as muitas interrupções que ameaçaram prejudicar o</p><p>desenvolvimento da economia sul-coreana, a crise financeira de 1997-1998</p><p>foi a mais severa. A Coreia foi duramente atingida pela crise, com uma</p><p>perda de 25% na renda total média de 1996/97 a 1997/98, aumento do</p><p>desemprego e queda nos salários efetivos, resultando em efeitos negativos</p><p>sobre o bem-estar de 45%</p><p>durante este período, de acordo com estimativas</p><p>de economistas.314 Os críticos do capitalismo gostam de citar crises desse</p><p>tipo como prova da fraqueza do sistema capitalista, quando na verdade elas</p><p>são uma parte necessária do ciclo e muitas vezes têm um efeito de limpeza,</p><p>garantindo que as empresas que não são mais lucrativas desapareçam do</p><p>mercado.</p><p>O colapso do Grupo Daewoo é um excelente exemplo. Fundada por Kim</p><p>Woo-choong, um empresário de enorme sucesso que começou na indústria</p><p>têxtil e posteriormente entrou nos setores de metais pesados, automotivos e</p><p>eletrônicos, a empresa faliu em 1999 em consequência da crise financeira</p><p>de 1997-1998.315 Hoje, as empresas que saíram da dissolução do quarto</p><p>maior grupo da Coreia do Sul operam como empresas independentes,</p><p>algumas delas bem-sucedidas.</p><p>Como resultado da crise grave de 1997–1998, a Coreia do Sul foi</p><p>temporariamente colocada sob monitoramento do Fundo Monetário</p><p>Internacional (FMI). Embora as reformas de reestruturação impostas pelo</p><p>FMI tenham recebido muitas críticas, elas rapidamente produziram</p><p>resultados positivos, o que permitiu ao país superar a crise em um período</p><p>de tempo surpreendentemente curto. Mais importante ainda: as reformas</p><p>geraram efeitos positivos a longo prazo, impulsionando a liberalização da</p><p>economia sul-coreana que começou na década de 1980. Muitos grupos</p><p>chaebol foram desmantelados ou passaram a gerenciar apenas suas</p><p>operações principais, enquanto a economia sul-coreana foi aberta a</p><p>investidores estrangeiros, em um grau nunca visto. O ano de 1998 também</p><p>testemunhou a liberalização completa do mercado financeiro e a legalização</p><p>de fusões e aquisições, inclusive hostis, envolvendo empresas</p><p>estrangeiras.316</p><p>A Samsung vendeu dezenas de divisões que não faziam parte das</p><p>principais operações da empresa e demitiu cerca de um terço de seus</p><p>funcionários restantes durante este período. Essas medidas valeriam a pena,</p><p>tornando a Samsung uma das marcas sul-coreanas com maior crescimento</p><p>após a crise.317 Hoje, é uma das 20 maiores empresas do mundo em</p><p>capitalização de mercado, ficando logo atrás do gigante americano Walmart</p><p>e à frente da AT&T.318</p><p>Embora a ascensão econômica da Coreia do Sul tenha sido impulsionada</p><p>pela liberalização econômica, pelo menos inicialmente isso não coincidiu</p><p>com a transição do país para uma democracia, que não aconteceu até 1987.</p><p>A reforma do mercado livre e a liberalização política podem coincidir em</p><p>alguns casos, mas, como os exemplos da China e do Chile (veja Capítulos 1</p><p>e 6) confirmam, às vezes é possível que o primeiro aconteça sem o último.</p><p>A partir do início da década de 1980, o governo sul-coreano começou a</p><p>renunciar gradualmente à sua forte influência na economia. A privatização</p><p>dos bancos foi um passo importante nessa direção. A porcentagem de</p><p>empréstimos administrados pelo Fundo Nacional de Investimento do país</p><p>caiu de 25% em 1979 para 5% em 1991. Em 1980, a Comissão de</p><p>Comércio Equitativo da Coreia (Korea Fair Trade Comission) foi criada</p><p>sob uma nova lei antitruste. A Coreia do Sul pôde ingressar na Organização</p><p>para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 1996</p><p>devido ao prosseguimento da liberalização durante a década de 1990.319</p><p>Em sua obra de referência sobre a economia coreana, publicada em</p><p>2013, o economista alemão Dieter Schneidewind relata:</p><p>“O governo está se abstendo cada vez mais da gestão da atividade</p><p>econômica do dia-a-dia, mas continua a definir metas e conceder</p><p>empréstimos e incentivos fiscais para apoiar desenvolvimentos</p><p>promissores. Com a carta-branca dada para a economia de livre</p><p>mercado doméstica, as regulamentações que antes controlavam e</p><p>restringiam o comércio internacional estão mais flexíveis, permitindo</p><p>que o empreendedorismo e a criatividade se desenvolvam</p><p>vigorosamente em todo o seu potencial.”320</p><p>Werner Pascha, que está menos impressionado com o histórico de</p><p>liberalização econômica do país, argumenta que os presidentes mais</p><p>recentes da Coreia do Sul instituíram ativamente agendas de política</p><p>industrial — incluindo a filha de Park Chung-hee, Park Geun-hye, que</p><p>ocupou o cargo entre 2013 e 2017. Sua política econômica não foi nem de</p><p>longe tão intervencionista quanto a de seu pai, mas, apesar disso, seu</p><p>governo influenciou o desenvolvimento industrial ao promover uma</p><p>“economia criativa” e ao dar apoio financeiro a empresas de TI.321</p><p>O exemplo da Coreia do Sul, especialmente quando usado para</p><p>comparação com seu vizinho comunista, demonstra a força superior do</p><p>capitalismo. Da mesma forma, também mostra que o sistema econômico é</p><p>apenas uma das várias pré-condições para a ascensão de um país ao sucesso</p><p>econômico. Embora a reestruturação da economia nos moldes capitalistas</p><p>tenha estabelecido as bases para o sucesso, fatores culturais sempre</p><p>contribuíram significativamente para a magnitude desse sucesso.</p><p>Especificamente, estou me referindo aqui à tão falada vontade dos sul-</p><p>coreanos de trabalhar e estudar muito. Lembro que um de meus chefes</p><p>anteriores, o professor Jürgen Falter, tinha voltado de uma viagem à Coreia</p><p>do Sul quando trabalhava como assistente de pesquisa na Universidade</p><p>Livre de Berlim. O grande número de alunos que ainda estavam na</p><p>biblioteca à meia-noite — numa época em que a biblioteca da nossa</p><p>universidade fechava às 18h30 — o impressionou muito.</p><p>A educação é levada mais a sério na Coreia do Sul do que em quase</p><p>qualquer outro lugar do mundo. Com uma percentagem de 20% — um</p><p>número que se manteve mais ou menos constante nos últimos 30 anos —, a</p><p>educação é o maior item do orçamento público.322 Além desse gasto do</p><p>governo, também há o investimento privado significativo em educação, que</p><p>equivale a cerca de 3% do PIB, e, com isso, a Coreia do Sul gasta mais em</p><p>educação do que qualquer outro país. Com cerca de 80% das instituições de</p><p>ensino superior em propriedade privada, o sistema educacional sul-coreano</p><p>tem um foco muito mais forte no mercado livre do que a maioria dos outros</p><p>países. A qualidade das suas instituições é excelente. Oito universidades</p><p>coreanas estão classificadas entre as 100 universidades mais inovadoras do</p><p>mundo, sendo o Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia</p><p>(KAIST) a única universidade fora dos Estados Unidos a estar entre as dez</p><p>primeiras.323</p><p>Apesar de toda a sua qualidade superior, essas universidades não são</p><p>páreo para o zelo dos estudantes coreanos. As famílias ricas, em particular,</p><p>frequentemente enviam seus filhos e filhas para o exterior, de preferência</p><p>para universidades americanas, para terminar seus estudos. Com quase</p><p>todos os cargos de liderança na política e nos negócios atualmente ocupados</p><p>por indivíduos com doutorado em uma universidade dos EUA, um diploma</p><p>de uma universidade de elite sul-coreana seguido por estudos de pós-</p><p>graduação nos EUA tornou-se praticamente obrigatório para qualquer sul-</p><p>coreano que aspira a uma carreira de sucesso.324</p><p>Nos níveis primário e secundário, as escolas privadas também</p><p>desempenham um papel importante. Além de suas aulas regulares, 77% dos</p><p>alunos passam em média 10,2 horas extras por semana em uma das quase</p><p>100.000 hagwon ou escolas particulares. Uma família sul-coreana comum</p><p>gasta US$ 800 por mês com aulas particulares,325 embora as escolas</p><p>públicas do país estejam entre as mais bem equipadas e mais avançadas do</p><p>mundo. Já em 2001, todas as escolas primárias e secundárias tinham</p><p>conexão à Internet e os 340.000 professores da Coreia do Sul tinham seus</p><p>próprios computadores. Em 2003, 14 universidades — chamadas de cyber</p><p>universities, pois as aulas são digitais — passaram a utilizar a internet e</p><p>terem aulas virtuais.326</p><p>Os resultados positivos desse zelo educacional são refletidos em</p><p>classificações internacionais. No Programa de Avaliação Internacional de</p><p>Alunos da OCDE de 2015, o desempenho dos alunos sul-coreanos levou o</p><p>11º lugar entre 70 países em ciências (à frente do Reino Unido em 15º lugar,</p><p>Alemanha em 16º e os EUA em 25º) e 7º em matemática. Talvez ainda mais</p><p>impressionante seja a alta participação do país nos melhores desempenhos</p><p>em pelo menos uma disciplina,</p><p>que em 25,6% excede em muito a média da</p><p>OCDE de 15,3%. Por outro lado, a parcela da Coreia do Sul de alunos com</p><p>baixo desempenho em todas as três disciplinas, que é 7,7%, está muito</p><p>abaixo da média de 13%.327</p><p>Esses resultados são um reflexo da grande tendência típica dos</p><p>estudantes coreanos, a de estudar muito e arduamente. Sadang orak</p><p>(literalmente: ‘quatro sobe, cinco desce’) é um slogan martelado em alunos</p><p>que se preparam para fazer seus exames de admissão à universidade:</p><p>qualquer pessoa que passe mais de quatro horas por dia dormindo em vez</p><p>de estudando será reprovada nos exames.328 A escola começa às 9h da</p><p>manhã e termina às 17 horas, e após esse horário os alunos fazem a lição de</p><p>casa e passam um tempo na internet. A grande maioria dos alunos entre as</p><p>idades de 10 e 12 anos e depois entre 16 e 18 frequenta as escolas hagwon</p><p>para ajudá-los a entrar nas melhores escolas do ensino médio e</p><p>universidades.329</p><p>Os adultos trabalham por horas igualmente longas. “Espera-se que os</p><p>coreanos se esforcem até que o trabalho seja concluído”, diz Schneidewind.</p><p>“Muitos coreanos trabalham tanto quanto podem, e muitos idosos</p><p>continuam trabalhando até morrer, sem nem mesmo olhar para o relógio ou</p><p>para o dia da semana, quanto mais para suas férias anuais”. Quem tem mais</p><p>tempo livre — os funcionários de grandes corporações, por exemplo —</p><p>raramente o desperdiça em atividades de lazer. Em vez disso, eles</p><p>participam de cursos de desenvolvimento profissional ou arrumam um</p><p>segundo emprego.330</p><p>Embora essas disposições culturais tenham desempenhado um papel</p><p>fundamental no sucesso econômico da Coreia do Sul e de outras nações</p><p>asiáticas, esse sucesso só foi possível em combinação com um sistema</p><p>capitalista. Afinal, a Coreia do Norte e a Coreia do Sul compartilham as</p><p>mesmas tradições centenárias. No entanto, em um sistema econômico tão</p><p>ineficiente como o norte-coreano, seu impacto positivo no desenvolvimento</p><p>econômico é comprometido ou canalizado para cerimônias ideológicas,</p><p>exercícios militares e produção de armas.</p><p>-</p><p>279 Estimativas para a Coreia do Sul publicadas pelo Fundo Monetário Internacional em Junho</p><p>de 2017.</p><p>280 Como a Coreia do Norte tem bons motivos para não publicar nenhum dado oficial, essas são</p><p>estimativas não oficiais e os números reais podem ser maiores ou menores. É muito difícil medir a</p><p>produtividade na Coreia do Norte “porque ninguém sabe exatamente quem produz o quê na Coreia</p><p>do Norte”. Isso é verdade tanto para o setor público e o segundo setor industrial (o militar) quanto</p><p>para o crescente setor quase privado. Estamos achando difícil até mesmo analisar os dados que</p><p>temos, porque os cálculos norte-coreanos não se baseiam nos preços do dólar. O Bank of Korea da</p><p>Coreia do Sul emite cálculos com base nos preços dos fatores sul-coreanos, o que nem sempre é uma</p><p>solução ideal. Eu mesmo utilizo dados norte-coreanos, mas só existem dados para taxas de</p><p>crescimento e não para PIB absoluto (informação fornecida ao autor pelo Prof. Rüdiger Frank, 21</p><p>de Agosto de 2017).</p><p>281 Citado em Frank, Nordkorea, 111.</p><p>282Ibid., 68.</p><p>283 Ibid., 68–69.</p><p>284 Ibid., 62.</p><p>285Ibid., 63.</p><p>286 Citado em ibid., 63.</p><p>287 Ibid., 66.</p><p>288 Ibid., 183–184.</p><p>289 Ibid., 101.</p><p>290 Ibid., 115 et seq.</p><p>291 Ibid., 204.</p><p>292 Ibid., 397.</p><p>293Ibid., 144.</p><p>294Ibid., 145.</p><p>295Ibid., 58.</p><p>296Ibid., 207.</p><p>297 Ibid., 226.</p><p>298 Ibid., 228–229.</p><p>299 Ibid., 229 et seq.</p><p>300 Ibid., 405 et seq.</p><p>301 Ibid., 119.</p><p>302 Ibid., 163–164.</p><p>303 Heritage Foundation, 2018 Index of Economic Freedom, 3.</p><p>304 Ibid., 7.</p><p>305 Dieter Schneidewind, Wirtschaftswunderland Südkorea (Wiesbaden: Springer Gabler, 2013),</p><p>109.</p><p>306 Patrick Köllner, “Südkoreas politisches System”, em Südkorea und Nordkorea: Einführung in</p><p>Geschichte, Politik, Wirtschaft und Gesellschaft, editado por Thomas Kern e Patrick Köllner</p><p>(Frankfurt: Campus Verlag, 2005), 51.</p><p>307 Schneidewind, Wirtschaftswunderland Südkorea, 45.</p><p>308Ibid., 138.</p><p>309Ibid., 138.</p><p>310 Markus C. Pohlmann, “Südkoreas Unternehmen”, em Südkorea und Nordkorea: Einführung</p><p>in Geschichte, Politik, Wirtschaft und Gesellschaft, editado por Thomas Kern e Patrick Köllner</p><p>(Frankfurt: Campus Verlag, 2005), 123.</p><p>311 Ibid., 136–137.</p><p>312 Ibid., 125.</p><p>313 Ibid., 134.</p><p>314 Werner Pascha, “Südkoreas Wirtschaft”, em Südkorea und Nordkorea: Einführung in</p><p>Geschichte, Politik, Wirtschaft und Gesellschaft, editado por Thomas Kern e Patrick Köllner</p><p>(Frankfurt: Campus Verlag, 2005), 100.</p><p>315 Schneidewind, Wirtschaftswunderland Südkorea, 147.</p><p>316 Pohlmann, “Südkoreas Unternehmen”, 142.</p><p>317 Ibid., 144.</p><p>318 Data para Janeiro de 2018: Banks around the World, “The World’s Top 50 Companies”</p><p>(2018), acessado em 4 de Junho de 2018, https://www.relbanks.com/rankings/worlds-largest-</p><p>companies.</p><p>319 Pascha, “Südkoreas Wirtschaft”, 96–97.</p><p>320 Schneidewind, Wirtschaftswunderland Südkorea, 124.</p><p>321 Comentário feito por Prof. Dr. Werner Pascha para o autor em 10 de Agosto de 2017.</p><p>322 Thomas Kern, “Südkoreas Bildungs- und Forschungssystem”, em Südkorea und Nordkorea:</p><p>Einführung in Geschichte, Politik, Wirtschaft und Gesellschaft, editado por Thomas Kern e Patrick</p><p>Köllner (Frankfurt: Campus Verlag, 2005), 161.</p><p>323 Kooperation International, “Bildungslandschaft: Republik Korea (Südkorea)” (nd), acessado</p><p>em 20 de Junho de 2018, www.kooperation-international.de/laender/asien/republik-korea-</p><p>suedkorea/bildungs-forschungs-undinnovationslandschaft/bildungslandschaft.</p><p>324 Kern, “Südkoreas Bildungs- und Forschungssystem”, 166.</p><p>325 Kooperation International, “Bildungslandschaft.”</p><p>326 Kern, “Südkoreas Bildungs- und Forschungssystem”, 161. No entanto, há um outro lado</p><p>nessa tendência, que vê os alunos ingressando nas melhores universidades e em empregos de</p><p>colarinho branco sem considerar alternativas de carreira. Em muitos casos, o dinheiro investido nas</p><p>mensalidades poderia ser mais bem gasto em outro lugar. Muitos coreanos agora criticam esses</p><p>desenvolvimentos e estão muito interessados em modelos alternativos, como o sistema dual de</p><p>ensino praticado nos países de língua alemã, que combina estágios em uma empresa e formação</p><p>profissional em uma escola profissional (comentário feito pelo Prof. Dr. Werner Pascha ao autor em</p><p>10 de Agosto de 2017).</p><p>327 Organisation for Economic Co-operation and Development, PISA 2015: PISA Results in</p><p>Focus (2018), acessado em 20 de Junho de 2018, https://www.oecd.org/pisa/pisa-2015-resultsin-</p><p>focus.pdf. De acordo com a definição da OCDE, os melhores desempenhos são os alunos que</p><p>alcançam o Nível 5 ou 6 em pelo menos uma disciplina (matemática, ciências ou leitura). Os alunos</p><p>com baixo desempenho são alunos cujo desempenho é classificado abaixo do Nível 2 em todas as</p><p>três disciplinas.</p><p>328 Frank, Nordkorea, 20.</p><p>329 Schneidewind, Wirtschaftswunderland Südkorea, 78–79.</p><p>330 Ibid., 79.</p><p>D</p><p>CAPÍTULO 5</p><p>ARRISCANDO MAIS COM</p><p>O CAPITALISMO: REFORMAS</p><p>PRÓ-MERCADO DE THATCHER E REAGAN</p><p>NO REINO UNIDO E NOS EUA</p><p>e vez em quando, os sistemas capitalistas exigem reformas</p><p>abrangentes porque as pessoas perderam de vista as bases de seu</p><p>sucesso. Em países democráticos, os políticos costumam ganhar</p><p>eleições com promessas de presentes gratuitos para seus eleitores. Suas</p><p>tentativas de resolver supostas “injustiças sociais” geralmente envolvem</p><p>empréstimos cada vez maiores de dinheiro para gastar em esquemas de</p><p>bem-estar social. Políticos e funcionários públicos também tendem a</p><p>interferir na economia sob a convicção falsa de que podem dirigir a</p><p>economia melhor do que o mercado — uma convicção que compartilham</p><p>com os adeptos da economia planejada socialista.</p><p>Reformas pró-mercado de Thatcher no Reino Unido</p><p>Em 1966, a banda The Beatles lançou uma música chamada Taxman,</p><p>que começa com as seguintes linhas:</p><p>Deixe eu te dizer como vai ser</p><p>É um para você, 19 para mim…</p><p>Se 5% parecer muito pouco</p><p>Fique agradecido por eu não ter tirado tudo.</p><p>A letra foi escrita em protesto contra a tributação excessiva no Reino</p><p>Unido, que até a década de 1970 equivalia a expropriar indivíduos com alta</p><p>renda, com uma taxa de imposto de renda de 83% para os que tinham</p><p>as</p><p>maiores rendas, enquanto os ganhos de capital eram tributados em até 98%.</p><p>Após a Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido seguiu um caminho</p><p>muito diferente da introdução da “economia social de mercado” na</p><p>Alemanha Ocidental sob Ludwig Erhard, que estabeleceu as bases para o</p><p>“milagre econômico” das décadas de 1950 e 1960 (veja o Capítulo 3). No</p><p>Reino Unido, a vitória do Partido Trabalhista de esquerda nas eleições de</p><p>1945 levou à implementação de uma forma de socialismo democrático sob</p><p>o então primeiro-ministro Clement Attlee, tendo no seu núcleo um enorme</p><p>programa de nacionalização. Depois que os bancos, a aviação civil e as</p><p>indústrias de mineração e telecomunicações foram nacionalizadas, as</p><p>ferrovias, canais de navegação, transporte rodoviário de carga, energia e gás</p><p>logo seguiram, assim como as indústrias manufatureiras, incluindo ferro e</p><p>aço. No total, cerca de um quinto da economia do Reino Unido foi</p><p>nacionalizada. Em muitos casos, os executivos sêniores permaneceram em</p><p>seus empregos, embora agora estivessem trabalhando como funcionários</p><p>públicos.</p><p>O governo também tentou assumir o controle do que restava do setor</p><p>privado. Em seu relato, a primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher</p><p>cita o economista liberal Arthur Shenfield, que brincou que “a diferença</p><p>entre os setores público e privado era que o setor privado era controlado</p><p>pelo governo, e o setor público não era controlado por ninguém”.331 Se o</p><p>Partido Trabalhista tivesse o que queria, o Reino Unido se tornaria um</p><p>exemplo clássico de socialismo democrático como uma terceira via entre o</p><p>comunismo e o capitalismo.</p><p>Mesmo depois que o Partido Conservador (conhecido como Tory) voltou</p><p>ao poder após as eleições em outubro de 1951, o novo governo de Winston</p><p>Churchill manteve a maioria das políticas socialistas implementadas por seu</p><p>antecessor Trabalhista. Esse consenso do pós-guerra durou até a década de</p><p>1970, com muitos políticos conservadores compartilhando a crença de que a</p><p>economia deveria ser controlada pelo Estado.</p><p>Durante as décadas de 1950 e 1960, o Reino Unido desfrutou de um</p><p>padrão de vida melhor, baixo desemprego e aumento do consumo, mas</p><p>ficou atrás de outros países europeus — Alemanha Ocidental em particular</p><p>— em termos de número de telefones, geladeiras, aparelhos de TV e</p><p>máquinas de lavar a cada 100 moradores. Essa diferença ficava cada vez</p><p>maior, porque a produtividade era muito baixa no Reino Unido.</p><p>Durante a década de 1970, os pontos fracos do Reino Unido tornaram-se</p><p>terrivelmente óbvios. Os sindicatos eram muito fortes e o país estava</p><p>dividido por frequentes greves. Um relatório publicado na revista alemã</p><p>Der Spiegel em janeiro de 1974 retrata um país com milhões de</p><p>desempregados ou subempregados e uma capital mergulhada na escuridão à</p><p>noite:332</p><p>“Por razões que parecem sem importância, uma discussão sobre</p><p>salários entre mineiros e minas nacionalizadas se tornou um confronto</p><p>entre o governo e os sindicatos, que mergulhou o país em uma ‘nova era</p><p>das trevas’ (Newsweek). Na semana passada, houve uma queda de 40%</p><p>na produção de carvão e de 50% na produção de aço. Mais de um</p><p>milhão de pessoas já estão desempregadas, mais de dois milhões apenas</p><p>em empregos de meio período, com mais dez milhões — quase metade</p><p>da população britânica ativa — com a probabilidade de ter o mesmo</p><p>destino nas próximas semanas. Cada curta semana de trabalho custa ao</p><p>povo britânico o equivalente a 2,5 bilhões de marcos alemães.”</p><p>Na tentativa de economizar carvão, o governo introduziu a “semanas de</p><p>três dias”. O relatório prosseguia:,</p><p>“A agitada Londres da década de 1960 tornou-se tão sombria como</p><p>nos tempos de Dickens, suas avenidas imperiais menos iluminadas do</p><p>que as ruas das favelas urbanas das ex-colônias do Reino Unido. Velas</p><p>são encontradas nos escritórios do distrito financeiro, enquanto</p><p>lampiões fornecem iluminação de emergência em lojas de</p><p>departamentos, e armazéns são iluminados por faróis de caminhões.</p><p>Apenas um em cada quatro radiadores está ligado dentro da residência</p><p>do primeiro-ministro na 10, Downing Street, e os avisos nas estações de</p><p>metrô aconselham os passageiros a subir as escadas, pois as escadas</p><p>rolantes foram desligadas para economizar energia.”</p><p>Essas greves e emergências tornaram os problemas enraizados do estado</p><p>de bem-estar social britânico claramente óbvios. Até mesmo Der Spiegel,</p><p>uma revista de esquerda não conhecida por suas simpatias pró-capitalistas,</p><p>teve que admitir:</p><p>“Nenhuma outra nação na história permitiu que os sindicatos</p><p>crescessem tão desenfreadamente como fizeram na Grã-Bretanha desde</p><p>os primeiros anos da era industrial. A luta de classes foi inventada neste</p><p>país, utilizando a greve como uma de suas armas mais eficazes. Uma</p><p>potência que antes esteve na linha de frente da industrialização tornou-</p><p>se inválida industrialmente [...] Os representantes sindicais — porta-</p><p>vozes dos sindicatos nas empresas — podiam convocar uma greve e</p><p>romper acordos coletivos sempre que quisessem, sem a necessidade de</p><p>realizar uma votação. Nem os sindicatos nem seus funcionários podem</p><p>ser responsabilizados por quaisquer danos causados por essas greves</p><p>violentas. Os representantes sindicais aproveitaram a licença que</p><p>receberam para ocupar cargos de poder sem precedentes nas empresas.</p><p>Para alguns funcionários sindicais, os seus próprios interesses e a inveja</p><p>de seus colegas de trabalho importavam mais do que sua luta contra os</p><p>proprietários da empresa. Em muitos casos, o comportamento dos</p><p>representantes sindicais na fábrica era tão imperioso quanto o dos</p><p>chefes da empresa em seus escritórios [...] Por vários meses, a</p><p>rivalidade entre dois sindicatos dos metalúrgicos, ambos tentando</p><p>garantir empregos bem remunerados como operadores do novo</p><p>equipamento, impediu o teste de um novo processo de fabricação. O</p><p>sindicato dos estivadores protestou contra a construção de terminais de</p><p>contêineres de última geração, onde as tarefas de carregamento</p><p>deveriam ser realizadas por trabalhadores de um setor diferente da</p><p>indústria de transporte. O trem de alta velocidade mais avançado da</p><p>Inglaterra ficou parado em uma linha de trem não utilizada por quase</p><p>meio ano porque o sindicato dos trabalhadores ferroviários insistiu em</p><p>que deveria haver dois motoristas, embora houvesse espaço apenas para</p><p>um na cabine do operador.”</p><p>O Reino Unido era famoso pelo poder dos sindicatos — 466 no total —</p><p>e pela predileção de seus membros pela greve. Ao longo da década de 1970,</p><p>o país viu mais de 2.000 greves por ano com uma perda média de quase 13</p><p>milhões de dias de trabalho.333 Apenas em 1972, quase 24 milhões de dias</p><p>de trabalho foram perdidos, um grau que o país experimentou pela última</p><p>vez durante a Greve Geral em 1926. Os sindicatos britânicos eram</p><p>dominados por comunistas e outros militantes de esquerda que estavam</p><p>muito menos interessados em melhorar as condições de vida e de trabalho</p><p>de seus membros do que em destruir o que restava da economia de livre</p><p>mercado. O baixo padrão de vida dos seus trabalhadores os levou a</p><p>concordar com suas demandas.</p><p>As regiões economicamente desfavorecidas do Reino Unido — norte da</p><p>Inglaterra, Escócia e País de Gales — eram o lar dos trabalhadores mais</p><p>mal pagos da Europa Ocidental, que ganhavam 25% menos do que seus</p><p>semelhantes em outros estados membros da Comunidade Europeia (CE).</p><p>“Londres e o sudeste da Inglaterra são as únicas partes do país onde as</p><p>rendas estão acima da média da comunidade, e entre os nove estados</p><p>membros da CE apenas os italianos e irlandeses estão em pior situação do</p><p>que os britânicos”, relatou o Der Spiegel.</p><p>“Enquanto os mineiros mais mal pagos (na indústria de carvão</p><p>alemã) ganham um salário-base de cerca de 220 marcos alemães por</p><p>semana, seus colegas britânicos ganham apenas (o equivalente a) cerca</p><p>de 170 marcos alemães. Com um PIB de 9.240 marcos alemães per</p><p>capita, (o Reino Unido) ficou em sétimo lugar entre os membros da CE</p><p>em 1972 (com 13.345 marcos alemães, a República Federal da</p><p>Alemanha ficou em segundo lugar, atrás da Dinamarca). Os aumentos</p><p>salariais pelos quais os trabalhadores britânicos</p><p>lutaram tanto nos</p><p>últimos anos foram consumidos pelo aumento dos preços em um grau</p><p>maior do que em outros países. Entre 1968 e meados de 1972, o poder</p><p>de compra de seus salários aumentou só 8%, enquanto os trabalhadores</p><p>da Alemanha Ocidental registraram um aumento de 26% em termos</p><p>reais, e os franceses e holandeses estavam em uma situação melhor, com</p><p>17%.”</p><p>Enquanto defendia a ideia, mas não tomava nenhuma ação com relação à</p><p>redução da influência do governo no campo econômico e à limitação do</p><p>poder dos sindicatos, o governo Tory de Edward Heath falhou em fazer</p><p>qualquer mudança significativa no status quo. Com a inflação em alta em</p><p>1972, o governo Heath recorreu a medidas temporárias nos moldes</p><p>socialistas tradicionais. Nas palavras de Thatcher:</p><p>“Após um início de reforma, o governo de Ted Heath (do qual ela era</p><p>membro) propôs e quase implementou a forma mais radical de</p><p>socialismo já contemplada por um governo britânico eleito. Essa forma</p><p>oferecia o controle estatal de preços e dividendos e a supervisão</p><p>conjunta da política econômica por um órgão tripartido que</p><p>representava o Congresso de Sindicatos (TUC), a Confederação da</p><p>Indústria Britânica (CBI) e o governo, em troca do consentimento</p><p>sindical a uma política de renda. Fomos salvos dessa abominação pelo</p><p>conservadorismo e suspeita do Congresso de Sindicatos, que talvez não</p><p>pudesse acreditar que seu ‘inimigo de classe’ estava preparado para se</p><p>render sem uma luta.”334</p><p>Thatcher não reservou suas críticas apenas para os sindicatos e o Partido</p><p>Trabalhista — ela também repreendeu seu próprio partido por não ter feito</p><p>nada para reverter a transição do Reino Unido para um estado de bem-estar</p><p>socialista. “Nós nos gabamos de gastar mais dinheiro do que o Partido</p><p>Trabalhista, não de devolver às pessoas a independência e a</p><p>autossuficiência.”335 Seu veredito foi contundente:</p><p>“Nenhuma teoria de governo foi submetida a um teste mais justo ou</p><p>a uma experiência mais prolongada em um país democrático do que o</p><p>socialismo democrático na Grã-Bretanha. No entanto, foi um fracasso</p><p>miserável em todos os aspectos. Ao invés de reverter o lento declínio</p><p>relativo da Grã-Bretanha perante seus principais concorrentes</p><p>industriais, ele o acelerou. Ficamos ainda mais para trás deles, até que</p><p>em 1979 fomos muito rejeitados como ‘o homem doente da</p><p>Europa’.”336</p><p>O economista alemão Holger Schmieding, que visitou o Reino Unido</p><p>pela primeira vez no final dos anos 1970 quando jovem, se lembra de ter</p><p>ficado chocado “com o péssimo padrão de vida em todo o país”.</p><p>“Muitas famílias não tinham os eletrodomésticos que tínhamos em</p><p>nossa cozinha, área de serviço e sala de estar em casa. Grandes partes</p><p>do país pareciam bastante destruídas. O sistema de transporte antiquado</p><p>e a qualidade abominável de muitos bens e serviços pioraram as coisas.</p><p>Na época, o Reino Unido estava bem longe dos padrões aos quais eu</p><p>estava acostumado ou daqueles que tive o privilégio de experimentar</p><p>alguns anos antes como estudante do ensino médio nos Estados Unidos.</p><p>Se não fosse pela memória dos muitos soldados britânicos posicionados</p><p>perto da casa dos meus pais que ficava perto de Osnabrück na época,</p><p>minha primeira visita ao Reino Unido poderia ter me feito questionar</p><p>qual país realmente ganhou a guerra.”337</p><p>As condições pioraram durante o inverno de 1978-1979, quando o país</p><p>ficou paralisado por mais uma ronda de greves de trabalhadores do serviço</p><p>público e dos transportes. O sistema de transporte público parou de</p><p>funcionar em muitos lugares, enquanto o lixo podre se acumulava nas</p><p>calçadas e o Serviço Nacional de Saúde estava à beira do colapso. “O país</p><p>parecia estar mergulhando no caos, e a incapacidade do governo trabalhista</p><p>de conter os sindicatos deu credibilidade aos apelos urgentes de Thatcher</p><p>por uma mudança de direção.”338</p><p>Em 3 de maio de 1979, os conservadores venceram as eleições com uma</p><p>maioria de 339 representantes eleitos dos 635. A visão econômica de</p><p>Thatcher ficou clara durante a década de 1970. Na década de 1960, suas</p><p>críticas ao estado de bem-estar social não chegaram a propor eliminá-lo por</p><p>completo, mas ela já havia levantado fortes preocupações sobre os</p><p>“aproveitadores” explorando o sistema e os perigos da explosão dos</p><p>gastos.339 Enquanto isso, ela havia estudado os escritos de pensadores</p><p>liberais — os de Friedrich August von Hayek em particular —, bem como a</p><p>crítica incisiva do filósofo Karl Popper às ideias socialistas, e ficou</p><p>impressionada com suas críticas radicais ao socialismo e ao estado de bem-</p><p>estar social. Ela agora tinha a oportunidade de colocar essas ideias em</p><p>prática, embora estivesse bem ciente da grande resistência que</p><p>provavelmente encontraria de socialistas e sindicatos.</p><p>Os desafios pareciam tão grandes que um resultado bem-sucedido não</p><p>era de forma alguma uma conclusão antecipável. O gabinete de Thatcher</p><p>incluía uma série de conservadores tradicionais que não estavam dispostos a</p><p>apoiar reformas radicais — “wets”, como Thatcher gostava de chamá-los,</p><p>“calculistas políticos que veem o recuo gracioso diante do avanço inevitável</p><p>da esquerda como a tarefa dos conservadores.”340</p><p>A inflação era de 10% quando ela assumiu o cargo e devia continuar</p><p>aumentando. Resistindo à tentação de manter os controles de preços e</p><p>outras medidas convencionais, como seus antecessores haviam feito,</p><p>Thatcher usou o debate após o primeiro Discurso da Rainha de seu governo</p><p>(a declaração formal da rainha para abrir a sessão do Parlamento e definir as</p><p>prioridades da política do governo) para anunciar sua intenção de abolir o</p><p>controle de preços: “Talvez a primeira vez em que os nossos oponentes</p><p>realmente perceberam que o compromisso retórico do governo com o</p><p>mercado seria correspondido por ações práticas foi no dia em que</p><p>anunciamos a abolição (da Comissão de Preços).”341</p><p>As reformas de Thatcher inicialmente se concentraram no combate à</p><p>inflação, o que previsivelmente levou a um forte aumento no desemprego</p><p>de 1,3 milhão em 1979 para 3 milhões em 1983 — causado em parte por</p><p>perturbações econômicas globais e em parte pelas reformas pró-mercado de</p><p>seu governo, como a própria Thatcher admitiu. “O paradoxo que nem os</p><p>sindicatos britânicos nem os socialistas estavam dispostos a aceitar era que</p><p>um aumento da produtividade provavelmente reduziria o número de</p><p>empregos antes de criar a riqueza que sustenta novos.”342 A inflação caiu</p><p>para menos de 10% num curto prazo, acompanhada por uma melhora</p><p>significativa nas taxas de produtividade lentas que Thatcher considerou a</p><p>causa principal de todos os outros problemas que afetam a economia do</p><p>Reino Unido.</p><p>Um de seus primeiros passos em direção a uma economia mais</p><p>favorável aos negócios foi cortar as taxas marginais de imposto de 33%</p><p>para 30% nas classes mais baixas e de 83% para 60% nas classes mais altas</p><p>(seguido por novos cortes para 25% e 40%, respectivamente, em 1988).</p><p>Diante de uma situação orçamentária desastrosa, ela foi forçada a aumentar</p><p>o IVA de 12,5% para 15%, mantendo as isenções existentes para itens</p><p>alimentares e outros bens essenciais. Ela também tomou medidas para</p><p>reduzir a burocracia, agilizando as permissões de planejamento para</p><p>desenvolvimentos industriais e de escritórios e simplificando ou abolindo</p><p>uma série de controles de planejamento.343</p><p>Thatcher viu seu maior desafio em restringir o poder dos sindicatos —</p><p>uma questão que a atormentaria durante seu mandato e constituiria um dos</p><p>seus conflitos definidores. Para desgosto do Partido Trabalhista e dos</p><p>sindicatos, Thatcher usou o primeiro Discurso da Rainha de seu governo</p><p>para anunciar propostas para um ataque legislativo em três frentes contra os</p><p>pilares tradicionais do poder sindical: piquetes secundários, o closed shop e</p><p>votos secretos. Em primeiro lugar, ao proibir os piquetes secundários, ela</p><p>propôs restringir o direito de fazer piquetes “aos que estão em disputa com</p><p>seu patrão em seu próprio local de trabalho”. Em segundo lugar, o seu</p><p>governo estava “empenhado em mudar a lei do closed shop, segundo a qual</p><p>os empregados eram efetivamente obrigados a entrar em um sindicato se</p><p>desejassem</p><p>obter ou manter um emprego, e que na época abrangia cerca de</p><p>cinco milhões de trabalhadores”. Em terceiro lugar, Thatcher propôs</p><p>introduzir a legislação para tornar fundos públicos “disponíveis para</p><p>financiar votos por correspondência para eleições sindicais e outras</p><p>decisões sindicais importantes”.344 Os primeiros passos para a</p><p>implementação dessas mudanças foram adotados já em 1980.</p><p>As medidas seguintes incluíram restrições ao direito de realizar greves</p><p>de solidariedade. Em 1984-1985, Arthur Scargill — um líder sindical</p><p>conhecido e um crítico sincero das políticas de Thatcher que se recusou a</p><p>“aceitar que estaremos pelos próximos quatro anos com este governo”345 —</p><p>liderou os mineiros em uma greve em grande escala contra as privatizações</p><p>e o fechamento de minas planejado. Apesar de três em cada quatro minas</p><p>estarem operando com prejuízo e “a indústria estar recebendo £1,3 bilhão</p><p>de subsídios do contribuinte em 1983-84”,346 o sindicato lutou duramente</p><p>contra o fechamento.</p><p>Já que muitos mineiros não apoiaram a greve, Scargill decidiu não</p><p>realizar uma votação para tal. A situação agravou-se quando meios</p><p>violentos foram usados para impedir que os mineiros que queriam trabalhar</p><p>cruzassem as barricadas. Ataques a policiais por trabalhadores em greve ou</p><p>simpatizantes resultaram em ferimentos graves em muitos casos. As</p><p>famílias de mineiros que não participaram da greve foram ameaçadas e</p><p>intimidadas. Houve escaladas frequentes de violência, incluindo a morte de</p><p>um motorista de táxi galês por dois mineiros em greve, que derrubaram um</p><p>bloco de concreto de uma passarela em seu táxi enquanto transportava um</p><p>mineiro que não estava em greve para o trabalho.</p><p>O apoio aos mineiros em greve na população foi comprometido por</p><p>alegações de fundos de reserva secretos vindos do ditador líbio Muammar</p><p>al-Gaddafi e sindicatos falsos no Afeganistão ocupado pela União</p><p>Soviética. Mesmo assim, a greve durou quase um ano. Em ambos os lados,</p><p>havia muito mais em jogo do que o fechamento de minas. Por parte dos</p><p>sindicatos, as greves foram uma demonstração de poder e uma tentativa de</p><p>reduzir o poder de Thatcher. Quando ela se recusou a ceder, os sindicatos</p><p>tiveram que abandonar a greve quando ficaram sem dinheiro.</p><p>Sua derrota teve um impacto simbólico — a postura intransigente de</p><p>Thatcher quebrou o poder dos sindicatos, que haviam perdido um terço de</p><p>seus membros e grande parte de sua influência política quando ela deixou</p><p>seu cargo. Durante o último ano de seu mandato, houve menos greves do</p><p>que em qualquer outro ano desde 1935. Com menos de 2 milhões, o número</p><p>de dias de trabalho perdidos devido à greve foi significativamente menor do</p><p>que a média dos anos 1970, quando o número era de quase 13 milhões.</p><p>Nenhum outro político europeu implementou um programa de reforma</p><p>pró-mercado de maneira tão intransigente quanto Thatcher. Durante seu</p><p>segundo mandato, ela impulsionou a privatização de empresas estatais.</p><p>Thatcher viu a privatização como “um dos meios centrais de reverter os</p><p>efeitos corrosivos e corruptores do socialismo”. Longe de colocar as</p><p>pessoas no controle, a propriedade pública era simplesmente uma</p><p>“propriedade de uma pessoa jurídica impessoal: equivale ao controle por</p><p>políticos e funcionários públicos”, ela argumentou. “Mas através da</p><p>privatização — particularmente o tipo de privatização que leva à maior</p><p>propriedade compartilhada possível por membros do público — o poder do</p><p>Estado é reduzido e o poder do povo aumentado.”347</p><p>A privatização, que era uma questão marginal, cresceu para se tornar o</p><p>pilar fundamental da agenda política e do legado de Thatcher. A British</p><p>Telecom, que empregava 250.000 funcionários, foi a primeira prestadora de</p><p>serviços a ser privatizada. Dentre os 2 milhões de britânicos que compraram</p><p>ações no que foi então a maior oferta pública inicial (IPO) da história</p><p>econômica, cerca de metade nunca tinha adquirido ações antes. Durante o</p><p>mandato de Thatcher, a porcentagem de britânicos que possuíam ações</p><p>aumentou de 7% para 25%.348</p><p>A privatização da British Airways, BP (British Petroleum), empresas</p><p>automotivas, incluindo Rolls Royce e Jaguar, empresas de construção naval</p><p>e uma série de serviços públicos locais resultou na perda de influência</p><p>dominante do Estado na economia britânica. Sob o regime de direito de</p><p>compra, os representantes locais venderam grande parte de seu parque</p><p>habitacional para inquilinos com o intuito de criar um milhão de novos</p><p>proprietários.349 No entanto, neste caso, poderia muito bem ter feito mais</p><p>sentido vender as propriedades públicas para empresas gestoras</p><p>profissionais de propriedades, ou vendê-las no mercado de ações, como foi</p><p>feito com outros ativos privatizados.</p><p>A produtividade aumentou consideravelmente nas empresas</p><p>privatizadas. Dez anos após a privatização, os preços das telecomunicações</p><p>caíram 50%, enquanto os preços dos produtos e serviços de outras empresas</p><p>privatizadas também caíram. Estudos têm mostrado melhorias na qualidade</p><p>do serviço em empresas privatizadas no geral. “Antes da privatização,</p><p>demorava meses e às vezes um suborno para conseguir uma nova linha</p><p>telefônica”, afirma Chris Edwards em um artigo sobre o “Legado da</p><p>Privatização de Thatcher”. Durante a década após a privatização, a</p><p>percentagem de chamadas de serviço concluídas em oito dias aumentou de</p><p>59% para 97%.350</p><p>O modelo britânico foi tão bem-sucedido que desencadeou uma</p><p>“revolução de privatização em andamento que se espalhou pelo mundo</p><p>desde os anos 1980”, com governos em mais de uma centena de países</p><p>seguindo o exemplo do Reino Unido e privatizando empresas anteriormente</p><p>estatais avaliadas em mais de US$ 3,3 trilhões no total.351</p><p>Embora Thatcher confesse em suas memórias de Downing Street que</p><p>“ainda havia muito que eu gostaria de ter feito”, sua avaliação geral de seu</p><p>tempo no cargo é positiva:</p><p>“A Grã-Bretanha sob meu mandato foi o primeiro país a reverter a</p><p>marcha de socialismo. Na época em que deixei o cargo, o setor estatal</p><p>da indústria havia sido reduzido em cerca de 60%. Cerca de um quarto</p><p>da população possuía ações. Mais de seiscentos mil empregos passaram</p><p>do setor público para o privado.”352</p><p>Suas políticas resultaram em um aumento de lucratividade e de</p><p>produtividade que, no devido tempo, permitiu a criação de 3,32 milhões de</p><p>empregos entre março de 1983 e março de 1990.353</p><p>Thatcher desregulamentou amplamente o setor financeiro, tornando o</p><p>Reino Unido um dos primeiros países a abolir os controles monetários e de</p><p>capital. Depois de alguns anos, a cidade de Londres estabeleceu firmemente</p><p>sua reputação como um ímã global para empresas de gestão de ativos. A Lei</p><p>de Serviços Financeiros de 1986 liberalizou as regras da Bolsa de Valores</p><p>de Londres, aboliu a separação entre aqueles que negociavam ações e</p><p>aqueles que aconselhavam os investidores e eliminou as restrições aos</p><p>bancos estrangeiros. Essas mudanças foram tão abrangentes e</p><p>transformadoras que foram apelidadas de “Big Bang” pela mídia. Elas</p><p>fizeram de Londres o principal centro financeiro do mundo — igualado</p><p>apenas por Nova York — e criaram centenas de milhares de novos</p><p>empregos, muitos deles com as agências em rápido crescimento</p><p>estabelecidas por bancos estrangeiros.</p><p>Graças à receita tributária gerada por esses aumentos de produtividade, o</p><p>Reino Unido conseguiu reduzir significativamente sua dívida pública. Em</p><p>1976, o país estava próximo de um default soberano e foi forçado a tomar</p><p>emprestados US$ 3,9 bilhões do Fundo Monetário Internacional.354 Em</p><p>1978, o déficit era de 4,4% do PIB (em comparação com 2,4% na</p><p>Alemanha). Uma década depois, em 1989, a economia do Reino Unido</p><p>gerou um superávit de 1,6%. A dívida pública caiu de 54,6% do PIB em</p><p>1980 para 40,1% em 1989.355</p><p>Antes de Thatcher, a Grã-Bretanha era o país com a maior taxa marginal</p><p>de imposto da Europa (até 98%). Quando ela deixou o cargo, a taxa máxima</p><p>de imposto de 40% no Reino Unido era menor do que a de qualquer outro</p><p>país europeu, exceto nos paraísos fiscais como Liechtenstein e Mônaco. A</p><p>cultura socialista da inveja foi substituída por um ambiente pró-mercado</p><p>e</p><p>pró-negócios, onde a ambição era fortemente recompensada, o que, por sua</p><p>vez, levou a um aumento acentuado no número de empresas privadas e</p><p>autônomos. O número total de empresas registradas no Reino Unido</p><p>aumentou de 1,89 milhões em 1979, para mais de 3 milhões em 1989,</p><p>enquanto o número de pessoas registradas como autônomas cresceu de 1,9</p><p>milhões para 3,5 milhões durante o mesmo período.356</p><p>Thatcher foi criticada por aumentar a diferença de renda. Mas ela em</p><p>nenhum momento prometeu aos eleitores maior igualdade — ela foi eleita</p><p>para o cargo com o mandato de libertar a economia do controle estatal. E,</p><p>como resultado dessas reformas, os trabalhadores de produção</p><p>experimentaram um crescimento de 25,8% no salário líquido entre 1979 e</p><p>1994.357 Durante o mesmo período, os salários líquidos na Alemanha e na</p><p>França aumentaram apenas 2,5% e 1,8%, respectivamente. Os eleitores</p><p>britânicos honraram o sucesso de Thatcher reelegendo-a — não apenas</p><p>uma, mas duas vezes. Ela permaneceu no cargo por um total de 11 anos,</p><p>mais do que qualquer outro primeiro-ministro britânico do século XX.</p><p>Thatcher pode ter sido odiada por muitos da esquerda devido a suas</p><p>políticas antissocialistas. No entanto, muitos resultados de suas reformas</p><p>foram tão bem-sucedidos que o novo governo de Tony Blair não fez</p><p>nenhuma tentativa de reverter as reformas quando o Partido Trabalhista</p><p>finalmente voltou ao poder em 1997. Blair rompeu com a tradição de seu</p><p>partido de apoiar uma economia controlada pelo Estado e, em vez disso, se</p><p>posicionou como um forte defensor do capitalismo de livre mercado,</p><p>semelhante ao chanceler social-democrata da Alemanha na época (Gerhard</p><p>Schröder, inicialmente um aliado próximo de Blair).</p><p>Reformas pró-mercado de Ronald Reagan nos EUA</p><p>Fãs e críticos tendem a mencionar Margaret Thatcher e Ronald Reagan</p><p>no mesmo contexto — e com razão, já que os dois políticos</p><p>compartilhavam uma agenda melhor resumida como “arriscar mais com o</p><p>capitalismo”. Na década de 1970, os Estados Unidos foram atormentados</p><p>por uma gama cada vez maior de problemas, sendo que a maioria foi</p><p>resultado da excessiva intervenção governamental na economia e da</p><p>proliferação de programas de bem-estar social, contradizendo a imagem</p><p>popular europeia dos Estados Unidos como um exemplo clássico de uma</p><p>economia de livre mercado isenta de quaisquer programas e instituições de</p><p>bem-estar social.</p><p>Os gastos com bem-estar social de fato aumentaram de US$ 3,57 bilhões</p><p>para US$ 66,7 bilhões entre 1940 e 1970 — e mais que quadruplicaram</p><p>para US$ 292 bilhões em 1980. Ajustados pela inflação e pelo crescimento</p><p>populacional, os gastos federais per capita com programas de bem-estar</p><p>social quase dobraram de US$ 1.293 em 1970 para US$ 2.555 em 1980.358</p><p>O crescimento anual nas despesas de bem-estar social per capita ficou</p><p>em 12,5% ao ano sob a administração de Johnson (1963-1969), 8,3% ao</p><p>ano durante as presidências de Richard Nixon e Gerald Ford (1969 a 1977)</p><p>e 3,2% ao ano durante o mandato de Jimmy Carter (1977–1981).359</p><p>A situação econômica de muitos cidadãos dos EUA havia se deteriorado</p><p>antes da chegada de Reagan à Casa Branca, embora o declínio econômico</p><p>não tivesse sido tão drástico quanto na Grã-Bretanha antes da chegada de</p><p>Thatcher.360 Em termos reais, a renda familiar dos americanos brancos caiu</p><p>2,2% entre 1973 e 1981, enquanto os afro-americanos viram sua renda</p><p>familiar diminuir 4,4%. Os 25% equivalentes aos cidadãos mais pobres</p><p>estavam em uma situação pior, já que a renda deles caiu 5%. No outro</p><p>extremo, os que ganham mais tiveram de lidar com taxas de imposto de até</p><p>70%.</p><p>A taxa de desemprego havia subido para 7,6% quando Reagan assumiu o</p><p>cargo, enquanto a inflação ficou em mais de 10% por três anos</p><p>consecutivos, subindo para 13,5% — o nível mais alto desde 1947 — em</p><p>1980. Proprietários de casas e investidores imobiliários foram atingidos</p><p>especialmente quando taxas de juros que já eram altas, de 15% em 1980,</p><p>dispararam para um nível recorde de 18,9% no ano seguinte.361</p><p>Em outras palavras, Reagan assumiu o cargo em um momento em que as</p><p>perspectivas econômicas eram sombrias. Tendo crescido em uma casa</p><p>modesta, ele começou sua carreira como locutor de rádio antes de seguir</p><p>para o cinema, atuando em mais de 50 filmes de Hollywood. Entre 1967 e</p><p>1975, ele serviu por dois mandatos como governador da Califórnia, onde</p><p>equilibrou o orçamento com sucesso e alcançou uma recuperação</p><p>econômica significativa.</p><p>Reagan ganhou em 44 estados, uma grande maioria dos votos eleitorais</p><p>(489 a 49) e 50,7% do voto popular em sua vitória esmagadora sobre o</p><p>presidente de então, Jimmy Carter, em 4 de novembro de 1980. Ao invés de</p><p>basear sua campanha eleitoral em valores conservadores, ele “simplesmente</p><p>perguntou aos eleitores se eles estavam em melhor ou pior condição em</p><p>1980 do que quatro anos atrás”.362 Seu discurso inaugural em 20 de janeiro</p><p>de 1981 transmitiu uma mensagem simples, que ele repetiria muitas vezes</p><p>nos anos seguintes: “Nesta crise atual, o governo não é a solução para o</p><p>nosso problema, o governo é o problema”.363 Alguns anos depois, em uma</p><p>coletiva de imprensa em agosto de 1986, ele diria a famosa declaração: “As</p><p>palavras mais terríveis na língua inglesa são: ‘Eu sou do governo e eu estou</p><p>aqui para ajudar.’”364 A agenda política de Reagan era simples: restringir a</p><p>influência do Estado na esfera econômica e aumentar o papel do livre</p><p>mercado. Para restaurar uma versão mais robusta do capitalismo, ele</p><p>reduziu a burocracia, aboliu restrições desnecessárias e cortou impostos.</p><p>Em 1981, cerca de 60 democratas votaram com a minoria republicana no</p><p>Congresso para aprovar a Lei de Imposto sobre Recuperação Econômica de</p><p>Reagan, que implementou um corte de 25% nas taxas marginais de imposto</p><p>individual ao longo de três anos, juntamente com a introdução de incentivos</p><p>para pequenas empresas e poupança pessoal. O projeto de lei também</p><p>incluía uma cláusula para indexar as taxas de impostos de 1985 em diante</p><p>para evitar o bracket creep (o processo pelo qual a inflação empurra a renda</p><p>para faixas salariais mais altas, resultando em tributação mais alta, mas sem</p><p>aumento no poder de compra real). Os democratas também propuseram</p><p>cortes de impostos próprios, distribuídos por quatro anos em vez de três,</p><p>mas os especialistas calcularam que, se a inflação permanecesse em 8%</p><p>nesse período de quatro anos, 98% do corte de 25% seriam perdidos para o</p><p>bracket creep, a menos que as taxas de impostos fossem ajustadas em</p><p>resposta à inflação.365</p><p>Esses foram os cortes de impostos mais drásticos da história americana</p><p>até hoje e os contribuintes americanos economizariam um total de US$ 718</p><p>bilhões entre 1981 e 1986, de acordo com um prognóstico do Tesouro dos</p><p>Estados Unidos. No entanto, Reagan esperava que de fato o ajudassem a</p><p>cumprir sua promessa eleitoral de aumentar a receita tributária ao estimular</p><p>o crescimento. Em uma entrevista coletiva em outubro de 1981, ele citou o</p><p>prenúncio da teoria da Curva de Laffer pelo filósofo muçulmano do século</p><p>14, Ibn Khaldūn, como esse efeito é chamado no jargão econômico: “No</p><p>início da dinastia, grandes receitas fiscais eram obtidas com pequenas</p><p>avaliações. No final da dinastia, pequenas receitas fiscais foram obtidas</p><p>com grandes avaliações.” Reagan acrescentou: “E estamos tentando chegar</p><p>às pequenas avaliações e às grandes receitas”. E foi exatamente isso que ele</p><p>fez.366</p><p>Os economistas William A. Niskanen e Stephen Moore analisaram dez</p><p>indicadores de oferta chaves para comparar o registro econômico dos anos</p><p>de Reagan com os períodos anteriores (1974 a 1981) e posteriores (1989 a</p><p>1995) aos seus dois mandatos na Casa Branca.367 A seguir estão suas</p><p>conclusões.</p><p>O crescimento econômico durante os anos Reagan foi de 3,2% ao ano,</p><p>em comparação com 2,8% durante os anos de Carter-Ford e 2,1% durante</p><p>os anos de Bush-Clinton. Niskanen e Moore enfatizam que a taxa de</p><p>crescimento para os anos do mandato de Reagan inclui a recessão do início</p><p>dos anos 1980, um efeito colateral da reversão das políticas de alta inflação</p><p>de Carter. De 1983 a 1989, o PIB cresceu</p><p>3,8% ao ano e, no final do</p><p>segundo mandato de Reagan, a economia dos EUA era quase um terço</p><p>maior do que quando ele assumiu o cargo.368</p><p>Esse crescimento foi uma consequência direta da desregulamentação de</p><p>Reagan e das políticas de reforma tributária em conjunto com a queda dos</p><p>preços do petróleo. A taxa de crescimento na década de 1980 foi maior do</p><p>que nas décadas de 1950 e 1970, embora substancialmente abaixo da taxa</p><p>de crescimento de 5% após os cortes de taxas de impostos de John F.</p><p>Kennedy em 1964, de 30%.</p><p>A renda familiar média cresceu US$ 4.000, de US$ 37.868 em 1981</p><p>para US$ 42.049 em 1989, após ter estagnado durante os oito anos</p><p>anteriores. Sob o sucessor de Reagan, George W. Bush Sênior, ela caiu US$</p><p>1.438.</p><p>O desemprego estava em 7,6% quando Reagan assumiu o cargo,</p><p>aumentando para quase 10% durante a recessão de 1981-1982. Em seguida,</p><p>continuou a cair para 5,5% no final do seu segundo mandato. Entre 1981 e</p><p>1989, foram criados 17 milhões de novos empregos cerca de 2 milhões por</p><p>ano.</p><p>A inflação estava em dois dígitos quando Reagan chegou à Casa Branca.</p><p>Em seu segundo ano de mandato, havia caído em mais da metade, para</p><p>6,2%. Ao final de seu segundo mandato, era de apenas 4,1%, em grande</p><p>parte devido à política monetária prudente de Paul Volcker, que foi</p><p>presidente do Federal Reserve de 1979 e 1987. Embora bem ciente de que</p><p>isso causaria uma recessão temporária, Reagan apoiou explicitamente a</p><p>estratégia de Volcker. Ao contrário das terríveis previsões de muitos de seus</p><p>críticos, seus drásticos cortes de impostos não levaram a novos aumentos na</p><p>inflação.</p><p>Como explicou um artigo de novembro de 1981 no Wall Street Journal,</p><p>essa combinação de restrição fiscal e cortes drásticos de impostos foi</p><p>precisamente o segredo dos sucessos posteriores de Reagan: “Você luta</p><p>contra a inflação com uma política monetária restritiva. E você compensa o</p><p>possível impacto recessivo de uma política monetária restritiva com os</p><p>efeitos de incentivo das reduções nas taxas marginais de imposto. Já que</p><p>estamos passando por uma recessão, você pode alegar que a fórmula falhou,</p><p>exceto por um detalhe: o dinheiro estava apertado, é verdade, mas, queridos</p><p>amigos, não tivemos nenhum corte de impostos.”369 Os cortes de impostos</p><p>entraram em vigor em 1 de janeiro de 1983, marcando o início de uma era</p><p>agora lembrada como os ‘Seven Fat Years (Sete Anos Abundantes)’.</p><p>As taxas de juros caíram drasticamente durante os anos de Reagan. As</p><p>taxas de juros em uma hipoteca de 30 anos caíram de 18,9% em 1981 para</p><p>8,2% em 1987, enquanto a taxa dos títulos do Tesouro caiu de 14% em</p><p>1981 para 7% em 1988.</p><p>Essas conquistas são apenas ligeiramente ofuscadas por números menos</p><p>positivos em três áreas de análise. A produtividade cresceu apenas 1,5% ao</p><p>ano, o que foi menor do que nas três décadas anteriores à presidência de</p><p>Reagan, embora significativamente maior do que o crescimento anual de</p><p>0,3% alcançado sob Bill Clinton. A taxa de poupança pessoal caiu de 8%</p><p>para 6,5% durante a década de 1980.</p><p>Os críticos de Reagan gostam de apontar uma estatística em particular</p><p>para mostrar o que havia de errado com sua política econômica: o déficit</p><p>orçamental, que em 1981 era de US$ 101 bilhões370 e 2,7% do PIB, subiu</p><p>para US$ 236 bilhões e 6,3% do PIB em 1983. Quando Reagan deixou a</p><p>Casa Branca, ele deixou um déficit de US$ 141 bilhões (2,9% do PIB). A</p><p>dívida nacional dobrou de US$ 1.004 para US$ 2.026 bilhões durante sua</p><p>presidência — uma taxa de crescimento dramática em comparação com os</p><p>anos anteriores, embora relativamente modesta em comparação com as</p><p>taxas de crescimento de Bush pai e Barack Obama.</p><p>Reagan fez campanha com uma plataforma que incluía a promessa de</p><p>criar novos empregos, combater a inflação, reduzir impostos e promover o</p><p>crescimento econômico, ao mesmo tempo em que aumentava os gastos</p><p>militares e reduzia o déficit orçamental. Conseguir tudo isso ao mesmo</p><p>tempo provou ser impossível até mesmo para ele — até porque sua</p><p>administração havia prometido proteger “programas básicos de rede de</p><p>segurança”, incluindo previdência social, benefícios de desemprego,</p><p>benefícios em dinheiro para idosos pobres e o programa de veteranos,</p><p>responsável por dois terços dos pagamentos de transferências federais.371</p><p>Junto com o custo de seus ambiciosos planos para acelerar os gastos com</p><p>defesa, essas despesas somaram 70% do orçamento total para 1981, o que</p><p>lhe deixou muito pouco espaço de manobra para reduzir o nível de</p><p>gastos.372</p><p>A tentativa de estabelecer uma ligação direta entre a dívida crescente e</p><p>os cortes de impostos de Reagan vai contra os fatos. Apesar — ou melhor,</p><p>por causa — das taxas de impostos mais baixas, a receita tributária cresceu</p><p>58% de US$ 347 bilhões em 1981 para US$ 549 bilhões em 1989. O</p><p>crescimento da receita tributária durante seu mandato foi apenas um pouco</p><p>inferior ao alcançado por seus sucessores Bush pai e Clinton, que</p><p>aumentaram os impostos, enquanto Reagan os cortou.</p><p>O crescente acúmulo de dívidas foi causado pelos grandes gastos</p><p>militares de Reagan, que viram o orçamento de defesa quase dobrar de US$</p><p>158 bilhões em 1981 para US$ 304 bilhões em 1989. Niskanen e Moore</p><p>mostram que o aumento cumulativo nos gastos com defesa ultrapassou o</p><p>aumento cumulativo no déficit orçamentário. Se não fosse por esse grande</p><p>aumento nos gastos militares, Reagan teria conseguido cortar impostos e</p><p>dívidas, criando assim empregos e mantendo a inflação sob controle.373</p><p>No entanto, a segunda questão-chave enfrentada pelo governo de</p><p>Reagan — a Guerra Fria, com que o presidente propôs acabar através de um</p><p>grande crescimento da corrida armamentista — tornou isso impossível de</p><p>alcançar. A Decisão Dual-Track da OTAN em dezembro de 1979 (vias</p><p>paralelas de modernização das forças nucleares e controle de armas)</p><p>precedeu imediatamente a invasão soviética do Afeganistão. Com a União</p><p>Soviética já passando por sérios problemas econômicos durante os anos</p><p>1980, Reagan estava determinado em causar o colapso da superpotência</p><p>comunista que ele gostava de chamar de “Império do Mal”. Como Niskanen</p><p>e Moore apontam, isso levanta uma questão política fundamental: “Se todo</p><p>o acúmulo de dívidas na década de 1980 fosse para financiar o aumento da</p><p>defesa de Reagan, a principal questão política mudaria para ‘se era</p><p>apropriado emprestar para aquelas grandes despesas militares’. O governo</p><p>Reagan tinha justificativa para pagar por esse aumento único nos gastos de</p><p>‘investimento público’ por meio de dívidas ao invés de impostos? Ou, em</p><p>outras palavras, foi apropriado ter pedido aos nossos filhos e netos para</p><p>ajudar a custear o preço de derrotar a ameaça soviética? ”374</p><p>Igualmente sem provas é a suposição de que a recuperação econômica</p><p>durante os anos de Reagan foi alcançada por meio de cortes brutais de bem-</p><p>estar social. Na verdade, o gasto federal total com programas de bem-estar</p><p>social aumentou de US$ 339 bilhões em 1981 para US$ 539 bilhões em</p><p>1989.375 Ajustado pelo crescimento populacional e pela inflação, isso</p><p>representa uma taxa de crescimento anual de 0,9% — menor do que em</p><p>qualquer outro período do pós-guerra da história americana.376 A renda</p><p>aumentou para cada quartil de renda, do mais rico ao mais pobre, durante o</p><p>mandato de Reagan.377</p><p>O sonho americano de mobilidade de renda, que para muitos hoje se</p><p>transformou em um pesadelo devido às suas insatisfações, estava vivo e</p><p>bem na década de 1980: 86% das famílias que estavam no quintil de renda</p><p>mais pobre em 1981 conseguiram subir na “escada econômica” para um</p><p>quintil mais alto em 1990. A porcentagem de famílias pobres que subiram</p><p>até o quintil de renda mais rico entre 1981 e 1990 era até ligeiramente mais</p><p>alta do que a porcentagem daqueles que permaneceram no quintil mais</p><p>pobre. O número de americanos que ganhavam menos de US$ 10.000 por</p><p>ano caiu 5% durante a década de 1980, enquanto o número daqueles que</p><p>ganhavam mais de US$ 50.000 aumentou 60% e o número daqueles cuja</p><p>renda anual ultrapassou US$ 75.000 aumentou 83%. Entre as fábulas que</p><p>Niskanen e Moore desmascaram, a alegação de que os brancos ricos foram</p><p>os únicos beneficiários das políticas de Reagan às custas dos afro-</p><p>americanos mais pobres é uma das mais persistentes e perniciosas. Na</p><p>realidade, as famílias afro-americanas viram um crescimento ainda mais</p><p>forte no salário líquido real entre 1981 e 1988 do que os brancos.378</p><p>Entre as conquistas mais marcantes do governo Reagan está o fato de</p><p>que ele implementou com sucesso essas reformas pró-mercado abrangentes</p><p>em face da maioria democrata que dominou o Congresso na maior parte de</p><p>seus dois mandatos. Ele foi capaz de fazer isso em grande parte devido a</p><p>dois fatores-chave: em primeiro lugar — como costuma ser o caso —, as</p><p>mudanças políticas foram precedidas por mudanças no clima cultural e</p><p>intelectual que se refletiram no discurso público com relação à economia.</p><p>Os defensores dos pontos de vista keynesianos outrora dominantes (até</p><p>mesmo Nixon era um keynesiano assumido) não conseguiram explicar o</p><p>aumento simultâneo da inflação e do desemprego. Em janeiro de 1977, o</p><p>Wall Street Journal publicou um editorial intitulado Keynes está Morto</p><p>(Keynes is Dead).379 Em contraste, o pensamento pró-mercado</p><p>intransigente — como defendido pela Escola de Chicago de Milton</p><p>Friedman em particular — estava em ascensão.380</p><p>A vontade pública mudou, e até mesmo os democratas agora eram a</p><p>favor de cortes de impostos. Como mencionado acima, sua principal</p><p>iniciativa em 1981 foi um projeto de lei para reduzir as taxas marginais de</p><p>imposto para aqueles nas faixas de tributação mais altas em 25% ao longo</p><p>de quatro anos.381 Esta foi a segunda razão para o sucesso de Reagan: ele</p><p>conseguiu obter apoio bipartidário para muitas de suas propostas de</p><p>reforma.</p><p>Após uma década de controle de preços e intervenção governamental na</p><p>década de 1970, os americanos então começaram a acreditar no mercado</p><p>novamente. O clima otimista ajudou a impulsionar a economia, e a</p><p>recuperação econômica ajudou a impulsionar o otimismo. A década de 1980</p><p>testemunhou uma revolução na tecnologia das comunicações. A proporção</p><p>de casas americanas que possuíam um videocassete disparou de apenas 1%</p><p>em 1980 para 58% no final da década.382 A década de 1980 também viu o</p><p>número de computadores pessoais aumentar imensamente de pouco mais de</p><p>2 milhões em 1981 para 45 milhões em 1988, sendo cerca de metade delas</p><p>em residências particulares. As histórias de maior sucesso econômico da</p><p>década de 1980 incluíram a Microsoft (que lançou suas primeiras ações</p><p>públicas em 1986), Apple e Sun Microsystems. Empresas jovens e</p><p>inovadoras obtiveram o capital de investidores ou IPOs. Ao mesmo tempo,</p><p>uma revolução fitness varreu o país, com academias de ginástica surgindo</p><p>em todos os lugares e Arnold Schwarzenegger — que inclusive era um</p><p>grande admirador de Friedman e Reagan — dando início a uma paixão por</p><p>exercícios físicos.</p><p>Os dados da pesquisa de 1977 mostram que 53% dos entrevistados</p><p>classificaram a inflação como o problema mais importante enfrentado pelos</p><p>EUA, seguida pela recessão ou desemprego com 39%. Em 1981,</p><p>impressionantes 70% dos americanos estavam mais preocupados com a</p><p>inflação. Em 1987, esse número havia caído para 13%, com 11% citando o</p><p>déficit como sua maior preocupação.383</p><p>Friedman foi um dos conselheiros econômicos de Reagan durante seus</p><p>dois mandatos na Casa Branca. Ele dá uma avaliação geral muito positiva</p><p>do legado político de Reagan em seus relatos, elogiando-o por sua “adesão</p><p>a princípios claramente especificados dedicados à promoção e preservação</p><p>de uma sociedade livre”.384 No entanto, Friedman critica o governo Reagan</p><p>por se desviar dos princípios pró-mercado ao negociar um acordo</p><p>protecionista com o Japão para impor uma cota “voluntária” na exportação</p><p>de carros para os EUA.385 Além disso, Friedman afirma que o segundo</p><p>mandato de Reagan foi “muito menos produtivo do que o primeiro” porque</p><p>sua segunda campanha presidencial em 1984 carecia de quaisquer</p><p>“compromissos específicos de ação”.386</p><p>Apesar dessas pequenas ressalvas, as reformas de Reagan provaram</p><p>convincentemente que um retorno aos seus valores de livre mercado</p><p>capitalistas tradicionais era o caminho para tornar os Estados Unidos fortes</p><p>novamente. Infelizmente, seus sucessores falharam em seguir essa lição e</p><p>continuar com suas reformas. Em vez disso, as reformas foram pouco mais</p><p>do que um curto hiato no caminho para aumentar a intervenção do governo</p><p>e um crescente estado de bem-estar social. Becoming Europe, de Samuel</p><p>Gregg, descreve os prováveis resultados da progressiva “Europeização” da</p><p>economia dos Estados Unidos em termos drásticos,387 enquanto Never</p><p>Enough, de William Voegeli, adverte que, por tudo o que ele realizou, nem</p><p>mesmo Reagan foi capaz de reverter a desastrosa queda em direção a um</p><p>sistema de bem-estar social — embora tenha conseguido manter o</p><p>crescimento dos gastos sociais federais, ajustados pela inflação, abaixo de</p><p>1%.</p><p>Reagan, Thatcher e Erhard foram os defensores mais significativos e</p><p>inflexíveis do capitalismo de livre mercado entre os líderes políticos</p><p>ocidentais do século XX. Todos os três rejeitaram o estado de bem-estar</p><p>social-democrata junto com o socialismo em sua forma marxista pura. E</p><p>todos os três fizeram contribuições significativas para o crescimento da</p><p>prosperidade das nações que eles governavam.</p><p>-</p><p>331 Margaret Thatcher, The Downing Street Years (London: Harper Collins, 1993), 6.</p><p>332 Essa e as seguintes passagens são citadas de Der Spiegel, 14 January 1974.</p><p>333 Horst Poller, Mehr Freiheit statt mehr Sozialismus: Wie konservative Politik die Krisen</p><p>bewältigt, die sozialistisches Wunschdenken schafft (Munich: Olzog, 2010), 46.</p><p>334 Thatcher, The Downing Street Years, 33.</p><p>335 Ibid., 33.</p><p>336 Ibid., 33.</p><p>337 Holger Schmieding, “Vor Thatcher war Großbritannien ein Trümmerhaufen”, Die Welt (9 de</p><p>Abril de 2013), acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>https://www.welt.de/wirtschaft/article115147486/Vor-Thatcher-war-Grossbritannienein-</p><p>Truemmerhaufen.html.</p><p>338 Detlev Mares, Margaret Thatcher: Die Dramatisierung des Politischen (Gleichen: Hans</p><p>Hansen-Schmidt, 2014), 34.</p><p>339Ibid., 26.</p><p>340 Thatcher, The Downing Street Years, 104.</p><p>341Ibid., 39–40.</p><p>342 Ibid., 93.</p><p>343 Ibid., 33-34.</p><p>344Ibid., 40.</p><p>345 Ibid., 339.</p><p>346 Ibid., 343.</p><p>347 Ibid., 676.</p><p>348 Chris Edwards, “Margaret Thatcher’s Privatization”, Cato Journal 37, no. 1 (2017), 95.</p><p>349 Poller, Mehr Freiheit statt mehr Sozialismus, 52.</p><p>350 Edwards, “Margaret Thatcher’s Privatization”, 95.</p><p>351Ibid., 89.</p><p>352 Thatcher, The Downing Street Years, 687.</p><p>353Ibid., 668.</p><p>354 Poller, Mehr Freiheit statt mehr Sozialismus, 45.</p><p>355 Ibid., 50.</p><p>356 Walter Eltis, “The Key to Higher Living Standards”, em CPS Policy Study no. 148 (London:</p><p>Centre for Policy Studies, 1996), 26.</p><p>357 Ibid., 18. Remuneração líquida; data em OECD.</p><p>358 Dados (em constante, dólares do ano fiscal de 2000) são citados do William Voegeli, Never</p><p>Enough: America’s Limitless Welfare State (New York: Encounter Books, 2010), 23–25.</p><p>359Ibid., 39.</p><p>360 Todos os seguintes dados são citados do William A. Niskanen and Stephen Moore, “Supply-</p><p>Side Tax Cuts and the Truth about the Reagan Economic Record”, Cato Policy Analysis no. 261 (22</p><p>October 1996).</p><p>361 Taxa de juros de uma hipoteca de 30 anos.</p><p>362 Michael Schaller, Ronald Reagan (Oxford: Oxford University Press, 2011), 30.</p><p>363Ibid., 34.</p><p>364 Citado em Mark D. Brewer and Jeffrey M. Stonecash, Dynamics of American Political</p><p>Parties (Cambridge: Cambridge University Press, 2009), 125; ver também Ronald Reagan, “The</p><p>President’s News Conference”, The American Presidency Project (12 de Agosto de 1986), acessado</p><p>em 20 de Junho de 2018, www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=37733. Dois anos depois, Reagan</p><p>ofereceu uma versão ligeiramente diferente dessa citação em um discurso aos representantes dos</p><p>Future Farmers of America, quando ele disse: “As nove palavras mais perigosas na língua inglesa</p><p>são: Eu sou do governo e eu estou aqui para ajudar”</p><p>(https://www.reaganlibrary.gov/sites/default/files/archives/speeches/1988/072888c.htm).</p><p>365 Robert L. Bartley, The Seven Fat Years: And How to Do It Again (New York: Free Press,</p><p>1992), 100–101.</p><p>366 Ibid., 89–90.</p><p>367 As seguintes estatísticas são citados do Niskanen and Moore, “Supply-Side Tax Cuts”, e com</p><p>base nos oito anos em que as políticas de Reagan estavam em vigor após sua primeira proposta de</p><p>orçamento para o ano fiscal de 1982. Seus cortes de impostos de 1981 entraram em vigor em 1 de</p><p>janeiro de 1983.</p><p>368 Bartley, The Seven Fat Years, 4.</p><p>369 Ibid., 167.</p><p>370 Em dólares do ano fiscal de 1987.</p><p>371 William A. Niskanen, Reaganomics: An Insider’s Account of the Policies and the People</p><p>(New York: Oxford University Press, 1988), 35.</p><p>372 Ibid., 25.</p><p>373 Niskanen and Moore, “Supply-Side Tax Cuts”, np.</p><p>374 Ibid.</p><p>375 Voegeli, Never Enough, 23.</p><p>376 Ibid., 39.</p><p>377 Niskanen and Moore, “Supply-Side Tax Cuts”, np.</p><p>378 Ibid.</p><p>379 Bartley, The Seven Fat Years, 45.</p><p>380 Ibid., 49.</p><p>381 Ibid., 99–100.</p><p>382 Os dados e os parágrafos seguintes são citados do ibid., 135 et seq.</p><p>383Ibid., 146–147.</p><p>384 Milton Friedman and Rose D. Friedman, Two Lucky People: Memoirs (Chicago: University</p><p>of Chicago Press, 1998), 396.</p><p>385 Ibid., 394.</p><p>386 Ibid., 395–396.</p><p>387 See Gregg, Becoming Europe.</p><p>O</p><p>CAPÍTULO 6</p><p>AMÉRICA DO SUL:</p><p>POR QUE OS CHILENOS ESTÃO</p><p>EM MELHOR SITUAÇÃO DO QUE</p><p>OS VENEZUELANOS?</p><p>contraste entre esses dois países latino-americanos dificilmente</p><p>poderia ser maior: o Chile ocupa o 20º lugar entre 180 países no</p><p>Índice de Liberdade Econômica de 2018, enquanto a Venezuela está</p><p>entre os últimos lugares, atrás até de Cuba, e em uma melhor posição</p><p>apenas se comparado à Coreia do Norte.388 Enquanto os chilenos estão</p><p>melhor hoje do que nunca, os venezuelanos estão sofrendo com a inflação,</p><p>declínio econômico e crescente opressão política. No decorrer do século</p><p>XX, a Venezuela deixou de ser um dos países mais pobres da América</p><p>Latina para se tornar o mais rico. Em 1970, estava entre os 20 países mais</p><p>ricos do mundo, com PIB per capita mais alto do que o da Espanha, Grécia</p><p>e Israel, e apenas 13% mais baixo que o do Reino Unido.389</p><p>Venezuela: ‘socialismo do século XXI’</p><p>A reversão da fortuna econômica da Venezuela começou na década de</p><p>1970. As razões pelas quais isso aconteceu estão sujeitas a um intenso e</p><p>contínuo debate entre especialistas acadêmicos.390 A forte dependência da</p><p>Venezuela em relação ao petróleo é a principal suspeita, junto com uma</p><p>série de outras razões, em primeiro lugar, o grau excepcionalmente alto de</p><p>regulamentação governamental do mercado de trabalho. De 1974 em diante,</p><p>as regras aplicáveis foram reforçadas ainda mais a um nível sem</p><p>precedentes em quase qualquer outro lugar do mundo — quanto mais na</p><p>América Latina. De adicionar o equivalente a 5,35 meses de salários ao</p><p>custo de empregar alguém em 1972, os custos trabalhistas não salariais</p><p>dispararam para adicionar o equivalente a 8,98 meses de salários em</p><p>1992.391</p><p>Esses fatores exacerbaram os problemas que os países cujas economias</p><p>são amplamente dependentes das exportações de recursos naturais</p><p>frequentemente enfrentam (ver a discussão sobre as economias africanas no</p><p>Capítulo 2). Muitos venezuelanos colocaram sua fé no carismático líder</p><p>socialista Hugo Chávez como o salvador que libertaria seu país da</p><p>corrupção, pobreza e declínio econômico. Após uma tentativa fracassada de</p><p>tomar o poder em 1992,392 Chávez foi eleito presidente em 1998. Um ano</p><p>depois, a República da Venezuela foi renomeada de República Bolivariana</p><p>da Venezuela a seu pedido. Como um raio de esperança para muitos dos</p><p>pobres da Venezuela, a conversa de Chávez sobre um novo tipo de</p><p>“socialismo do século 21” também despertou sonhos de um paraíso utópico</p><p>entre os membros da esquerda europeia e norte-americana.</p><p>Após o colapso das economias socialistas na União Soviética e no Bloco</p><p>Oriental no final dos anos 1980 e a transição da China para o capitalismo,</p><p>os esquerdistas no Ocidente precisavam de um novo exemplo do mundo</p><p>real para alimentar seus anseios utópicos. Coreia do Norte e Cuba, os</p><p>únicos dois estados comunistas restantes, não preencheram totalmente essa</p><p>lacuna. Então veio Chávez, que foi saudado por muitos como um novo</p><p>messias. Membros proeminentes do Partido de Esquerda na Alemanha o</p><p>viam como um modelo cuja “luta por justiça e dignidade” — evidência de</p><p>que “um modelo econômico alternativo é possível” — estava mostrando a</p><p>eles “o caminho para resolver os problemas econômicos da Alemanha”.393</p><p>Chávez também tinha muitos admiradores entre os intelectuais de</p><p>esquerda nos Estados Unidos, como Tom Hayden: “Com o passar do tempo,</p><p>eu prevejo, o nome de Hugo Chávez será reverenciado por milhões.”394</p><p>Cornel West também disse ser um fã: “Adoro que Hugo Chávez tenha feito</p><p>da pobreza uma grande prioridade. Eu gostaria que a América fizesse da</p><p>pobreza uma prioridade.”395 A influente jornalista e apresentadora de talk-</p><p>show Barbara Walters concordou: “Ele se preocupa muito com a pobreza,</p><p>ele é um socialista. O que ele está tentando fazer por toda a América Latina,</p><p>eles vêm tentando fazer há anos, eliminar a pobreza. Mas ele não é o louco</p><p>que ouvimos [...] É um homem muito inteligente.”396</p><p>Graças aos depósitos de petróleo venezuelanos — os maiores do mundo</p><p>— e à explosão do preço do petróleo que coincidiu com a presidência de</p><p>Chávez, enchendo os cofres de seu governo até a borda, sua experiência em</p><p>grande escala no socialismo do século XXI teve um início promissor,</p><p>embora eventualmente se transformaria em um desastre econômico,</p><p>hiperinflação, fome e ditadura.</p><p>Nos primeiros dias, Chávez empregou uma retórica surpreendentemente</p><p>conciliatória, apresentando-se como um grande admirador dos valores</p><p>ocidentais que recebia investidores estrangeiros, um “Tony Blair do</p><p>Caribe”.397 Assim como o Partido Comunista da Alemanha Oriental havia</p><p>prometido em 1945 defender direitos de propriedade e iniciativa</p><p>empresarial e abster-se de impor um sistema ao estilo soviético (ver</p><p>discussão no Capítulo 3), Chávez inicialmente prometeu que nunca</p><p>“desapropriaria nada de ninguém”. Isso não o impediu de denunciar o</p><p>“capitalismo neoliberal cruel” e de celebrar o socialismo cubano como um</p><p>“mar de felicidade”.398</p><p>A indústria do petróleo, de longe a fonte de receita mais importante da</p><p>Venezuela, já havia sido nacionalizada em 1976 com a criação da empresa</p><p>de petróleo e gás natural Petróleos de Venezuela, SA (PDVSA), que</p><p>empregava uma força de trabalho de 140.000 em 2014. Embora estatal, a</p><p>PDVSA era administrada como uma empresa com fins lucrativos e</p><p>“reconhecida como uma das gigantes do petróleo mais bem administradas</p><p>do mundo”. Graças aos fortes vínculos da empresa com empresas privadas</p><p>no exterior, a Venezuela foi capaz de aumentar sua produção de petróleo</p><p>para 3 milhões de barris por dia durante a década de 1990.399</p><p>A PDVSA era independente demais para o gosto de Chávez. Em 2002,</p><p>ele preencheu os cargos do conselho com aliados políticos e generais sem</p><p>qualquer experiência em negócios. Em protesto contra a intromissão de</p><p>Chávez, milhares de funcionários da PDVSA declararam uma greve de dois</p><p>meses que paralisou a indústria petrolífera da Venezuela. Chávez respondeu</p><p>fazendo com que 19.000 trabalhadores em greve fossem demitidos e</p><p>denunciados como “inimigos do povo”.</p><p>No entanto, o conflito entre os trabalhadores e o governo socialista não</p><p>parou por aí. Em 2006, o ministro da Energia Rafael Ramírez, que por</p><p>acaso também era o chefe da PDVSA, ameaçou os trabalhadores dizendo</p><p>que eles perderiam seus empregos se não apoiassem Chávez nas próximas</p><p>eleições: “A PDVSA é vermelha, vermelha de cima a baixo”. O próprio</p><p>Chávez afirmou: “Os trabalhadores da PDVSA estão com essa revolução, e</p><p>os que não estão devem ir para outro lugar. Vá para Miami.”400 Os lucros</p><p>da empresa foram usados para financiar programas de bem-estar social,</p><p>manter empresas falidas à tona e construir casas para os pobres a um custo</p><p>de bilhões de dólares por ano.401</p><p>A PDVSA foi até alistada para pagar programas de bem-estar social nos</p><p>Estados Unidos. Em novembro de 2005, Chávez ordenou que a empresa</p><p>fornecesse óleo para aquecimento a famílias de baixa renda em Boston a</p><p>40% abaixo do preço de mercado por meio</p><p>diploma é em história e ciências</p><p>políticas e obtive dois doutorados, respectivamente em história e sociologia.</p><p>Consequentemente, minha abordagem neste livro é a de um historiador.</p><p>A principal reclamação de Piketty é que a economia e as ciências sociais</p><p>não se concentram mais na “questão distributiva”: “Já passou da hora em</p><p>que deveríamos ter colocado a questão da desigualdade de volta no centro</p><p>da análise econômica.”16 Outros autores publicaram críticas abrangentes ao</p><p>conjunto de dados e erros metodológicos de Piketty,17 forçando-o a retrair</p><p>alguns princípios fundamentais de seu livro.18 Meu objetivo aqui é</p><p>meramente apontar que estou fazendo uma pergunta completamente</p><p>diferente — uma que, em minha opinião, tem um significado muito maior</p><p>para a maioria das pessoas do que a preocupação de Piketty com</p><p>“desigualdades de riqueza”. Se o capitalismo tende a aumentar ou diminuir</p><p>o padrão geral de vida, parece-me muito mais importante do que qualquer</p><p>aumento putativo na desigualdade de riqueza.</p><p>Piketty lamenta o aumento da distância entre pobres e ricos em termos</p><p>de renda e riqueza no período de 1990 a 2010. No entanto, o fato é que,</p><p>durante o mesmo período, centenas de milhões de pessoas —</p><p>predominantemente na China, assim como na Índia e em outras partes do</p><p>mundo — escaparam da pobreza extrema como resultado direto da</p><p>expansão do capitalismo.</p><p>O que é mais importante para essas centenas de milhões de pessoas: que</p><p>elas não estejam mais morrendo de fome ou que a riqueza dos</p><p>multimilionários e bilionários pode ter aumentado em um grau ainda maior</p><p>do que seu próprio padrão de vida? Como o primeiro capítulo deste livro irá</p><p>demonstrar, o aumento do número de milionários e bilionários na China nas</p><p>últimas décadas e as grandes melhorias no padrão de vida de centenas de</p><p>milhões de pessoas são duas faces da mesma moeda. Ambos podem ser</p><p>atribuídos diretamente ao mesmo processo, ou seja, à transição do</p><p>socialismo para o capitalismo, de uma economia planejada para uma</p><p>economia de mercado livre.</p><p>Sem dúvida, a globalização capitalista reduziu a pobreza em todo o</p><p>mundo. Se o aumento da prosperidade em países anteriormente</p><p>subdesenvolvidos levou a perdas de prosperidade entre os estratos de renda</p><p>mais baixa nas nações industrializadas do Ocidente, isto é, Europa e</p><p>Estados Unidos, é uma questão mais controversa. Deixe-me apontar duas</p><p>coisas como resposta. Em primeiro lugar: se este é o caso, por que os</p><p>trabalhadores de baixa renda estão agora competindo diretamente com os</p><p>trabalhadores em países emergentes, conclui-se que — ao contrário de seu</p><p>papel autointitulado de defensores dos direitos dos pobres em países da</p><p>África, Ásia e América Latina — o movimento anti-globalização e anti-</p><p>capitalista no Ocidente está primariamente defendendo o status quo</p><p>privilegiado dos europeus e americanos. Em segundo lugar, a hipótese de</p><p>que a globalização empobreceu parcelas da população na Europa e nos</p><p>Estados Unidos é controversa em si. Um estudo de 2011 da Organização</p><p>para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou uma</p><p>diminuição no rendimento real entre os 10% mais pobres da população</p><p>desde a década de 1980 em apenas dois estados membros: Japão e Israel.19</p><p>Em muitos casos, as reportagens da mídia sobre o aumento alarmante da</p><p>pobreza nas nações desenvolvidas ocidentais são baseadas em estudos que</p><p>definem e medem a pobreza em termos relativos. Os relatórios oficiais</p><p>sobre pobreza e prosperidade publicados pelo governo alemão, por</p><p>exemplo, aplicam uma definição de pobreza que inclui qualquer pessoa que</p><p>ganhe menos de 60% da renda média. Um experimento mental simples</p><p>mostra que esta definição é duvidosa, na melhor das hipóteses: vamos supor</p><p>um aumento linear de dez vezes na renda, enquanto o valor do dinheiro</p><p>permanece estável. Aqueles na classe de renda mais baixa, que antes</p><p>ganhavam 1.000 euros por mês, agora recebem 10.000 euros. Todas as suas</p><p>preocupações com dinheiro acabariam. A vida seria ótima para todos. No</p><p>entanto, a fórmula de 60% ainda se aplicaria, e o número de pessoas</p><p>vivendo abaixo da linha oficial de pobreza permaneceria o mesmo.</p><p>Para os críticos do capitalismo do tipo de Piketty, a economia é um jogo</p><p>de soma zero em que os ricos ganham o que a classe média e os pobres</p><p>perdem.20 Porém, não é assim que o mercado funciona. Os críticos do</p><p>capitalismo estão sempre observando como a torta é dividida; neste livro,</p><p>estou examinando as condições que fazem a torta crescer ou diminuir de</p><p>tamanho.</p><p>Aqui está mais um experimento mental — vou deixar que você decida</p><p>qual dos seguintes resultados você prefere. Vamos supor que você viva em</p><p>uma ilha onde três pessoas ricas têm uma fortuna de 5.000 dólares cada,</p><p>enquanto outras 1.000 têm apenas 100 dólares cada. A riqueza total dos</p><p>residentes da ilha é de 115.000 dólares. Agora você decide entre duas</p><p>alternativas: devido ao crescimento econômico, a riqueza total dos</p><p>residentes da ilha dobra para 230.000 dólares. A riqueza das três pessoas</p><p>ricas triplica para 15.000 dólares cada; eles agora possuem 45.000 dólares</p><p>entre eles. Enquanto isso, a riqueza dos 1.000 residentes restantes da ilha</p><p>cresce 85%, para 185 dólares per capita. A diferença de desigualdade entre</p><p>os residentes mais ricos e os mais pobres aumentou consideravelmente.</p><p>No cenário alternativo, vamos pegar a riqueza total de 115.000 dólares e</p><p>dividi-la igualmente entre todos os 1.003 residentes (114,66 dólares per</p><p>capita). Como um dos pobres com uma riqueza básica de 100 dólares, qual</p><p>das duas sociedades você preferiria: crescimento econômico ou distribuição</p><p>igual? E o que aconteceria se, como consequência das reformas econômicas</p><p>destinadas a criar maior igualdade, a riqueza total da ilha diminuísse para</p><p>insignificantes 80.000 dólares, ou menos de 79,80 dólares per capita?</p><p>É claro que você pode objetar que o melhor resultado seria o</p><p>crescimento econômico e um padrão geral de vida mais elevado em</p><p>conjunto com maior igualdade. E foi exatamente isso que o capitalismo</p><p>alcançou no século 20, como até mesmo Piketty admite. O experimento</p><p>mental acima ainda é útil como forma de demonstrar uma diferença</p><p>fundamental entre dois sistemas de valores concorrentes. Alguém que</p><p>prioriza o combate à desigualdade ao invés de elevar o padrão de vida da</p><p>maioria fará uma escolha diferente de alguém que acredita no contrário.</p><p>Se você está interessado principalmente em igualdade, este é o livro</p><p>errado para você. Se você se preocupa em identificar as condições nas quais</p><p>a maioria das pessoas está em melhor situação — se você acredita que</p><p>importa se uma sociedade como um todo é rica ou pobre —, junte-se a mim</p><p>em minha jornada através dos cinco continentes em busca de respostas.</p><p>Karl Marx estava certo em sua afirmação de que os meios de produção</p><p>(tecnologia, equipamento, organização do processo de produção, etc.) e as</p><p>condições de produção (o sistema econômico) não estão apenas</p><p>inextricavelmente ligados, mas mutuamente dependentes um do outro.21 No</p><p>entanto, ao contrário da alegação de Marx, o ponto crucial não é que o</p><p>desenvolvimento dos meios de produção preceda as mudanças nas</p><p>condições de produção. Mais importante: as mudanças nas condições de</p><p>produção às vezes podem fazer com que os meios de produção se</p><p>desenvolvam.</p><p>O capitalismo é a causa raiz de um aumento global dos padrões de vida,</p><p>em uma escala sem precedentes na história da humanidade antes do</p><p>surgimento da economia de mercado. Foram necessários 99,4% de 2,5</p><p>milhões de anos da história da humanidade para atingir um PIB per capita</p><p>de 90 dólares internacionais há cerca de 15.000 anos (o dólar internacional</p><p>é uma unidade de cálculo baseada nos níveis de poder de compra em 1990).</p><p>Foi necessário outro 0,59% da história humana para dobrar o PIB global</p><p>para 180 dólares internacionais em 1750. Entre 1750 e 2000 em um período</p><p>que representa menos de 0,01% do período total da história humana, o PIB</p><p>global per capita cresceu 37 vezes, aumentando para 6.600 dólares</p><p>internacionais. Em outras palavras, 97% da riqueza total criada ao longo da</p><p>história humana foi produzida nesses</p><p>de sua subsidiária Citgo.</p><p>Acordos semelhantes foram fechados com outras cidades e comunidades</p><p>em todo o nordeste dos Estados Unidos. De acordo com os próprios</p><p>números da Citgo, o programa forneceu um total de 235 milhões de galões</p><p>de óleo para aquecimento para 1,8 milhão de pessoas entre 2005 e 2014. A</p><p>Cuba socialista e os outros aliados também receberam doações de óleo para</p><p>aquecimento.402</p><p>Em 2007, em uma tentativa de garantir o controle de pelo menos 60%</p><p>dos empreendimentos petrolíferos venezuelanos para a PDVSA, o governo</p><p>Chávez forçou as empresas petrolíferas estrangeiras a aceitarem</p><p>participações minoritárias ou enfrentarem a nacionalização.403 A</p><p>ExxonMobil recusou e entrou com um pedido de arbitragem junto ao</p><p>tribunal de arbitragem do Banco Mundial, o Centro Internacional para a</p><p>Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (ICSID), ao mesmo tempo em</p><p>que instaura ações judiciais em tribunais nos Estados Unidos e no Reino</p><p>Unido. Depois que um tribunal britânico congelou ativos da PDVSA no</p><p>valor de US$ 12 bilhões, a empresa estatal parou de vender petróleo para a</p><p>ExxonMobil em 2008 e suspendeu as relações comerciais. Em 2014, o</p><p>ICSID ordenou que a Venezuela pagasse à ExxonMobil US$ 1,6 bilhão em</p><p>compensação.404 Quando Chávez chegou ao poder, mais de 50% dos lucros</p><p>da produção de petróleo foram para o governo. Na época de sua morte, em</p><p>2013, a participação do governo de mais de 90% era uma das mais altas do</p><p>mundo.405</p><p>Chávez se beneficiou enormemente com a explosão do preço do petróleo</p><p>durante seu mandato. Na época de sua morte em 2013, o preço do petróleo</p><p>havia disparado para US$ 111 por barril — mais de dez vezes mais do que o</p><p>mínimo histórico de US$ 10,53 em 1998, quando ele assumiu o cargo.</p><p>Conforme discutido no Capítulo 2, o aumento dos preços dos recursos</p><p>naturais tem a tendência de convencer os governos a distribuírem sua</p><p>fartura à direita, esquerda e centro, ao invés de criar reservas de caixa para</p><p>se proteger contra futuros colapsos nos mercados de recursos naturais.</p><p>Isso provou ser particularmente arriscado em um país amplamente</p><p>dependente das exportações de petróleo cujo presidente socialista estava</p><p>ocupado generosamente concedendo benefícios ao distribui-los à direita,</p><p>esquerda e centro e reestruturando a economia de acordo com os princípios</p><p>socialistas. Chávez quase não fez nenhum esforço para diversificar a</p><p>produção. Como relatou o especialista alemão em América Latina Hans-</p><p>Jürgen Burchardt em 2009, ao invés de Chávez reduzir a dependência de</p><p>seu país na exportação de petróleo e importação de bens essenciais, “o</p><p>oposto aconteceu”.</p><p>“[...] nos últimos dez anos: a produção agrária e industrial do país</p><p>diminuiu ainda mais, a última registrando o pior desempenho em quatro</p><p>décadas. Alguns comentaristas já estão levantando o espectro da</p><p>desindustrialização [...] Com a revolução bolivariana agora em seu</p><p>décimo ano, 85 por cento do volume de exportação e 60 por cento da</p><p>receita do governo são gerados no setor de petróleo bruto, que emprega</p><p>apenas um por cento da força de trabalho. A dependência do petróleo da</p><p>Venezuela não diminuiu, mas cresceu desde que Hugo Chávez assumiu</p><p>o cargo.”406</p><p>Após sua reeleição em 2006, Chávez nacionalizou um número crescente</p><p>de empresas industriais, começando com as indústrias de ferro e aço. Logo</p><p>depois vieram as aquisições governamentais dos setores de cimento e</p><p>alimentos, companhias elétricas e portos. Cerca de 350 empresas foram</p><p>transferidas do setor privado para o público apenas entre 2007 e 2010. Em</p><p>muitos casos, os cargos executivos nas empresas recém-nacionalizadas</p><p>foram atribuídos a membros leais do partido.407 Com um em cada três</p><p>trabalhadores empregados no setor público em 2008, a folha de pagamento</p><p>do governo explodiu.408</p><p>Quando seu governo ofereceu grandes incentivos fiscais e financeiros a</p><p>empresas administradas por cooperativas de trabalhadores, o número delas</p><p>aumentou de 820 em 1999 para 280.000 em 2009. A maioria delas eram</p><p>empresas de fachada improdutivas que só existiam para que seus</p><p>proprietários pudessem ter acesso a subsídios e empréstimos de dinheiro</p><p>baratos.409</p><p>A interferência de Chávez nos assuntos econômicos tornou-se cada vez</p><p>mais intensa. O “decreto de imunidade” na Lei Orgânica do Trabalho da</p><p>Venezuela, que proibia demissões em massa por motivos operacionais, se</p><p>mostrou desastroso para algumas empresas. O governo também estabeleceu</p><p>preços fixos muito baratos, em muitos casos abaixo do custo de produção,</p><p>para carne e outros alimentos básicos. As empresas que se recusaram a</p><p>vender a esses preços foram denunciadas como especuladoras e ameaçadas</p><p>com penas de prisão.410</p><p>Embora o preço do petróleo estivesse alto, parecia não haver limites para</p><p>a generosidade do socialismo venezuelano do século XXI. Críticos do</p><p>capitalismo em todo o mundo admiraram Chávez pelos programas de bem-</p><p>estar social que ele financiou com a receita de petróleo ilimitada:</p><p>transferências de dinheiro para os pobres e subsídios do governo para</p><p>alimentação, moradia, água, energia e serviços telefônicos. Abastecer com</p><p>gasolina custava quase nada — dar gorjeta ao atendente costumava custar</p><p>mais do que o combustível em si. Dólares americanos, abundantes graças às</p><p>receitas do petróleo, eram trocados a taxas de câmbio preferenciais.</p><p>Empresas públicas mal administradas receberam subsídios generosos, o</p><p>que lhes permitiu manter mais funcionários do que o necessário. O</p><p>pagamento das receitas do petróleo para um fundo para emergências já</p><p>havia sido interrompido em 2001, e o investimento na indústria do petróleo</p><p>— a própria base de sustento do país — também foi sacrificado em favor de</p><p>planos de gastos sociais cada vez mais ambiciosos.411</p><p>Os admiradores de Chávez pensaram estar testemunhando um milagre</p><p>socialista — afinal, suas políticas sociais conseguiram reduzir a pobreza</p><p>extrema em 50%, segundo dados oficiais. Se esses números são confiáveis,</p><p>é outra questão. Por exemplo, a alegação de Chávez de ter melhorado a taxa</p><p>de alfabetização em 1,5 milhão é um “enorme exagero”, já que o número</p><p>real está perto de 140.000 de acordo com cálculos do especialista</p><p>venezuelano AC Clark.412 Da mesma forma, as estatísticas de homicídios</p><p>publicadas pelo regime de Chávez excluem vítimas de violência relacionada</p><p>a gangues, bem como aqueles mortos “resistindo à autoridade”. De acordo</p><p>com dados compilados pela organização venezuelana de direitos humanos</p><p>PROVEA, o número total de mortes relacionadas ao crime foi em média</p><p>15.000 por ano entre 2000 e 2005.413</p><p>Até mesmo alguns acadêmicos de esquerda começaram a criticar os</p><p>programas de bem-estar social de Chávez por “atenderem a interesses</p><p>especiais”, ao mesmo tempo em que faziam pouco para garantir resultados</p><p>robustos e duradouros na luta contra a pobreza:</p><p>“Em tempos de crescimento, um estilo de vida voltado para o</p><p>consumo altera a forma da polarização social, usando políticas sociais e</p><p>econômicas de redistribuição para aliviar os piores excessos sociais de</p><p>uma economia dependente [...] sem, no entanto, efetuar quaisquer</p><p>mudanças estruturais importantes nas condições em que os pobres</p><p>vivem.”414</p><p>Consequentemente, ao invés de eliminar a pobreza, as reformas de</p><p>Chávez criaram uma casta “quase ‘socialista estatal’ de burocratas [...] cujo</p><p>rápido avanço na hierarquia social é possibilitado por altos salários e</p><p>práticas corruptas”.415</p><p>Após a morte de Chávez em 2013, seu sucessor e ex-segundo em</p><p>comando Nicolás Maduro acelerou a nacionalização de laticínios,</p><p>produtores de café, supermercados, fabricantes de fertilizantes e fábricas de</p><p>calçados. A produção entrou em colapso ou parou totalmente.416 Então, os</p><p>preços do petróleo despencaram, perdendo quase 50% do seu valor em um</p><p>único ano, de US$ 111 por barril no final de 2013 para US$ 57,60, caindo</p><p>para US$ 37,60 um ano depois e oscilando entre US$ 27,10 e US$ 57,30</p><p>em 2016.</p><p>Embora isso pudesse ter causado uma situação difícil para qualquer</p><p>nação produtora de petróleo, esses problemas foram amplificados em um</p><p>país com uma economia socialista extremamente ineficiente e com</p><p>controles de</p><p>preços rigorosos. Agora, os efeitos fatais das políticas</p><p>socialistas de Chávez tornaram-se óbvios de uma vez por todas. Todo o</p><p>sistema desmoronou. Como em outros países, ficou claro que, longe de ser</p><p>um meio eficiente de combate à inflação, o controle de preços só piora a</p><p>situação. A inflação atingiu 225% em 2016, maior do que em qualquer outra</p><p>parte do mundo, exceto no Sudão do Sul. Foi provavelmente perto de</p><p>800%, acompanhada por uma queda de 19% na produção econômica em</p><p>2016, de acordo com um relatório interno do governador do Banco</p><p>Nacional.417 Em maio de 2018, a taxa de inflação disparou para quase</p><p>14.000%.</p><p>Embora a Venezuela possuísse máquinas de imprimir dinheiro de última</p><p>geração, incluindo uma Super Simultan IV de fabricação alemã, elas não</p><p>eram mais capazes de imprimir o grande número de notas necessárias. A</p><p>Venezuela foi forçada a terceirizar uma grande parte desse trabalho para</p><p>empresas sediadas no Reino Unido e Alemanha e bancos centrais de</p><p>algumas nações amigas. Aviões Boeing 747 transportando entre 150 e 200</p><p>toneladas de notas pousavam na Venezuela a cada duas semanas.418</p><p>Em janeiro de 2017, o custo da cesta básica havia aumentado 481% em</p><p>relação ao ano anterior, para o valor de 15,3 salários mínimos.419 Para</p><p>entender bem o que isso significa, é importante saber que os professores</p><p>estavam ganhando o dobro do salário mínimo, enquanto os taxistas logo</p><p>começaram a ganhar mais do que médicos ou arquitetos. De acordo com</p><p>estimativas, 1,2 milhão dos profissionais mais bem treinados do país</p><p>haviam partido para os EUA ou Europa em 2014.420</p><p>Como muitos bens estavam sujeitos a controles de preços, enquanto as</p><p>matérias-primas e os bens de produção tinham de ser pagos em dólares</p><p>americanos, o declínio da moeda levou a uma escassez cada vez mais</p><p>dramática no fornecimento. As pessoas começaram a acumular todos os</p><p>tipos de coisas que eram vendidas a preços muito baixos e frequentemente</p><p>ficavam na fila por horas para comprar algo que venderiam a um preço</p><p>muito mais alto no mercado negro.</p><p>Foi o que aconteceu com o papel higiênico, que quase não ficava</p><p>disponível nas lojas. As empresas que o fabricam foram forçadas a vendê-lo</p><p>a um preço fixo muito abaixo do custo de produção, que foi impulsionado</p><p>pela inflação. E quando a produção foi suspensa por falta de matéria-prima,</p><p>os trabalhadores ainda tinham que ser pagos porque as empresas não tinham</p><p>permissão para reduzir sua força de trabalho sem a aprovação do</p><p>governo.421 No entanto, o chefe do Instituto Nacional de Estatística</p><p>conseguiu transformar a escassez de papel higiênico em uma boa notícia,</p><p>saudando-a como prova da abundante dieta nacional.422</p><p>Nas raras ocasiões em que o papel higiênico estava disponível a preços</p><p>fixos do governo, ele se esgotou rapidamente. Muitos venezuelanos</p><p>desistiram de seus empregos porque, com os salários não conseguindo</p><p>acompanhar a alta dos preços, vender produtos em falta — incluindo papel</p><p>higiênico — no mercado negro era uma opção muito mais lucrativa. Os</p><p>produtos de higiene feminina também desapareceram das lojas. Em vez</p><p>disso, as mulheres venezuelanas foram incentivadas a assistir a um tutorial</p><p>transmitido no canal de televisão estatal sobre como fazer seus próprios</p><p>absorventes higiênicos laváveis e reutilizáveis. O demonstrador no vídeo</p><p>chegou a dar um toque anticapitalista à situação de forma entusiasmada:</p><p>“Evitamos entrar no ciclo comercial do capitalismo selvagem. Estamos</p><p>mais conscientes e em harmonia com o meio ambiente.”423</p><p>Em julho de 2016, 500 mulheres venezuelanas deram o passo</p><p>extraordinário de cruzar para a vizinha Colômbia através de uma passagem</p><p>de fronteira fechada para comprar comida. “Estamos morrendo de fome,</p><p>estamos desesperados”, disse uma das mulheres à estação colombiana</p><p>Caracol Radio. Não havia mais nada para comer em seu país, disse ela.424</p><p>Uma assistente social em uma casa de repouso contou a repórteres de</p><p>uma estação de rádio alemã sobre sua própria situação desesperadora.</p><p>Restaram apenas 9 dos 24 residentes. Os outros morreram ou foram</p><p>mandados embora porque não havia comida suficiente e seus suprimentos</p><p>de medicamentos essenciais para pacientes que sofriam de diabetes ou</p><p>hipertensão haviam acabado. Subvertendo a proibição de visitas de</p><p>jornalistas, um médico mostrou aos repórteres um hospital público onde a</p><p>única máquina de raio-X estava quebrada há muito tempo, o laboratório não</p><p>conseguia processar nenhuma amostra de urina ou sangue, não havia água</p><p>encanada nos banheiros e os elevadores estavam quebrados.425 Os pacientes</p><p>do hospital tiveram que fornecer seus próprios medicamentos porque os</p><p>estoques de tudo, de analgésicos a medicamentos para o tratamento do</p><p>câncer, havia se esgotado.426</p><p>Em apenas um único ano, entre 2015 e 2016, a mortalidade infantil</p><p>aumentou 33%, enquanto a taxa de mulheres que morrem no parto cresceu</p><p>66%. O ministro da Saúde que publicou essas estatísticas foi demitido por</p><p>Maduro, que proibiu a divulgação de quaisquer indicadores sociais ou</p><p>econômicos em uma tentativa de evitar “interpretações políticas”.427 Após</p><p>uma queda inicial de 20,3% para 12,9% em 13 anos de Chávez,428 a</p><p>mortalidade infantil atingiu níveis acima das estimativas da UNICEF para a</p><p>Síria, atingida pela guerra em 2016.429</p><p>Uma pesquisa de 2016 da Universidade Central da Venezuela descobriu</p><p>que quatro em cada cinco famílias venezuelanas viviam na pobreza.430</p><p>Cerca de 73% da população perdeu peso, com a perda média de 8,7 kg em</p><p>2016.431 Em uma audiência antes do Subcomitê da Câmara dos</p><p>Representantes dos EUA para o Hemisfério Ocidental em março de 2017,</p><p>Hector E. Schamis, professor auxiliar da Universidade de Georgetown,</p><p>relatou taxas recordes de pobreza de 82%, com 52% vivendo em extrema</p><p>pobreza.432</p><p>Perante os contínuos protestos populares e uma vitória da oposição nas</p><p>eleições parlamentares, Maduro dissolveu a Assembleia Nacional e aboliu a</p><p>liberdade de imprensa, juntamente com todos os outros vestígios de</p><p>democracia. Em outubro de 2017, o número de mortos durante</p><p>manifestações e protestos antigovernamentais havia subido para mais de</p><p>120 — testemunho do fracasso de mais uma experiência socialista.</p><p>Chile: do socialismo ao capitalismo de livre mercado</p><p>Assim como aconteceu com a ascensão de Hugo Chávez ao poder 28</p><p>anos depois, intelectuais de esquerda em todo o mundo ficaram orgulhosos</p><p>com relação à eleição de Salvador Allende como presidente do Chile em</p><p>setembro de 1970. O candidato da Unidad Popular foi o primeiro marxista</p><p>radical a chegar ao poder através de uma eleição democrática — embora</p><p>com uma pequena maioria de 36,5% dos votos — em vez de uma revolução</p><p>violenta ou uma guerra perdida, como foi o caso com os regimes impostos</p><p>pelos soviéticos na Alemanha Oriental e na Coreia do Norte após a Segunda</p><p>Guerra Mundial.</p><p>O Unidad Popular foi ajudado na sua ascensão ao poder pela natureza</p><p>oligárquica da economia chilena e a enorme diferença de renda entre 1,5%</p><p>da renda total que foi para os 10% mais pobres e 40,2% para os 10% mais</p><p>ricos,433 enquanto a inflação situou-se em 36,1% em 1970.434</p><p>Em seu primeiro ato oficial como presidente, Allende nacionalizou as</p><p>minas de cobre que eram a fonte de receita mais importante do Chile. Ao</p><p>invés de pagar uma compensação às corporações multinacionais que</p><p>anteriormente administravam as minas como parte do acordo de</p><p>“nacionalização negociado” assinado com o antecessor de Allende, Eduardo</p><p>Frei Montalva, em 1969, o governo de Allende apresentou a elas deduções</p><p>por “lucros excessivos” para além das “práticas comerciais normais” que</p><p>excedeu o valor de venda da maioria de suas participações.435 Bancos e</p><p>outras empresas também foram nacionalizados em rápida sucessão. Quando</p><p>Allende foi afastado em 1973, 80% da produção industrial do país havia</p><p>sido transferida para o setor público.436 Os aluguéis e os preços dos</p><p>alimentos básicos eram fixados pelo governo, que também fornecia saúde</p><p>gratuita.</p><p>O uso do gasto público pelo governo socialista para aumentar sua</p><p>popularidade fez com que os gastos sociais aumentassem quase 60% em</p><p>termos reais em um período</p><p>de apenas dois anos. Entre 1970 e 1973, o</p><p>emprego no governo central e nas firmas do setor público cresceu 50% e</p><p>35%, respectivamente.437 Essas medidas foram pagas, não por aumentos na</p><p>receita tributária, mas pelo aumento da dívida pública e pela expansão da</p><p>massa monetária. O déficit orçamentário cresceu de 3,5% do PIB em 1970</p><p>para 9,8% em 1971. Um aumento de 10,3% no investimento do setor</p><p>público foi contrabalançado por uma queda de 16,8% no investimento do</p><p>setor privado438 — o que não é surpreendente, dada a taxa de</p><p>desapropriação dos donos de empresas privadas: 377 firmas produtivas</p><p>foram nacionalizadas entre 1970 e 1973.439</p><p>Economicamente, a nacionalização foi um fracasso. Trabalhadores</p><p>altamente qualificados e executivos experientes deixaram o país em massa e</p><p>foram substituídos por membros leais do partido. “Muitas empresas</p><p>nacionalizadas também registraram incidentes frequentes de</p><p>comportamento indisciplinado e absenteísmo. Em empresas que ainda não</p><p>haviam sido transferidas para o estado, os próprios trabalhadores tomaram a</p><p>iniciativa ao ocupar instalações de produção.”440</p><p>Além disso, quase 16 milhões de acres de terra foram desapropriados.</p><p>Em alguns casos, os coletivos foram estabelecidos de acordo com o modelo</p><p>familiar socialista. Os fazendeiros que viraram proprietários de terras nas</p><p>reformas da década de 1960 agora tinham que trabalhar em grupos agrícolas</p><p>como funcionários do setor público.441 As desapropriações ou ocupações</p><p>aconteciam a uma taxa de 5,5 propriedades agrícolas por dia: “Dia sim, dia</p><p>não, uma firma produtiva era nacionalizada ou adquirida”.442 A</p><p>produtividade despencou e, em 1972, o Chile teve de gastar grande parte de</p><p>sua receita de exportação na importação de alimentos.443 A tentativa de</p><p>reestruturar o setor agrícola de acordo com os princípios socialistas foi um</p><p>fracasso tanto no Chile quanto na China, Alemanha Oriental e Coreia do</p><p>Norte. “No geral, a política econômica da Unidad Popular foi um fracasso.</p><p>Isso é verdade ainda mais na área fiscal do que nos setores agrícola e</p><p>industrial. O governo não foi mais capaz de controlar a inflação do que o</p><p>seu antecessor foi — na verdade, os gastos públicos abundantes só pioraram</p><p>a situação.”444</p><p>A inflação, que era de 36% em 1970, disparou para 605% em 1973, um</p><p>padrão que iria repetir-se na Venezuela três décadas depois445 — assim</p><p>como os protestos que começaram a ocorrer no Chile. Durante uma visita</p><p>de Estado de três semanas do líder cubano Fidel Castro no final de 1971,</p><p>milhares de mulheres chilenas se juntaram a uma “Marcha dos Potes e</p><p>Panelas Vazias” no palácio presidencial. Elas foram atacadas por ativistas</p><p>marxistas e dispersas pela polícia com granadas de gás lacrimogêneo,</p><p>resultando em dezenas de feridos. Em outubro de 1972, meio milhão de</p><p>pequenos empresários, agricultores e profissionais liberais participaram de</p><p>protestos antigovernamentais.446</p><p>Em setembro de 1973, o exército chileno, liderado pelo chefe do</p><p>exército nomeado por Allende, Augusto Pinochet, derrubou o governo</p><p>socialista. Allende se matou pouco antes de os líderes do golpe de Estado</p><p>invadirem o palácio presidencial. O general Pinochet estabeleceu uma</p><p>ditadura militar. A liberdade de imprensa e outros direitos democráticos</p><p>foram abolidos; aqueles que se opuseram ao regime foram presos e</p><p>torturados. Em total contraste com o impulso autoritário e antiliberal de sua</p><p>política doméstica, a orientação econômica de Pinochet era, em sua maior</p><p>parte, liberal e pró-mercado.</p><p>A transformação do Chile em uma economia de mercado livre sob</p><p>Pinochet foi planejada por um grupo de economistas que posteriormente se</p><p>tornou conhecido como Chicago Boys. Eles eram admiradores e ex-alunos</p><p>de Milton Friedman, o economista ganhador do Prêmio Nobel e fervoroso</p><p>defensor do capitalismo de livre mercado da Universidade de Chicago. Em</p><p>seu retorno ao Chile, eles redigiram 189 páginas de análises econômicas e</p><p>propostas de reforma para os generais, que inicialmente “pouco fizeram</p><p>com as propostas”. Foi só quando os próprios esforços militares falharam</p><p>em conter a inflação que Pinochet nomeou vários dos Chicago Boys para</p><p>posições de poder.447</p><p>O próprio Friedman deu uma série de seminários e palestras públicas no</p><p>Chile durante um período de seis dias em março de 1975. Seu papel como</p><p>conselheiro de Pinochet deu origem a muitas críticas severas. Na verdade,</p><p>Friedman só se encontrou com o ditador chileno uma vez e, posteriormente,</p><p>escreveu-lhe uma carta na qual recomendava um programa de combate à</p><p>hiperinflação e liberalização da economia.448 Ele deu conselhos</p><p>semelhantes aos governantes comunistas na União Soviética, China e</p><p>Iugoslávia.449 Mas, embora seu suposto envolvimento com o regime</p><p>chileno tenha desencadeado uma campanha global contra ele, ninguém</p><p>parecia muito preocupado com seu papel de aconselhar os regimes</p><p>comunistas.</p><p>De modo geral, Friedman ficou impressionado com as políticas</p><p>econômicas implementadas pelos economistas chilenos que ele havia</p><p>inspirado — entre eles, Sergio de Castro Spikula, que foi ministro de</p><p>Assuntos Econômicos de Pinochet e mais tarde se tornou ministro das</p><p>Finanças —, embora tenha criticado a decisão de Castro de estabelecer uma</p><p>paridade fixa da moeda chilena ao dólar americano. Castro e seus</p><p>seguidores começaram a instigar uma agenda econômica centrada na</p><p>redução dos gastos públicos, desregulamentando o setor financeiro e</p><p>econômico, privatizando empresas estatais (exceto a indústria do cobre) e</p><p>abrindo a economia para investidores estrangeiros, revertendo de um modo</p><p>geral as políticas do Governo Allende:</p><p>“O Estado e tudo o que está ligado ao setor público se tornou a causa</p><p>central de todos os problemas; quanto menos interferisse na economia,</p><p>maior e mais rápido seria o crescimento do bem-estar social. Isso</p><p>formou a base para as inúmeras reformas econômicas introduzidas</p><p>durante o regime militar: privatizações e reprivatizações, reforma do</p><p>Estado e reforma fiscal, liberalização, desregulamentação, abertura da</p><p>economia e autonomia do Banco Central.”450</p><p>O Estado controlava 400 empresas e bancos em 1973, mas esse número</p><p>caiu para cerca de 45 empresas (incluindo um banco) em 1980.451 Reformas</p><p>fiscais e tributárias e medidas de desregulamentação introduzidas em</p><p>meados da década de 1970 minimizaram a influência do governo em todos</p><p>os setores, abolindo os controles de preços e impostos sobre a riqueza e</p><p>ganhos de capital e redução do imposto de renda. O IVA, estabelecido a</p><p>uma taxa padrão de 20% cobrada sobre todos os bens e serviços, tornou-se</p><p>a principal fonte de receita fiscal do governo. Isso resultou em um “milagre</p><p>econômico” de magnitude semelhante aos alcançados por Margaret</p><p>Thatcher e Ronald Reagan: taxas de impostos mais baixas levaram a um</p><p>crescimento na receita de 22% do PIB em 1973-1974 para 27% em 1975-</p><p>1977, e a transformação do déficit orçamental crônico em superávit no</p><p>período de 1979 a 1981.452</p><p>Uma comparação entre os indicadores-chave para 1973 e 1981 mostra</p><p>claramente o quão bem-sucedidas essas políticas foram. A inflação, que era</p><p>superior a 600% em 1973, havia caído para apenas 9,5% em 1981, embora</p><p>o progresso tivesse sido lento. Durante o mesmo período, o Chile viu sua</p><p>taxa de crescimento econômico se recuperar de -4,3% para saudáveis 5,5%,</p><p>enquanto as exportações quase triplicaram de US$ 1,3 bilhão para US$ 3,8</p><p>bilhões. Mais impressionante ainda foi o crescimento das exportações não</p><p>tradicionais (excluindo cobre e outros recursos naturais) de US$ 104</p><p>milhões para US$ 1,4 bilhão. Os salários, que haviam caído mais de 25%</p><p>em 1973, cresceram 9% em 1981.453</p><p>As políticas fiscais e econômicas introduzidas pelos Chicago Boys</p><p>foram fundamentais para a recuperação a longo prazo do Chile e sua atual</p><p>estabilidade econômica. A curto prazo, no entanto, seus resultados foram</p><p>menos diretos: assim como as reformas de Thatcher e Reagan, os efeitos</p><p>positivos a longo prazo vieram ao preço de um aumento inicial no</p><p>desemprego.</p><p>Com os investidores estrangeiros cada vez mais confiando na economia</p><p>chilena, as exportações começaram a aumentar, enquanto</p><p>o déficit diminuiu</p><p>e a economia cresceu 32% em quatro anos. O milagre econômico do Chile</p><p>foi saudado no mundo das finanças globais e celebrado na imprensa de</p><p>negócios. O consumo em massa aumentou à medida que os padrões de vida</p><p>melhoraram em toda a população, conforme refletido no aumento drástico</p><p>no número de carros registrados entre 1976 e 1981.454</p><p>No início da década de 1980, uma enorme crise de dívida varreu a</p><p>América Latina. Em 1982, o México deixou de cumprir sua dívida</p><p>soberana. No mesmo ano, o Chile — junto com outros países latino-</p><p>americanos — mergulhou na recessão devido a uma queda drástica na</p><p>entrada de capital. Em 1982-1983, o Chile experimentou sua pior recessão</p><p>desde os anos 1930, com o PIB despencando 15% e o desemprego</p><p>aumentando para 30% em termos reais.455 As origens da crise de 1982-1983</p><p>são o assunto de um debate contínuo. O que está claro, porém, é que o Chile</p><p>conseguiu superar a crise muito mais rápido do que seus vizinhos latino-</p><p>americanos: “O Chile liderou o continente na saída desta recessão. Foi o</p><p>único país em crise de dívida que voltou aos níveis de PIB anteriores à crise</p><p>antes do final da década de 80; portanto, para a maioria dos países, foi a</p><p>década inteira que eles chamaram de ‘década perdida’.”456</p><p>Passada a crise, o governo continuou com mais reformas. A segunda</p><p>rodada de reprivatizações levou em consideração as lições aprendidas com</p><p>a primeira, que foi em grande parte um processo de privatização baseado</p><p>em dívidas. Desta vez, as empresas foram negociadas na bolsa de valores, o</p><p>que lhes deu um início sem dívidas. A privatização das maiores empresas de</p><p>propriedade pública — excluindo a estatal General Minerals Corporation —</p><p>começou em 1986, gerando um valor total de ativos de US$ 3,6 bilhões.457</p><p>O sistema político começou a mudar após a derrota de Pinochet em 1988</p><p>em um plebiscito sobre a extensão de seu governo por mais oito anos. As</p><p>eleições gerais de 1989 foram vencidas por uma aliança democrática</p><p>liderada pelo democrata-cristão Patricio Aylwin Azócar, que governou</p><p>como presidente de 1990 a 1994. Friedman enfatiza o papel que a</p><p>liberalização econômica, que por sua vez levou à liberalização política,</p><p>desempenhou na transição da ditadura à democracia: “A economia chilena</p><p>prosperou, mas mais importante, no final de tudo, o governo central, a junta</p><p>militar, foi substituído por uma sociedade democrática. Portanto, o que é</p><p>realmente importante sobre os negócios chilenos é que os mercados livres</p><p>abriram caminho para criar uma sociedade livre.”458</p><p>Embora a liberalização da economia tenha contribuído claramente para o</p><p>fim da ditadura por meio do fortalecimento da sociedade civil chilena, a</p><p>afirmação de Friedman de que a vitória da democracia foi uma</p><p>consequência direta e inevitável das reformas econômicas é um exagero</p><p>infundado. O fato de que em outros países — incluindo a China, conforme</p><p>discutido no Capítulo 1 — a liberalização econômica até agora não</p><p>produziu uma transição para a democracia torna sua argumentação difícil de</p><p>sustentar.</p><p>No entanto, não há como negar os efeitos positivos de longo prazo das</p><p>reformas econômicas instigadas pelos Chicago Boys. Embora um tanto</p><p>atenuadas pelos governos posteriores, essas reformas estabeleceram as</p><p>bases para o atual sucesso econômico do Chile e levaram à alta posição do</p><p>país no Índice de Liberdade Econômica. Mesmo os líderes socialistas</p><p>Ricardo Lagos Escobar (2000–2006) e Michelle Bachelet (2006–2010 e</p><p>2014–2018) não alteraram fundamentalmente a orientação do Chile como</p><p>uma economia de mercado livre. Em 2010, o Chile se tornou a primeira</p><p>nação sul-americana a aderir à Organização para a Cooperação e</p><p>Desenvolvimento Econômico — um sinal claro de que, ao contrário da</p><p>maioria dos outros países da região, o Chile faz parte do “Primeiro Mundo”</p><p>dos países desenvolvidos. Isso é ainda mais notável porque, antes das</p><p>reformas, o Chile estava entre as economias mais protecionistas do mundo.</p><p>O fato de que nem os democratas-cristãos que governaram o Chile</p><p>durante os anos 1990 nem os governos socialistas eleitos nos anos 2000</p><p>fizeram mudanças significativas nas reformas introduzidas por Pinochet</p><p>deve ser considerado como um dos argumentos mais fortes em favor de sua</p><p>eficácia. Conforme mostrado no Capítulo 5, uma observação semelhante é</p><p>válida para o Reino Unido e os EUA, onde nem o governo trabalhista de</p><p>Tony Blair nem a Casa Branca de Bill Clinton interferiram na substância</p><p>das reformas introduzidas por Thatcher e Reagan.</p><p>Os críticos das reformas dos Chicago Boys de Pinochet gostam de</p><p>apontar para a crescnte desigualdade social que acompanhou seu inegável</p><p>sucesso econômico — ao que o ex-ministro da Economia e Finanças do</p><p>Chile Sergio de Castro responde: “Em 1970, por exemplo, a mortalidade</p><p>infantil era de 80 em 1.000. Em 1990, no fim do regime militar, havia caído</p><p>para 20 em 1.000. Isso se deve à saúde econômica do país e ao fato de que o</p><p>governo conseguiu gastar mais dinheiro com os pobres.”459</p><p>No entanto, outros indicadores econômicos e sociais mostram alto grau</p><p>de desigualdade na sociedade chilena que persiste até o presente. O Índice</p><p>de Gini, que mede a distribuição de renda entre os residentes, classifica o</p><p>Chile entre os 20 países mais desiguais do mundo.460 A maioria dos</p><p>chilenos parece valorizar mais o progresso econômico alcançado em seu</p><p>país do que a “igualdade social” lamentada pelos críticos — como</p><p>evidenciado pelos sucessivos governos socialistas que aderiram</p><p>amplamente a um curso de livre mercado e pela eleição de 2010 de</p><p>Sebastián Piñera para presidente. Um ex-aliado próximo do governo</p><p>Pinochet, cujo irmão foi fundamental na implantação de um sistema de</p><p>previdência social privatizado, Piñera acreditava piamente no mercado</p><p>livre. Sua vitória eleitoral, o jornal alemão Handelsblatt comentou na</p><p>época, “pode anunciar o início de uma nova era de capitalismo puro na</p><p>América Latina”.461 Piñera perdeu as eleições presidenciais de 2013 contra</p><p>Michelle Bachelet, que por sua vez foi destituída do cargo em 2017 para</p><p>abrir caminho para o segundo mandato de Piñera, que começou em março</p><p>de 2018.</p><p>No final de junho de 2017, o jornal semanal esquerdista alemão Die Zeit</p><p>publicou um artigo sobre o Chile que vai da consternação à admiração</p><p>relutante:</p><p>“O capitalismo tem uma influência poderosa e rara aqui, e o impacto</p><p>na coesão social e nos membros mais fracos da sociedade é igualmente</p><p>forte. Se você não consegue acompanhar, você não pertence: essa</p><p>mentalidade faz parte do legado deixado no Chile pela ditadura militar</p><p>de Augusto Pinochet, que governou o pequeno país na extremidade da</p><p>América do Sul entre 1973 e 1990. Muito tempo após a morte</p><p>de democráticos no governo continuaram sua política de pouca</p><p>regulamentação do mercado.”462</p><p>Por outro lado, até o jornalista do Die Zeit é forçado a admitir:</p><p>“Com 6%, o desemprego é tão baixo quanto na Alemanha, e a</p><p>inflação também é quase inexistente. As obrigações governamentais do</p><p>Chile têm uma boa classificação. Em comparação com a reputação de</p><p>seus vizinhos latino-americanos de caos econômico, os chilenos são</p><p>considerados bons parceiros de negócios. Eles também têm uma</p><p>infraestrutura funcional, taxas sólidas de construção e investimento e</p><p>redes de transporte bem organizadas. As melhorias no padrão de vida</p><p>nos últimos anos beneficiaram até mesmo os pobres.”463</p><p>É verdade: com uma população de pouco menos de 18 milhões, o Chile</p><p>tem uma renda per capita quase duas vezes maior que a do Brasil, enquanto</p><p>a porcentagem da população vivendo abaixo do nível de pobreza caiu de</p><p>20% em 2003 para 7% em 2014. Durante o mesmo período, os 40% mais</p><p>pobres viram sua renda aumentar de forma mais acentuada do que a média</p><p>nacional. Em 2017, o Chile foi o país latino-americano com melhor</p><p>classificação no Relatório de Competitividade Global compilado pelo</p><p>Fórum Econômico Mundial. O Chile possui o sistema bancário mais estável</p><p>da região e algumas das melhores condições para empresas privadas em</p><p>todo o mundo. É a economia mais aberta da América Latina, assinando</p><p>acordos de livre comércio com países que</p><p>juntos produzem 75% da</p><p>produção econômica global. Nos últimos 30 anos, a economia do Chile</p><p>atingiu taxas de crescimento anual de cerca de 5%.464</p><p>No período entre 1990 e 2005, o Chile registrou uma das maiores taxas</p><p>de crescimento econômico do mundo — muito maior do que qualquer outro</p><p>país da América Latina e no mesmo nível da Coreia do Sul. Em conjunto</p><p>com a privatização consistente de ativos de infraestrutura de transporte</p><p>público sobre hospitais, prisões e telecomunicações até gestão de água e</p><p>esgoto, baixas taxas de impostos corporativos e mercados de capitais</p><p>desregulamentados criaram incentivos para investidores.465</p><p>Em contrapartida, a economia do Chile continua a depender em grande</p><p>parte do cobre. O país tem os maiores depósitos de cobre do mundo e cerca</p><p>de 30% da produção global. O preço do cobre dificilmente ficou estável nos</p><p>últimos 20 anos, passando de uma baixa recorde de US$ 1.438 por tonelada</p><p>em 1998 para uma alta recorde de US$ 8.982 em 2008, antes de despencar</p><p>para US$ 2.767 no mesmo ano, seguido por um aumento de 150% no</p><p>próximo ano e um período de extremas oscilações desde então.</p><p>Essas tendências são obviamente problemáticas para um país cuja</p><p>economia depende muito do cobre. Mas, ao contrário da Venezuela, onde a</p><p>oscilação do preço do petróleo que inicialmente desencadeou o crescimento</p><p>econômico e permitiu a Chávez distribuir benefícios sociais foi</p><p>posteriormente responsabilizada pela dramática crise econômica do país, a</p><p>economia de livre mercado do Chile estava muito mais bem equipada para</p><p>lidar com as quedas e oscilações no preço do cobre. A Venezuela também</p><p>poderia ter prosperado apesar de seu alto grau de dependência do petróleo,</p><p>não fosse por sua economia socialista controlada pelo Estado.</p><p>O desenvolvimento do Chile nas últimas décadas não demonstra apenas</p><p>que o capitalismo é superior ao socialismo. Crucialmente, a tentativa dos</p><p>Chicago Boys de implantar um sistema capitalista da noite para o dia na</p><p>década de 1970 também destaca uma diferença fundamental entre os dois.</p><p>Ao contrário do socialismo, o capitalismo não é um sistema inventado por</p><p>intelectuais — e, portanto, sua imposição repentina de um dia para o outro</p><p>está fadada ao fracasso, mesmo sob uma ditadura.</p><p>Em vez disso, o capitalismo cresce naturalmente e espontaneamente.</p><p>Conforme discutido no Capítulo 1, a transição bem-sucedida da China do</p><p>socialismo para o capitalismo levou muitos anos de iniciativas espontâneas</p><p>bottom-up (de baixo para cima) apoiadas por mudanças na política</p><p>instigadas por Deng Xiaoping e outros. Embora as reformas dos Chicago</p><p>Boys tenham constituído uma importante mudança de direção que marcou o</p><p>início do caminho do Chile para o sucesso econômico, o país levou várias</p><p>décadas para fazer a transição para uma economia de mercado capitalista</p><p>totalmente desenvolvida.</p><p>-</p><p>388 Heritage Foundation, 2018 Index of Economic Freedom, 3 and 7.</p><p>389 Ricardo Hausmann and Francisco Rodríguez, eds., Venezuela before Chávez: Anatomy of an</p><p>Economic Collapse (University Park: Pennsylvania State University Press, 2014), 1.</p><p>390 Ver artigos em ibid.</p><p>391 Omar Bello and Adriana Bermúdez, “The Incidence of Labor Market Reforms on</p><p>Employment in the Venezuelan Manufacturing Sector, 1995–2001”, em Venezuela before Chávez:</p><p>Anatomy of an Economic Collapse, editado por Ricardo Hausmann e Francisco Rodríguez</p><p>(University Park: Pennsylvania State University Press, 2014), 117.</p><p>392 A. C. Clark, The Revolutionary Has No Clothes: Hugo Chávez’s Bolivarian Farce (New</p><p>York: Encounter Books, 2009), 55–56.</p><p>393 Stefan Wirner, “Die deutsche Linke nimmt sich Chávez als Vorbild”, Die Welt (29 de</p><p>Novembro de 2007), acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>https://www.welt.de/politik/article1412494/Die-deutsche-Linke-nimmt-sich-Chavezals-Vorbild.html;</p><p>see also “Reaktionen: Wagenknecht preist Chávez’ Arbeit”, Handelsblatt (3 de Março de 2013),</p><p>acessado em 20 de Junho de 2018, www.handelsblatt.com/politik/deutschland/reaktionen-</p><p>wagenknecht-preist-wirtschaftsmodell-von-chvez/7887454.html.</p><p>394 Citado em Hollander, From Benito Mussolini, 256.</p><p>395Citado em ibid., 256.</p><p>396 Citado em ibid., 257.</p><p>397 Citado em Clark, The Revolutionary Has No Clothes, 60.</p><p>398 Citado em Raúl Gallegos, Crude Nation: How Oil Riches Ruined Venezuela (Lincoln:</p><p>Potomac Books, 2016), 80.</p><p>399 Ibid., 81.</p><p>400 “Storm over Venezuela Oil Speech”, BBC News (4 de Novembro de 2006), acessado em 7 de</p><p>Novembro de 2006, http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/americas/6114682.stm.</p><p>401 Gallegos, Crude Nation, 84.</p><p>402 Harald Neuber, “Billiges Heizöl für 16 US-Bundesstaaten”, Amerika21 (12 de Dezembro de</p><p>2007), acessado em 20 de Junho de 2018, https://amerika21.de/nachrichten/inhalt/2007/dez/heizoel-</p><p>fuer-usa; ver também “Citgo–Venezuela Heating Oil Program” (nd), acessado em 20 Junho de 2018,</p><p>www.citgoheatingoil.com/whoweserve.html.</p><p>403 Gallegos, Crude Nation, 84.</p><p>404 “Boykott: Venezuela kappt Exxon die Ölzufuhr”, Spiegel (13 de Fevereiro de 2008), acessado</p><p>em 20 de Junho de 2018, www.spiegel.de/wirtschaft/boykott-venezuela-kappt-exxon-die-oelzufuhr-a-</p><p>534931.html.</p><p>405Gallegos, Crude Nation, 84.</p><p>406 Hans-Jürgen Burchardt, “Zurück in die Zukunft? Venezuelas Sozialismus auf der Suche nach</p><p>dem 21. Jahrhundert”, em Venezuela heute: Politik, Wirtschaft, Kultur, editado por Andreas Boeckh,</p><p>Friedrich Welsch e Nikolaus Werz (Frankfurt: Vervuert Verlagsgesellschaft, 2011), 439–440.</p><p>407 Sven Schaller, “Wandel durch Persistenz (Teil 1): Eine Analyse der Wirtschaftspolitik von</p><p>Hugo Chávez”, Quetzal (Março de 2013), acessado em 20 de Junho de 2018, www.quetzal-</p><p>leipzig.de/lateinamerika/venezuela/venezuela-wirtschaftspolitik-hugo-chavez-erdoel-</p><p>wirtschaftsstruktur-19093.html.</p><p>408 Gallegos, Crude Nation, 85.</p><p>409 Ibid., 83–84; Schaller, “Wandel durch Persistenz.”</p><p>410 Carl Moses, “Der Öl-Caudillo”, Frankfurter Allgemeine Zeitung (27 de Fevereiro de 2007),</p><p>acessado em 20 de Junho de 2018, www.faz.net/aktuell/wirtschaft/wirtschaftspolitik/hugochavez-der-</p><p>oel-caudillo-1118662.html.</p><p>411 Gallegos, Crude Nation, 24.</p><p>412 Clark, The Revolutionary Has No Clothes, 46–47.</p><p>413 Ibid., 48–49.</p><p>414 Alexander Rommel, “Sozialstruktur, Armut, Ungleichheit und soziale Klassen”, em Venezuela</p><p>heute: Politik, Wirtschaft, Kultur, editado por Andreas Boeckh, Friedrich Welsch e Nikolaus Werz</p><p>(Frankfurt: Vervuert Verlagsgesellschaft, 2011), 72.</p><p>415Ibid., 71.</p><p>416 Klaus Ehringfeld, “Venezuela droht der Kollaps”, Spiegel (30 de Maio de 2017), acessado em</p><p>20 de Junho de 2018, www.spiegel.de/wirtschaft/venezuela-droht-der-kollaps-a-1149662.html.</p><p>417 Matthias Rüb, “Telenovela über Hugo Chávez: Er konnte Menschen verführen”, Frankfurter</p><p>Allgemeine (1 de Fevereiro de 2017), acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>www.faz.net/aktuell/feuilleton/medien/el-comandante-eine-serie-ueber-hugo-chavez-14799710.html.</p><p>418 Gallegos, Crude Nation, 23.</p><p>419Venezuela’s Tragic Meltdown, 34.</p><p>420 Gallegos, Crude Nation, 97.</p><p>421 Ibid., 37–38.</p><p>422 Ibid., 36–37.</p><p>423Ibid., 44.</p><p>424 Venezuela: “Wenn Hunger Grenzen überschreitet”, Die Zeit (6 de Julho de 2016),</p><p>https://www.zeit.de/politik/ausland/2016-07/venezuela-krise-nahrung-grenze-kolumbien, acessado</p><p>em 6 de Julho de 2018.</p><p>425 “Venezuela: Von Hunger und Sterben” [broadcast], NDR (17 de Julho de 2017).</p><p>426 Venezuela’s Tragic Meltdown, 29.</p><p>427 Ehringfeld, “Venezuela droht der Kollaps.”</p><p>428 Gallegos, Crude Nation, 85.</p><p>429 Venezuela’s Tragic Meltdown, 35.</p><p>430 Thomas Schweizer, “So regiert Maduro sein Land in den Abgrund”, Wirtschaftswoche (25 de</p><p>Maio de 2017), acessado em 20 de Junho de 2018, https://www.wiwo.de/politik/ausland/venezuela-</p><p>so-regiert-maduro-sein-landin-den-abgrund/19850212.html.</p><p>431 Venezuela’s Tragic Meltdown, 34–35.</p><p>432Ibid., 29.</p><p>433 Patricio Meller, The Unidad Popular and the Pinochet Dictatorship: A Political Economy</p><p>Analysis (London: Palgrave Macmillan, 2000), 28.</p><p>434 Ibid., 33.</p><p>435 Stefan Rinke, Kleine Geschichte Chiles (Munich: C. H. Beck, 2007), 146.</p><p>436Ibid., 147.</p><p>437 Meller, The Unidad Popular, 39.</p><p>438 Ibid., 35.</p><p>439 Ibid., 55.</p><p>440 Rinke, Kleine Geschichte</p><p>Chiles, 147.</p><p>441Ibid., 149.</p><p>442 Meller, The Unidad Popular, 70.</p><p>443 Rinke, Kleine Geschichte Chiles, 149–150.</p><p>444 Ibid., 150.</p><p>445 Meller, The Unidad Popular, 33.</p><p>446 Rinke, Kleine Geschichte Chiles, 153–154.</p><p>447 Friedman, Two Lucky People, 398.</p><p>448 Ver ibid., 398–407.</p><p>449 Richard W. Kahn, “A Tale of Two Economies”, Washington Times (2 de Julho de 2013),</p><p>acessado em 20 de Junho de 2018, https://www.washingtontimes.com/news/2013/jul/2/a-tale-of-two-</p><p>economieschile-has-employed-free-mar.</p><p>450 Meller, The Unidad Popular, 76.</p><p>451Ibid., 79.</p><p>452 Ibid., 80–81.</p><p>453 Ibid., 86.</p><p>454 Rinke, Kleine Geschichte Chiles, 163–164.</p><p>455 Meller, The Unidad Popular, 121.</p><p>456 Arnold Harberger, “The Miracle of Chile”, em Up for Debate: Reform without Liberty:</p><p>Chile’s Ambiguous Legacy (nd), acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>www.pbs.org/wgbh/commandingheights/shared/minitextlo/ufd_reformliberty_full.html.</p><p>457 Meller, The Unidad Popular, 142.</p><p>458 Milton Friedman, “The Chicago Boys”, in Up for Debate: Reform without Liberty: Chile’s</p><p>Ambiguous Legacy (nd), acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>www.pbs.org/wgbh/commandingheights/shared/minitextlo/ufd_reformliberty_full.html.</p><p>459 Sergio de Castro, “There’s No Doubt They’re Doing Better,” em Up for Debate: Reform</p><p>without Liberty: Chile’s Ambiguous Legacy (nd), acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>www.pbs.org/wgbh/commandingheights/shared/minitextlo/ufd_reformliberty_full.html.</p><p>460 Em uma escala de 0 (mais igual) a 100 (mais desigual) Chile pontuou 50.5 e ficou em 15 º</p><p>lugar entre os países mais desiguais do mundo entre o período de 2010 e 2015.</p><p>461 Martin Hutchinson, “Rückkehr zum Vollblutkapitalismus”, Handelsblatt (19 de Janeiro de</p><p>2010), acessado em 20 de Junho de 2018, https://www.handelsblatt.com/meinung/kolumnen/chile-</p><p>rueckkehr-zum-vollblutkapitalismus/3348842.html.</p><p>Pinochet, seus Chicago Boys continuam vivos... Até agora, seus sucessores</p><p>462 Lisa Caspari, “Endstation Reichtum”, Die Zeit (27 de Junho de 2017), acessado em 20 de</p><p>Junho de 2018, https://www.zeit.de/wirtschaft/2017-06/chile-neoliberalismus-armutsgrenze-</p><p>wirtschaft-reichtum.</p><p>463 Ibid.</p><p>464 Alexander Busch, “Länderanalyse Chile: Gefangen in der Mittelschicht”, Neue Zürcher</p><p>Zeitung (22 de Fevereiro de 2017), acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>https://www.nzz.ch/wirtschaft/laenderanalyse-chile-gefangen-in-dermittelschicht-ld.146938.</p><p>465 Rinke, Kleine Geschichte Chiles, 176.</p><p>E</p><p>CAPÍTULO 7</p><p>SUÉCIA: O MITO DO</p><p>SOCIALISMO NÓRDICO</p><p>u passei dois meses em Nova York durante a campanha para as</p><p>eleições presidenciais de 2016. Lembro-me de ver um jovem</p><p>delirando sobre os benefícios do socialismo na televisão — uma</p><p>imagem que ficou na minha mente porque realmente não se encaixava com</p><p>a minha ideia dos EUA. O jovem estava falando sobre “socialismo</p><p>escandinavo”. Ele era um fã de Bernie Sanders, o socialista assumido cuja</p><p>própria interpretação dessa ideologia tem pouco a ver com um sistema no</p><p>estilo soviético ou da República Democrática Alemã. Em vez disso, o</p><p>paraíso socialista que Sanders gostaria de implementar nos Estados Unidos</p><p>é modelado em um que ele acredita existir na Escandinávia, na Dinamarca e</p><p>na Suécia em particular.</p><p>A Suécia deixou de ser um país socialista há várias décadas — se é que</p><p>alguma vez foi. Porém, assim como os indivíduos frequentemente acham</p><p>difícil mudar a imagem que persistentemente adere a eles na mente dos</p><p>outros, o mesmo é verdadeiro para as nações. No geral, relutamos muito em</p><p>mudar crenças antigas sobre outros países.</p><p>Alerta de spoiler: a Suécia contemporânea não é um país socialista. De</p><p>acordo com a classificação do Índice de Liberdade Econômica da Heritage</p><p>Foundation de 2018, a Suécia está entre as economias mais orientadas para</p><p>o mercado em todo o mundo. No geral, ocupa o 15º lugar, à frente da</p><p>Coreia do Sul (27º) e da Alemanha (25º) e atrás da Dinamarca — outro país</p><p>supostamente socialista —, em 12º lugar.466 O que é mais notável é o</p><p>quanto a Suécia mudou nas últimas duas décadas, aumentando sua</p><p>pontuação geral em 14,9 pontos (de 61,4 para 76,3 pontos) entre 1995 e</p><p>2018. A China, que passou por sua transformação econômica no mesmo</p><p>período, somou apenas 5,8 pontos à sua pontuação, enquanto as reformas</p><p>pró-mercado do chanceler Gerhard Schröder aumentaram a pontuação da</p><p>Alemanha por míseros quatro pontos, e a França (-0,5) e os Estados Unidos</p><p>(-1,0) registraram muito pouca mudança. Ficando para trás por mais de 15</p><p>pontos em 1995, a Suécia agora tem o mesmo nível de liberdade econômica</p><p>que os EUA.</p><p>No entanto, as pontuações da Suécia em outras categorias mostram um</p><p>cenário um pouco diferente.467 O gasto público, 51,1% do PIB no período</p><p>entre 2014 e 2016, ainda é alto, colocando a Suécia em 170º lugar entre</p><p>180. Embora as taxas de imposto de renda tenham caído consideravelmente</p><p>do seu pico nas décadas de 1970 e 1980, com 42,7% da renda doméstica</p><p>total (179º lugar), elas ainda são mais altas do que em quase qualquer outro</p><p>lugar do mundo. No entanto, o que muitos não percebem é que os impostos</p><p>sobre herança, acessão, riqueza e ganhos de capital foram todos abolidos.</p><p>Por outro lado, o mercado de trabalho sueco ainda é fortemente</p><p>regulamentado (126º lugar).</p><p>Em outras palavras, apesar da ascensão de elementos capitalistas, a</p><p>Suécia não está totalmente livre de influências socialistas. No entanto, a</p><p>imagem da Suécia e de outros países escandinavos como fortalezas do</p><p>socialismo remonta aos anos 1970 e 1980. O economista Nima Sanandaji</p><p>oferece a seguinte descrição de sua trajetória econômica durante o período</p><p>desde 1870: “Esses países tiveram um crescimento econômico fenomenal</p><p>quando tinham governos pequenos e livres mercados. À medida que</p><p>avançavam em direção ao socialismo, o empreendedorismo, a prosperidade</p><p>crescente e novos empregos foram interrompidos. Uma mudança de volta</p><p>para os mercados livres trouxe de volta o crescimento.”468</p><p>As bases para a crescente força econômica da Suécia foram</p><p>estabelecidas antes da era social-democrata, entre 1870 e 1936. Durante</p><p>este período, quando a Suécia ainda tinha uma economia de mercado livre e</p><p>baixos impostos, seu crescimento econômico excedeu significativamente o</p><p>de outros países europeus, como o da Alemanha, Itália ou França, com taxas</p><p>de crescimento anual duas vezes mais altas que no Reino Unido.469</p><p>A ascensão dos social-democratas ao poder em 1936 foi seguida por um</p><p>período “pragmático” de primeiros passos moderados em direção à</p><p>introdução de políticas de estado de bem-estar social, que chegou ao fim no</p><p>final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Entre 1936 e 1970, a Suécia</p><p>ficou atrás de países como Itália e França, com taxas de crescimento anual</p><p>apenas ligeiramente superiores às da Alemanha.470</p><p>Durante o período de expansão do estado de bem-estar social socialista</p><p>de 1970 a 1991, a Suécia ficou muito atrás de muitos de seus concorrentes</p><p>europeus. O crescimento econômico foi menor do que em vários outros</p><p>países, incluindo Itália, França, Alemanha, Reino Unido, Holanda e Áustria,</p><p>o último dos quais registrou uma taxa de crescimento duas vezes maior que</p><p>a da Suécia.471 A Suécia esteve em 4º lugar na classificação do PIB per</p><p>capita da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico</p><p>(OECD) em 1970, mas ela caiu para 16° lugar em 1995, na era socialista.472</p><p>Durante a era da reforma de mercado de 1991 a 2014, a Suécia estava</p><p>novamente à frente da Alemanha, França e Itália em termos de crescimento</p><p>econômico.473 Em 2016, a Suécia tinha o 12º maior PIB per capita no</p><p>ranking da OCDE — o que é notável dado o progresso significativo</p><p>alcançado em vários outros países desde 1995, quando a Suécia registrou</p><p>seu pior desempenho em 16º lugar.</p><p>É claro que existem razões complexas para a ascensão e queda do</p><p>crescimento econômico de um período para o outro, que não podem ser</p><p>reduzidas ao grau de orientação socialista ou capitalista a qualquer</p><p>momento. As tendências econômicas globais, que afetam qualquer nação</p><p>com um foco forte na exportação, são um fator contribuinte, assim como as</p><p>fraquezas estruturais do sistema econômico. Mas é importante</p><p>notar que o</p><p>período em que a Suécia ficou atrás de outros países europeus coincidiu</p><p>com a implementação de políticas socialistas de estado de bem-estar social.</p><p>No entanto, o exemplo sueco também ilustra que, embora o sistema</p><p>econômico desempenhe um papel importante, os fatores culturais também</p><p>são significativos na determinação do sucesso econômico de um país, como</p><p>o exemplo da Coreia do Sul (discutido no Capítulo 4) mostrou. No caso da</p><p>Coreia do Sul, o espírito de trabalho, as aspirações educacionais e um alto</p><p>grau de motivação e diligência desempenharam papeis importantes.</p><p>Existem fatores de importância semelhante para o sucesso econômico da</p><p>Suécia?</p><p>Em comparação com outros países europeus, a população da Suécia é</p><p>notavelmente homogênea. Os economistas acreditam que seu grau</p><p>relativamente baixo de diversidade étnica, denominacional, cultural e</p><p>linguística promove a construção de consenso e reduz o potencial de</p><p>conflito.474 Os cientistas sociais consideram a mentalidade sueca a principal</p><p>razão para a diferença de renda comparativamente pequena, que já estava</p><p>em evidência na década de 1920 e, portanto, precede a introdução de</p><p>políticas de estado de bem-estar social e redistribuição de renda baseada em</p><p>impostos nas décadas de 1960 e 1970.475</p><p>Uma forte ética de trabalho, ambição e honestidade são características</p><p>da Suécia e de outros países nórdicos. São esses fatores, e não o estado de</p><p>bem-estar social sueco, que geraram o alto padrão de vida e os altos níveis</p><p>de renda nos países escandinavos. Estudos comparando dados de</p><p>americanos de ascendência escandinava (uma população total de 11</p><p>milhões) com dados da população dos Estados Unidos como um todo e</p><p>dados de países escandinavos confirmam isso. Por exemplo, o PIB per</p><p>capita em 2013 ficou em US$ 68.897 para sueco-americanos,</p><p>significativamente superior à média nacional de US$ 52.592 e superior à</p><p>média sueca de US$ 45.067.476</p><p>Da mesma forma, a taxa de conclusão do ensino médio é muito maior</p><p>entre os sueco-americanos (96,6%) do que a taxa de 86,3% entre a</p><p>população em geral. Sueco-americanos também registram taxas de</p><p>desemprego (3,9%) e pobreza (5,1%) mais baixas do que as médias</p><p>nacionais de 5,9% e 11,7%, respectivamente.477 Esses números mostram</p><p>que, ao contrário dos equívocos comuns, o estado de bem-estar social sueco</p><p>não é a razão para o alto padrão de vida na Suécia. Por sua vez, isso é</p><p>reforçado pela observação de que a Suécia era economicamente bem-</p><p>sucedida muito antes da introdução de políticas de estado de bem-estar</p><p>social. Para ser mais preciso, o país foi particularmente bem-sucedido antes</p><p>de embarcar nesse caminho. Embora os sociais-democratas estivessem no</p><p>poder entre 1932 e 2006, com apenas três breves interrupções, eles</p><p>inicialmente não buscavam nenhum esquema de nacionalização ambicioso.</p><p>Os sindicatos suecos também tinham menos inclinações belicosas do que</p><p>em outros países, exigindo a abolição de subsídios governamentais e tarifas</p><p>protecionistas a fim de facilitar a expansão para novos mercados de</p><p>exportação.478</p><p>Fase socialista da Suécia</p><p>Até meados da década de 1960, não havia diferenças significativas entre</p><p>a Suécia e outros países europeus e nada que pudesse ser definido como um</p><p>“modelo sueco” distinto. No final dos anos 1960, os gastos do governo</p><p>ainda estavam no mesmo patamar dos níveis médios nos estados da</p><p>OCDE.479 No entanto, isso mudaria durante o final dos anos 1960, 1970 e</p><p>1980. No período entre 1965 e 1975, o número de funcionários públicos</p><p>cresceu de 700.000 para 1,2 milhão, juntamente com o aumento da</p><p>intervenção governamental nos assuntos econômicos e a criação de uma</p><p>série de novas autoridades reguladoras. Entre 1970 e 1984, o setor público</p><p>absorveu todo o crescimento da força de trabalho sueca, com o maior</p><p>número de novos empregos criados nos serviços sociais.480</p><p>Vale a pena analisar mais de perto o desenvolvimento de dois grupos-</p><p>chave ao longo do tempo. Em 1960, para cada 100 suecos “financiados pelo</p><p>mercado” (ou seja, aqueles que obtinham sua renda predominantemente de</p><p>empresas privadas), havia 38 que eram “financiados por impostos” (ou seja,</p><p>dependentes do setor público para sua renda, seja como funcionários</p><p>públicos, seja como destinatários de pagamentos do Estado). Trinta anos</p><p>depois, esse número havia subido para 151. Durante o mesmo período, o</p><p>número total de pessoas empregadas ou autônomas no setor de mercado</p><p>caiu de pouco menos de 3 milhões para pouco menos de 2,6 milhões,</p><p>enquanto o número total de pessoas financiadas por impostos cresceu de 1,1</p><p>milhão para 3,9 milhões.481 Esses números refletem a mudança da Suécia</p><p>de uma economia capitalista de livre mercado para um modelo socialista</p><p>durante aquele período.</p><p>Quando a Suécia foi atingida pela recessão global em meados da década</p><p>de 1970, os sociais-democratas se mantiveram firmes, estendendo suas</p><p>políticas de estado de bem-estar, aumentando ainda mais os benefícios</p><p>sociais e introduzindo regulamentações mais rígidas para proteger os</p><p>trabalhadores contra demissões. Em 1973, o seguro-desemprego foi</p><p>estendido de 30 para 60 dias, enquanto a idade legal da aposentadoria foi</p><p>reduzida de 67 para 65 anos em 1975. O governo continuou pedindo mais e</p><p>mais dinheiro para financiar a extensão de suas políticas de bem-estar</p><p>social.482 Os sindicatos, que eram aliados próximos do Partido Social-</p><p>Democrata, pioraram as coisas ao tentar impor noções socialistas de</p><p>igualdade por meio de demandas irresponsáveis destinadas a nivelar os</p><p>salários. Em alguns casos, os salários foram aumentados em até 35% ao</p><p>longo de três anos.483</p><p>Os sindicatos se tornaram ainda mais poderosos do que no Reino Unido</p><p>antes do primeiro mandato de Margaret Thatcher (ver Capítulo 5). Durante</p><p>a década de 1970, novas leis expandiram significativamente a influência</p><p>dos sindicatos no local de trabalho. Os representantes designados de saúde e</p><p>segurança tinham o poder de suspender qualquer processo de fluxo de</p><p>trabalho que considerassem inseguro, aguardando uma análise mais</p><p>aprofundada por funcionários públicos. A proteção contra a demissão foi</p><p>estendida aos trabalhadores mais velhos e membros do sindicato, e o ônus</p><p>da prova foi revertido em qualquer disputa legal entre empregadores e</p><p>sindicatos, o que significa que as empresas acusadas de irregularidades</p><p>foram consideradas culpadas até que pudessem provar o contrário em um</p><p>tribunal de lei.</p><p>A Lei de Co-Decisão no Local de Trabalho de 1977 estipulou que os</p><p>representantes dos funcionários deveríam ser nomeados para os conselhos</p><p>de supervisão de todas as empresas com 25 ou mais funcionários. Desta</p><p>forma, os sindicatos ganharam influência em todos os níveis, desde</p><p>questões operacionais do dia a dia até o recrutamento ou demissão de</p><p>funcionários e estratégia corporativa geral.484</p><p>A agenda socialista prejudicou a economia sueca e resultou em</p><p>empresários proeminentes deixando o país frustrado. O fundador da Ikea,</p><p>Ingvar Kamprad, foi um deles. A taxa marginal de imposto de renda de 85%</p><p>foi complementada por um imposto de riqueza sobre seus ativos pessoais,</p><p>que o forçou a pedir dinheiro emprestado de sua própria empresa para pagar</p><p>seus impostos.485</p><p>Para pagar sua dívida com a Ikea, Kamprad queria vender uma das</p><p>pequenas empresas que possuía para a Ikea com lucro — na época uma</p><p>prática comum entre os empresários suecos que tentavam reduzir sua carga</p><p>tributária sobre o patrimônio. Enquanto Kamprad estava preparando a</p><p>venda, o governo fez alterações retroativas na legislação tributária.486 Ele</p><p>estava preso com os custos e estava furioso com o tratamento injusto de seu</p><p>país aos empresários. Em 1974, mudou-se para a Dinamarca e mais tarde</p><p>para a Suíça, onde passou as décadas seguintes — por um tempo como o</p><p>homem mais rico da Europa. Kamprad não voltou para a Suécia para viver</p><p>e pagar impostos até 2013 — um exemplo clássico de como os países</p><p>prejudicam a si mesmos ao taxar excessivamente os ricos.</p><p>O escritor alemão Hans Magnus Enzensberger expressou seu apoio aos</p><p>ricos enclausurados da Suécia:</p><p>“Parece que a vida não é um mar de rosas para os ricos em uma</p><p>sociedade como esta. Se fosse apenas uma questão com relação aos</p><p>impostos! Embora relutantemente, eles querem pagá-los em dia — eles</p><p>são cidadãos íntegros, afinal. O fato de que ninguém tem qualquer</p><p>simpatia por sua situação é muito mais doloroso.”</p><p>A Suécia se tornou um país onde os ricos se sentiam “supérfluos,</p><p>ignorados e excluídos”, acrescentou Enzensberger.487 O fato de que</p><p>qualquer residente sueco que ganhasse mais de 50.000 coroas tinha sua</p><p>renda listada em uma “lista de impostos” acessível ao público apenas</p><p>agravou a pressão sobre as figuras públicas.488</p><p>Essas políticas socialistas radicais alienaram até mesmo aqueles que</p><p>simpatizavam com o projeto dos social-democratas. Astrid Lindgren, autora</p><p>mundialmente famosa de uma série de clássicos infantis, incluindo a série</p><p>Pippi das Meias Longas, é apenas um exemplo. Seu compromisso de longa</p><p>data com as crenças social-democratas defendidas pelo simpático editor de</p><p>jornal com um forte senso de justiça, que é uma personagem central em sua</p><p>série Madicken, não a impediu de se sentir indignada com a taxa de imposto</p><p>marginal de 102% cobrada sobre seus ganhos em 1976.</p><p>Lindgren expressou sua raiva em uma sátira ao sistema tributário sueco</p><p>intitulada Pomperipossa i Monismanien, publicada em um jornal</p><p>importante. Em resposta, o ministro das finanças da Suécia, Gunnar Sträng,</p><p>acrescentou arrogantemente o insulto à injúria durante uma sessão no</p><p>parlamento, dizendo: “O artigo é uma combinação interessante de</p><p>estimulação da capacidade literária e profunda ignorância do labirinto da</p><p>política fiscal. Mas não esperamos que Astrid Lindgren consiga isso.”489</p><p>Ele sugeriu que Lindgren deve ter somado seus números incorretamente.</p><p>Destemida, a escritora replicou: “Gunnar Sträng parece ter aprendido a</p><p>contar histórias, mas com certeza não sabe contar! Seria melhor se</p><p>trocássemos de emprego.”490 O público estava do lado de Lindgren. Se uma</p><p>eleição tivesse sido convocada naquela época, os sociais-democratas teriam</p><p>vencido apenas 38% contra 53% da oposição centrista. Por fim, o primeiro-</p><p>ministro sueco, Olof Palme, tratou pessoalmente do assunto e admitiu na</p><p>televisão que Lindgren tinha seus números corretos.</p><p>Um mês após a publicação do artigo Pomperipossa de Lindgren, o</p><p>renomado cineasta Ingmar Bergman, vencedor do prêmio Palm of Palms do</p><p>Festival de Cannes, anunciou sua intenção de deixar o país após uma</p><p>disputa com as autoridades fiscais.491 No final de janeiro, dois policiais à</p><p>paisana apareceram no Teatro Royal Dramatic em Estocolmo para</p><p>entrevistá-lo. “Espero que ele apareça, senão as coisas vão ficar sérias para</p><p>ele”, disse um dos policiais à recepcionista. Bergman foi levado para a</p><p>delegacia de polícia, onde foi interrogado por várias horas;</p><p>simultaneamente, sua casa e escritório foram revistados e seu passaporte</p><p>confiscado. A prisão ganhou as manchetes em todo o mundo.492</p><p>Lindgren oficialmente apoiou o diretor de cinema, que, como ela, havia</p><p>caído em desgraça com as taxas marginais de impostos excessivas da</p><p>Suécia. O ministro das finanças não se arrependeu, insistindo em que os</p><p>“trabalhadores culturais” estavam sujeitos às mesmas leis que todos os</p><p>outros. As acusações contra Bergman foram posteriormente retiradas por</p><p>falta de provas. O promotor público que iniciou o processo recebeu uma</p><p>advertência disciplinar e Bergman foi inocentado de qualquer</p><p>irregularidade. Ele caiu em uma depressão severa e teve que ser</p><p>hospitalizado.</p><p>Sua decisão posterior de deixar a Suécia foi parcialmente motivada por</p><p>insinuações de que a questão que as autoridades fiscais tinham com ele</p><p>ainda não havia acabado. Bergman e sua esposa fugiram para Paris, onde</p><p>foram recebidos por uma grande multidão de jornalistas. “A Suécia</p><p>conseguiu levar ao exílio o homem que provavelmente era o artista vivo</p><p>mais conhecido do país”, comenta Henrik Berggren, biógrafo de Olof</p><p>Palme.493</p><p>Esses exemplos mostram até que ponto até os intelectuais tendem a</p><p>renunciar aos seus elevados sentimentos anticapitalistas (discutidos com</p><p>mais profundidade no Capítulo 10) e suas declaradas simpatias pelo</p><p>socialismo de estilo escandinavo assim que seus próprios bens estão sob</p><p>ameaça. Lindgren e Bergman responderam de forma fiel à realidade. Em</p><p>1975, o governo sueco desencadeou uma tempestade de protestos ao</p><p>reclassificar “trabalhadores culturais” como empresários. “Ao contrário dos</p><p>membros dóceis da comunidade empresarial, os ‘trabalhadores culturais’</p><p>sempre tiveram uma voz forte nos meios de comunicação sueco. Eles foram</p><p>capazes de expressar com eloquência a discriminação a que foram</p><p>submetidos, a injustiça que sofreram e a ignorância com a qual foram</p><p>confrontados. Eles esclareceram problemas que estavam ocultos enquanto</p><p>afetavam apenas a comunidade empresarial.”494</p><p>Seu novo status como empresários obrigou os trabalhadores culturais a</p><p>manter contas e arquivos para auditorias fiscais e pagar um imposto</p><p>corporativo antecipado não relacionado aos seus ganhos, bem como</p><p>benefícios sociais absurdos para empregados inexistentes. “Eu</p><p>repetidamente tive inspetores de impostos — cuja profissão não envolve</p><p>exatamente leitura ampla e um bom conhecimento do mundo literário —</p><p>me dizendo quais livros comprar para fazer melhorar minha obra literária”,</p><p>reclamou o escritor Per Erik Wahlund.495</p><p>A atitude mais simpática que os escritores poderiam esperar encontrar</p><p>em suas negociações com as autoridades fiscais suecas foi resumida nestas</p><p>instruções do chefe do novo Departamento de Orçamento: “Claro, os</p><p>escritores devem sempre poder viajar se isso aumentar o valor de seus</p><p>livros. Quanto a mim, o livro que escrevi em casa acabou sendo tão bom</p><p>quanto se eu tivesse viajado para Londres ou Paris.” O livro em questão foi</p><p>uma obra de sociologia. Em resposta, o escritor Anderz Harning retrucou:</p><p>“Os tribunais fiscais não são de forma alguma inspirados por um grande</p><p>amor pela justiça, como você supõe. Pelo contrário, quando se trata de</p><p>despesas com viagens com o objetivo de gerar renda, os tribunais e os</p><p>auditores são influenciados por pensamentos puramente emocionais.”</p><p>Consequentemente, viagens para destinos tropicais foram classificadas</p><p>como viagens não dedutíveis por uma questão de princípio, enquanto uma</p><p>viagem para o Afeganistão no meio do inverno mais intenso seria sempre</p><p>classificada como dedutível. Harning acrescentou que — de acordo com a</p><p>exigência de utilizar o meio de transporte mais barato para qualquer viagem</p><p>de negócios — ele foi aconselhado pelas autoridades fiscais a viajar de</p><p>Chipre a Beirute de trem em vez de avião.496</p><p>Ao chamar a atenção do público para as maneiras pelas quais o regime</p><p>tributário sueco procurava controlar todos os aspectos de suas vidas</p><p>profissionais e denunciar publicamente a burocracia tributária, os escritores</p><p>finalmente conseguiram fazer o que a comunidade empresarial não</p><p>conseguiu, através dos seus protestos vociferantes. Esse era o clima</p><p>predominante no modelo sueco do socialismo, tão admirado pela esquerda</p><p>em todo o mundo durante os anos 1970.</p><p>Como Assar Lindbeck enfatiza em um artigo sobre O Experimento</p><p>Sueco, este “modelo sueco” de impostos muito altos, extensa redistribuição,</p><p>intervenção massiva governamental nos assuntos econômicos, um alto grau</p><p>de regulamentação e a posição dominante dos sindicatos, que eram afiliados</p><p>próximos dos social-democratas, não foi planejado de acordo com um</p><p>grande projeto, mas sim o “resultado de centenas de decisões separadas”.</p><p>Lindbeck acrescenta:</p><p>“Por trás de muitas dessas decisões, no entanto, é possível detectar</p><p>uma visão específica do mundo, como uma firme crença da importância</p><p>dos retornos à escala, a utilidade da intervenção política centralizada na</p><p>vida econômica das empresas e das famílias, e forte desconfiança de</p><p>mercados, incentivos econômicos e empreendedorismo privado não</p><p>incorporados em grandes empresas.”497</p><p>Nas eleições de setembro de 1976, os eleitores suecos penalizaram os</p><p>social-democratas por levarem sua agenda socialista longe demais,</p><p>retirando-os do poder pela primeira vez em mais de 40 anos. Infelizmente, o</p><p>novo governo centrista não</p><p>teve coragem para uma reviravolta radical, visto</p><p>que a visão específica do mundo citada por Lindbeck estava profundamente</p><p>enraizada na sociedade sueca muito além da esquerda política. O novo</p><p>governo continuou a aumentar a dívida pública para esquemas de criação de</p><p>empregos no setor público e generosamente concedeu subsídios ao setor</p><p>privado. No entanto, isso apenas escondeu o problema do desemprego, ao</p><p>mesmo tempo em que falhou em resolver suas causas subjacentes. As</p><p>principais indústrias foram nacionalizadas e setores inteiros da economia</p><p>socorridos com o dinheiro dos contribuintes.</p><p>Em algumas áreas, os absurdos atingiram proporções quase ridículas.</p><p>Super-petroleiros que não eram mais economicamente viáveis foram</p><p>construídos e estocados com subsídios do governo, apenas para serem</p><p>sucateados com mais dinheiro dos contribuintes. Finalmente, toda a</p><p>indústria naval foi nacionalizada. Ao todo, o resgate da indústria de</p><p>construção naval custou aos contribuintes suecos o equivalente a cerca de</p><p>US$ 12 bilhões.498 “Mesmo quando a Suécia foi atingida pela pior crise</p><p>econômica desde a Segunda Guerra Mundial, o generoso estado de bem-</p><p>estar e a política de pleno emprego não foram questionados, mas seguidos</p><p>com mais tenacidade do que nunca.”499</p><p>Muitas extrapolações do estado de bem-estar social eram igualmente</p><p>absurdas, incluindo a generosa licença médica. Além dos pagamentos</p><p>legais, a maioria dos empregados na Suécia recebia uma licença médica</p><p>adicional através de acordos empresariais e dos seus acordos coletivos, o</p><p>que significava que quem tirava licença médica acabava com um salário</p><p>mais elevado do que uma pessoa saudável que vinha trabalhar todos os dias.</p><p>Sem grande surpresa, a Suécia manteve o recorde da OCDE para a taxa</p><p>mais alta de adultos que não trabalhavam por várias décadas.500 Também</p><p>sem surpresa, os picos na taxa de absenteísmo por doença frequentemente</p><p>coincidiam com grandes eventos esportivos. Mesmo durante a Copa do</p><p>Mundo de 2002 — época em que as reformas já haviam revertido as piores</p><p>extrapolações —, o número de licenças médicas aumentou 41% entre os</p><p>trabalhadores do sexo masculino.501</p><p>O retorno dos social-democratas ao poder em 1982 marcou o início de</p><p>uma lenta mudança de pensamento. Os erros da maneira sueca de expandir</p><p>o estado de bem-estar social e sufocar o mercado com mais e mais</p><p>regulamentação tornaram-se evidentemente óbvios. Com a dívida nacional</p><p>atingindo níveis tão altos que a política consagrada de incorrer em mais</p><p>dívidas para criar novos empregos no serviço público simplesmente se</p><p>tornou insustentável, a nova política do Partido Social-Democrata de</p><p>“crescimento antes de redistribuição” focou no fortalecimento da</p><p>capacidade de exportação em vez de experimentos socialistas.</p><p>A recusa de muitos social-democratas em abandonar sua ideologia levou</p><p>a protestos, tanto dentro do partido quanto dos sindicatos, contra as políticas</p><p>mais pragmáticas do ministro das finanças Kjell-Olof Feldt. Seu governo</p><p>tentou garantir o consentimento para os cortes necessários nos gastos com o</p><p>bem-estar social ao aumentar simultaneamente os impostos para os que</p><p>ganham mais. Mas, enquanto as políticas governamentais visavam a livrar o</p><p>país dos piores excessos do estado de bem-estar, os sindicatos tentaram</p><p>impor a introdução de “fundos dos trabalhadores”, o que tornaria</p><p>obrigatório para as empresas colocarem uma grande parte de seus lucros à</p><p>disposição dos sindicatos. “Os instigadores desses fundos dos trabalhadores</p><p>estavam cientes e não se preocuparam em negar que eles constituíam um</p><p>ataque aos princípios básicos do capitalismo.”502</p><p>A intenção por trás dos fundos era desapropriar progressivamente as</p><p>empresas suecas de seus proprietários privados e transferi-las para o</p><p>controle dos sindicatos. Pelos cálculos, após 20 anos, uma em cada três</p><p>empresas seria propriedade dos fundos, abrindo caminho para o eventual</p><p>desaparecimento da iniciativa privada da economia sueca.503</p><p>No entanto, as pesquisas mostram que a maioria da população se opôs a</p><p>esses fundos. Uma das maiores manifestações da história do país ocorreu</p><p>em protesto contra sua introdução pouco antes da votação no parlamento</p><p>sueco em outubro de 1983. Embora a forma como foram aprovadas em lei</p><p>em 1984 fosse moderada em comparação com o conceito original, em 1992</p><p>os fundos dos trabalhadores já detinham 7% da capitalização de mercado</p><p>total da Suécia. No entanto, após a vitória eleitoral dos partidos centristas,</p><p>os fundos existentes foram dissolvidos e os sociais-democratas mais tarde</p><p>não fizeram nenhuma tentativa de reintroduzir fundos desse tipo.</p><p>Suécia pós-socialista</p><p>A resistência aos proponentes das ideias socialistas ganhou cada vez</p><p>mais ímpeto e, na década de 1990, houve um contra-movimento abrangente</p><p>que — sem questionar fundamentalmente o modelo sueco de altos impostos</p><p>e benefícios sociais abrangentes — eliminou muitas de suas extrapolações.</p><p>Uma grande reforma tributária em 1990/91 reduziu os impostos</p><p>corporativos de 57% (incluindo pagamentos em fundos dos trabalhadores)</p><p>para 30%.504 A receita de ações foi isenta de tributação, enquanto os ganhos</p><p>de capital de ações foram tributados em apenas 12,5%.505</p><p>A taxa marginal máxima de imposto de renda foi fixada em cerca de</p><p>50%, uma redução de 24 a 27 pontos percentuais para a maioria da força de</p><p>trabalho. A proporção de assalariados tributados a uma taxa marginal de</p><p>mais de 50% caiu de mais da metade para apenas 17% pagando imposto de</p><p>renda ao governo central, enquanto a maioria dos assalariados pagava</p><p>apenas imposto de renda municipal. O imposto sobre a fortuna foi reduzido</p><p>de 2% para 1,5%. As reformas também incluíram a introdução de indexação</p><p>para evitar o bracket creep devido à inflação.506</p><p>Esses cortes de impostos foram acompanhados pela abolição de</p><p>exceções especiais e taxas de amortização que levaram ao desvio de</p><p>recursos. O governo também aumentou os impostos indiretos para</p><p>compensar os cortes de impostos diretos. As reformas continuaram nos anos</p><p>seguintes: em 2004, o imposto de propriedade e de adesão de até 30% foi</p><p>eliminado. A abolição do imposto sobre a fortuna, que já tinha sido</p><p>reduzido, entrou em vigor retroativamente a partir de 1º de janeiro de 2007.</p><p>A taxa de imposto corporativo de 30% foi reduzida para 26,3% em 2009 e</p><p>para 22% em 2013. As taxas de imposto sobre a propriedade também foram</p><p>reduzidas substancialmente.507 As reformas posteriores deram aos</p><p>proprietários de empresas e profissionais autônomos a opção de reduzir</p><p>significativamente sua carga tributária, declarando uma parte de seus</p><p>ganhos como ganhos de capital ao invés de renda.508</p><p>A abolição de uma série de isenções simplificou o sistema tributário</p><p>sueco a um ponto em que a maioria dos contribuintes agora apresenta suas</p><p>próprias declarações de imposto de renda sem a assistência de um contador.</p><p>Em 2013, 750.000 residentes suecos usaram o serviço de mensagens de</p><p>texto do governo para revisar e confirmar uma declaração de imposto de</p><p>renda pré-impressa. A grande maioria da população apresentou suas</p><p>declarações de impostos online, com apenas um em cada três residentes</p><p>enviando declarações postais.509</p><p>Em 1992, o governo sueco nomeou uma comissão de acadêmicos</p><p>independentes liderada por Lindbeck para analisar e propor soluções para a</p><p>crise econômica do país. Suas descobertas foram inequívocas: as tentativas</p><p>dos governos anteriores de aliviar a crise resultaram apenas em agravá-la e</p><p>atrasar os ajustes necessários. Em setembro de 1993, o desemprego atingiu</p><p>níveis sem precedentes de cerca de 14% (incluindo o número oficial de 9%,</p><p>bem como os 5% da força de trabalho “engajada em vários tipos de</p><p>programas ativos do mercado de trabalho”).510 Os economistas continuaram</p><p>a demonstrar que o aumento enorme nos gastos do setor público (de 25% do</p><p>PIB em 1950 para 70% em 1992) contribuiu para uma série de questões</p><p>sérias, incluindo “o superaquecimento da economia durante os períodos de</p><p>expansão e [...] déficits orçamentários recorrentes”.511 Especificamente, as</p><p>tentativas dos legisladores suecos nas décadas de 1970 e 1980 de</p><p>evitar o</p><p>alto desemprego ao aumentar o emprego no setor público contribuíram para</p><p>“uma tendência inflacionária brusca”.512</p><p>Para remediar a situação, a comissão deu uma recomendação clara a</p><p>favor do fortalecimento do mercado e da redução do setor público.</p><p>“O que a comissão gostaria de ver em relação ao sistema de mercado</p><p>é nada menos do que a restauração das liberdades de entrada, ocupação</p><p>e profissão que as novas legislações em 1846 e 1864 estabeleceram na</p><p>Suécia. Essas reformas liberais precederam um período de crescimento</p><p>sem precedentes. Porém, durante o século passado, essas liberdades</p><p>foram cada vez mais diluídas por regulamentações e barreiras à</p><p>concorrência, em grande parte devido à influência de diferentes</p><p>interesses especiais de curto prazo.”513</p><p>As reformas vigorosas implementadas durante a década de 1990</p><p>forneceram correções para alguns desenvolvimentos prejudiciais, incluindo</p><p>cortes no seguro-desemprego de 90% para 80% e a introdução de um</p><p>período de espera de cinco dias.514 Entre 1993 e 2000, os gastos sociais</p><p>caíram de 22,2% para 16,9% do PIB, subsídios econômicos de 8,7% para</p><p>1,8% e despesas com folha de pagamento do setor público de 18,2% para</p><p>15,6%.515</p><p>Um dos aspectos mais admiráveis dessas reformas foi a adesão da</p><p>Suécia a uma disciplina orçamentária rígida, mesmo durante os difíceis</p><p>anos da crise financeira, quando a dívida pública inflou em todos os outros</p><p>lugares.516 Entre 1990 e 2012, os gastos do governo caíram de 61,3% para</p><p>52,0% do PIB, atrás apenas da Noruega, que registrou uma queda ainda</p><p>mais drástica de 54,0% para 43,2% do PIB no mesmo período. A conquista</p><p>sueca é ainda mais notável em comparação com o aumento de 2,5% em</p><p>toda a OCDE nos gastos do governo em relação ao PIB (3,2% nos EUA e</p><p>espantosos 11,3% no Japão).517</p><p>A população sueca parecia disposta a aceitar que a retirada do sistema de</p><p>bem-estar social resultou em um declínio mais drástico na igualdade do que</p><p>em qualquer outro lugar do mundo. O coeficiente de Gini, que mede a</p><p>distribuição de renda, cresceu cerca de 30% entre meados dos anos 1980 e o</p><p>final dos anos 2000. Apenas a Nova Zelândia registrou um crescimento</p><p>semelhante na desigualdade durante o mesmo período.518 A Suécia perdeu</p><p>sua classificação como o país mais igualitário do mundo há muito tempo —</p><p>atualmente está em 12º lugar, logo atrás da Bielo-Rússia.</p><p>Embora a sociedade sueca possa ter se tornado um pouco menos</p><p>igualitária, essa classificação também prova que o estado de bem-estar</p><p>social sueco ainda está vivo e em plena atividade. Os dados citados pelo</p><p>economista francês Thomas Piketty como evidência de sua afirmação de</p><p>que a desigualdade aumentou drasticamente519 baseiam-se em uma</p><p>distorção dos números reais. Simplificando, ele analisou seletivamente os</p><p>dados dos anos que mais se adequavam aos seus propósitos, escolhendo os</p><p>anos mais igualitários registrados para as décadas de 1980 e 1990 e, em</p><p>seguida, apresentando dados para os anos 2010 que parecem não estar</p><p>relacionados a qualquer fonte verificável, como mostraram os economistas</p><p>suecos Malin Sahlén e Salim Furth.520 Como os dois autores comentam</p><p>asperamente, os cálculos de Piketty são “obviamente muito úteis para</p><p>debatedores que desejam ver um imposto de propriedade restabelecido ou</p><p>um imposto sobre a riqueza e sobre a propriedade”.521</p><p>O que a Suécia realmente precisa é exatamente o oposto — reformas</p><p>pró-mercado de maior alcance. Como Sanandaji argumenta, a Suécia está</p><p>entre uma série de Estados de bem-estar social europeus que não são muito</p><p>bons na integração de novos imigrantes no mercado de trabalho. Nos EUA,</p><p>onde os benefícios de bem-estar são muito mais limitados, a taxa de</p><p>emprego é mais alta em 4% para os estrangeiros do que para os residentes</p><p>nativos — na Suécia, é mais baixa em 15%.522 Na Suécia, os imigrantes</p><p>com alto nível de escolaridade são 8% mais prováveis de estar</p><p>desempregados do que residentes nativos com baixo nível de escolaridade.</p><p>Nos EUA, o desemprego entre os imigrantes com alto nível de educação é</p><p>apenas 1% maior do que entre os residentes nativos com alto nível de</p><p>escolaridade.523</p><p>Entre outras razões, o estado de bem-estar social sueco oferece até</p><p>mesmo aos migrantes desempregados um padrão de vida muito mais alto do</p><p>que em seus países de origem. Durante a crise de refugiados de 2015, os</p><p>países com sistemas de bem-estar abrangentes lideraram a lista dos destinos</p><p>mais populares para refugiados e outros migrantes. A Suécia, que,</p><p>juntamente com a Alemanha, inicialmente acolheu grande número de</p><p>migrantes, teve que introduzir mudanças em suas leis de imigração</p><p>excessivamente generosas em 2016.</p><p>A desastrosa escassez de moradias causada pela legislação sueca de</p><p>controle de aluguéis agrava ainda mais os problemas. Embora esteja</p><p>afetando desproporcionalmente os migrantes de baixa renda, também está</p><p>afetando a economia. Em 2016, os fundadores da gigante sueca de</p><p>tecnologia Spotify ameaçaram transferir postos de trabalho para outro lugar</p><p>se o governo não tomasse medidas urgentes para enfrentar a crise</p><p>imobiliária. De acordo com um relatório do Neue Zürcher Zeitung, a falta</p><p>de moradias adequadas para os funcionários já havia forçado uma start-up</p><p>alemã a abandonar os planos de um novo escritório em Estocolmo em</p><p>2015.524</p><p>Apesar dessas questões, as perspectivas econômicas gerais para a Suécia</p><p>são muito positivas. Com forte crescimento econômico, a Suécia é um dos</p><p>poucos países que atualmente atendem aos rígidos critérios de adesão à</p><p>zona do euro — aos quais a maioria dos suecos se opõe, por um bom</p><p>motivo. Embora a Suécia contemporânea permaneça um estado de bem-</p><p>estar tradicional em alguns aspectos (por exemplo, tem taxas de impostos</p><p>comparativamente altas), governos sucessivos desde o início da década de</p><p>1990 têm escolhido de forma consistente mais liberdade em vez de mais</p><p>igualdade, mais mercado em vez de mais Estado. Após o óbvio fracasso da</p><p>experiência socialista, o equilíbrio entre capitalismo e socialismo mudou</p><p>em direção ao capitalismo.</p><p>-</p><p>466 Heritage Foundation, 2018 Index of Economic Freedom, 3–7.</p><p>467 Os dados seguintes são citados do Heritage Foundation, 2017 Index of Economic Freedom,</p><p>287.</p><p>468 Nima Sanandaji, Debunking Utopia: Exposing the Myth of Nordic Socialism (Washington,</p><p>DC: WND Books, 2016), 104.</p><p>469 Ibid., 88.</p><p>470 Ibid., 89.</p><p>471Ibid., 94.</p><p>472 Assar Lindbeck, “The Swedish Experiment”, Journal of Economic Literature 35, no. 3 (1997),</p><p>1285.</p><p>473 Sanandaji, Debunking Utopia, 95.</p><p>474 Philip Mehrtens, Staatsschulden und Staatstätigkeit: Zur Transformation der politischen</p><p>Ökonomie Schwedens (Frankfurt: Campus Verlag, 2014), 80.</p><p>475 Sanandaji, Debunking Utopia, 38.</p><p>476Ibid., 63.</p><p>477 Ibid., 64–66.</p><p>478 Mehrtens, Staatsschulden und Staatstätigkeit, 82.</p><p>479 Lindbeck, “The Swedish Experiment”, 1274–1275.</p><p>480 Mehrtens, Staatsschulden und Staatstätigkeit, 91.</p><p>481 Lindbeck, “The Swedish Experiment”, 1279.</p><p>482 Mehrtens, Staatsschulden und Staatstätigkeit, 92.</p><p>483 Ibid., 93–94.</p><p>484Ibid., 96.</p><p>485 See Rüdiger Jungbluth, Die elf Geheimnisse des IKEA-Erfolges (Bergisch Gladbach: Bastei</p><p>Lübbe (Bastei Verlag), 2008), 63 et seq.</p><p>486 Ibid., 85.</p><p>487 Citado em ibid., 85.</p><p>488 Ibid.</p><p>489 Citado em Daniel Hammarberg, The Madhouse: A Critical Study of Swedish Society (Daniel</p><p>Hammarberg, 2011), 430–431.</p><p>490 Citado em Henrik Berggren, Underbara dagar framför oss: En biografi över Olof Palme</p><p>(Stockholm: Norstedt, 2010), 540.</p><p>491 As passagens seguintes são citadas do ibid., 540–541.</p><p>492 Ibid., 540.</p><p>493 Ibid., 541.</p><p>494 Jacob Sundberg, “Die schwedische Hochsteuergesellschaft: Eine Herausforderung an den</p><p>Rechtsstaat”, em Lothar Bossle and Gerhard Radnitzky, Selbstgefährdung der offenen Gesellschaft</p><p>(Würzburg: Naumann, 1982), 180.</p><p>495Ibid., 181.</p><p>496 Ibid., 181 et seq.</p><p>497 Lindbeck, “The Swedish Experiment”, 1275.</p><p>498 Mehrtens, Staatsschulden und Staatstätigkeit, 99.</p><p>499Ibid., 100.</p><p>500 Ibid., 180.</p><p>501 Sanandaji, Debunking Utopia, 134.</p><p>502 Mehrtens, Staatsschulden und Staatstätigkeit, 117.</p><p>503 Ibid.</p><p>504 Ibid., 128.</p><p>505 Ibid., 149.</p><p>506Ibid., 128.</p><p>250 anos.22 A expectativa de vida</p><p>global quase triplicou no mesmo curto período de tempo (em 1820, era de</p><p>apenas 26 anos).</p><p>Nada disso aconteceu por causa de um aumento repentino na</p><p>inteligência humana ou na indústria. Aconteceu porque o novo sistema</p><p>econômico que surgiu nos países ocidentais cerca de 200 anos atrás se</p><p>mostrou superior a qualquer outro antes ou depois: o capitalismo. Foi esse</p><p>sistema baseado em propriedade privada, empreendedorismo, preço justo e</p><p>competição que tornou possíveis os avanços econômicos e tecnológicos</p><p>sem precedentes dos últimos 250 anos. Um sistema que, apesar de todos os</p><p>seus sucessos, ainda é novo e vulnerável.</p><p>-</p><p>1 Zhang Weiying, The Logic of the Market: An Insider’s View of Chinese Economic Reform</p><p>(Washington, DC: Cato Institute, 2015), 12.</p><p>2 Friedrich August von Hayek, The Constitution of Liberty: The Definitive Edition (Chicago:</p><p>University of Chicago Press, 2011), 111.</p><p>3 Ibid., 117.</p><p>4 Ver Capítulo 8.</p><p>5 Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Lectures on the Philosophy of History (London: George Bell</p><p>and Sons, 1902), 19.</p><p>6 Ver Hollander, Paul. From Benito Mussolini to Hugo Chavez: Intellectuals and a Century of</p><p>Political Hero Worship. Cambridge: Cambridge University Press, 2016, 253–259, para exemplos de</p><p>adulação de Chávez entre os principais intelectuais.</p><p>7 Thomas Mayer, Die neue Ordnung des Geldes. Warum wir eine Geldreform brauchen, 3rd ed.</p><p>(Munich: FinanzBuch Verlag, 2015), 228.</p><p>8 Essas descobertas são citadas em Samuel Gregg, Becoming Europe: Economic Decline, Culture,</p><p>and How America Can Avoid a European Future (New York: Encounter Books, 2013), 266 et seq.</p><p>9 Cal Thomas, “Millennials Are Clueless about Socialism (Call It the ‘Bernie Sanders effect’),”</p><p>Fox News Opinion (20 October 2016), acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>www.foxnews.com/opinion/2016/10/20/millennials-are-clueless-about-socialism-call-it-</p><p>berniesanders-effect.html.</p><p>10 Bernie Sanders, Our Revolution: A Future to Believe In (New York: Thomas Dunne Books,</p><p>2016), 265, emphasis in original.</p><p>11 Klaus Schroeder e Monika Deutz-Schroeder, Gegen Staat und Kapital – für die Revolution!</p><p>Linksextremismus in Deutschland: Eine empirische Studie (Frankfurt: Peter Lang / Internationaler</p><p>Verlag der Wissenschaften, 2015), 568.</p><p>12 Ibid., 574–575.</p><p>13 Ibid., 580–581.</p><p>14 Thomas Piketty, Capital in the Twenty-First Century (Boston: Harvard University Press,</p><p>2014), 41.</p><p>15 Ibid., 42.</p><p>16 Ibid., 20</p><p>17 Para mais detalhes, ver Jean-Philippe Delsol, Nicholas Lecaussin and Emmanuel Martin, eds.,</p><p>Anti-Piketty: Capital for the 21st Century (Washington, DC: Cato Institute, 2017).</p><p>18 Ver Tom G. Palmer, “Foreword,” em Anti-Piketty: Capital for the 21st Century, editado por</p><p>Jean-Philippe Delsol, Nicholas Lecaussin e Emmanuel Martin (Washington, DC: Cato Institute,</p><p>2017), xv.V</p><p>19 Kristian Niemietz, “Der Mythos vom Globalisierungsverlierer: Armut im Westen,” em Das</p><p>Ende der Armut: Chancen einer globalen Marktwirtschaft, editado por Christian Hoffmann e Pierre</p><p>Bessard (Zürich: Liberales Institut Zürich, 2012), 152.</p><p>20 Ver Jean-Philippe Delsol, “The Great Process of Equalization of Conditions,” em Anti-Piketty:</p><p>Capital for the 21st Century, editado por Jean-Philippe Delsol, Nicholas Lecaussin e Emmanuel</p><p>Martin (Washington, DC: Cato Institute, 2017), 8–9.</p><p>21 Karl Marx, A Contribution to the Critique of Political Economy, traduzido por S. W.</p><p>Ryazanskaya (Moscow: Progress Publishers, 1859), 15.</p><p>22 Conforme calculado pelo economista da Universidade da Califórnia J. Bradford DeLong,</p><p>citado em Zhang, The Logic of the Market, 24–25.</p><p>P</p><p>CAPÍTULO 1</p><p>CHINA:</p><p>DA FOME AO MILAGRE ECONÔMICO</p><p>or milênios, a China sofreu fome após fome. Hoje, quase todo mundo</p><p>tem o que comer e, em 2016, a China ultrapassou os EUA e a</p><p>Alemanha e se tornou a maior exportadora mundial.</p><p>No final do século XIX e início do século XX, 100 milhões de pessoas</p><p>morreram de fome na China. Embora essas fomes tenham sido causadas por</p><p>desastres naturais, o que se seguiu durante a segunda metade do século XX</p><p>foi uma crise provocada pelo homem e com motivação política. Após sua</p><p>ascensão ao poder em 1949, Mao Zedong queria transformar a China em</p><p>um exemplo brilhante de socialismo. No final de 1957, ele proclamou o</p><p>Grande Salto Adiante como um atalho para o suposto paraíso dos</p><p>trabalhadores. De acordo com Mao, a China seria capaz de ultrapassar o</p><p>Reino Unido em 15 anos, provando assim, de uma vez por todas, que o</p><p>socialismo era superior ao capitalismo. Por meio do jornal oficial do Partido</p><p>Comunista, a população foi informada do plano de “ultrapassar todos os</p><p>países capitalistas em um tempo relativamente curto e se tornar um dos</p><p>países mais ricos, avançados e poderosos do mundo”.23</p><p>A grande fome</p><p>A experiência socialista mais ambiciosa da história começou com</p><p>dezenas de milhões de fazendeiros em todo o país sendo forçados a</p><p>trabalhar em projetos de irrigação enormes sem descanso ou comida</p><p>suficientes. Logo, um em cada seis chineses estava ocupado cavando para</p><p>projetos de construção de barragens e canais em grande escala.24 A remoção</p><p>de uma grande parte da força de trabalho agrícola foi uma das várias razões</p><p>para a fome que começou a se espalhar pela China. Os oficiais do partido</p><p>foram cruéis em seus esforços para obter resultados: os moradores foram</p><p>amarrados por roubar vegetais ou esfaqueados até a morte por não</p><p>trabalharem o suficiente. Camponeses recalcitrantes foram enviados para</p><p>campos de trabalho. Patrulhas militares armadas com chicotes percorriam</p><p>as aldeias para garantir que todos trabalhassem o máximo que pudessem.25</p><p>Na época, a agricultura era a principal fonte de renda na China e os</p><p>camponeses constituíam a maior parte da população do país. Durante o</p><p>Grande Salto Adiante, a propriedade privada de qualquer tipo foi abolida, e</p><p>os camponeses foram forçados a deixar suas propriedades e viver em</p><p>barracas semelhantes a fábricas com até 20.000 concidadãos em sofrimento.</p><p>Em toda a China, havia 24.000 desses coletivos ou “comunas populares”</p><p>com uma média de 8.000 membros.</p><p>O próprio Mao editou — e elogiou como um “grande tesouro” — o</p><p>estatuto da primeira comuna em Henan, que obrigava todas as 9.369</p><p>famílias a “entregar inteiramente seus terrenos privados, [...] suas casas,</p><p>animais e árvores” e viver em dormitórios “de acordo com os princípios de</p><p>beneficiamento de produção e controle”. As casas deveriam ser</p><p>“desmanteladas [...] se a comuna precisar de tijolos, telhas ou madeira”.26</p><p>Mao chegou a considerar “substituir (os nomes das pessoas) por</p><p>números. Em Henan e em outras áreas, os camponeses trabalhavam nos</p><p>campos com um número costurado nas costas. Os camponeses não só foram</p><p>proibidos de comer em casa, mas suas woks e seus fogões foram</p><p>destruídos.” Em vez disso, a comida era servida em cantinas, que às vezes</p><p>ficavam “a horas de caminhada de onde as pessoas viviam ou trabalhavam”,</p><p>obrigando-as a “mudar-se para o local da cantina”, onde “viviam como</p><p>animais, amontoados em qualquer espaço disponível, sem privacidade ou</p><p>vida familiar”.27 Todas as manhãs, as brigadas de trabalhadores marchariam</p><p>para os campos de batalha da produção sob bandeiras vermelhas e slogans</p><p>motivacionais soando dos alto-falantes.</p><p>Este experimento resultou no que foi provavelmente a pior fome — e,</p><p>definitivamente, a pior fome causada pelo homem — da história humana.</p><p>Com base em números oficiais, o demógrafo chinês Cao Shuji estima que</p><p>cerca de 32,5 milhões de pessoas morreram de fome em toda a China no</p><p>período entre 1958 e 1962. De acordo com seus cálculos, a província de</p><p>Anhui foi a que mais sofreu, com um número total de mortos de mais de 6</p><p>milhões, ou mais de 18% da população, seguido por Sichuan, onde 13% da</p><p>população (9,4 milhões de pessoas) pereceram.28</p><p>Com base nas análises realizadas pelo serviço de segurança chinês e nos</p><p>extensos relatórios confidenciais publicados pelos comitês do partido</p><p>durante os meses finais do Grande Salto Adiante, o historiador alemão</p><p>Frank Dikötter chega a uma estimativa significativamente mais alta de</p><p>cerca de 45 milhões de pessoas em toda a China</p><p>507 Frank Bandau, “Soziale Ungleichheit im sozialdemokratischen Musterland Schweden”,</p><p>Verteilungsfrage (30 de Março de 2016), acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>http://verteilungsfrage.org/2016/03/soziale-ungleichheit-im-sozialdemokratischen-musterland-</p><p>schweden; Mehrtens, Staatsschulden und Staatstätigkeit, 174 and 193.</p><p>508 Mehrtens, Staatsschulden und Staatstätigkeit, 194.</p><p>509 “Für deutsche Ohren mag es nach Überwachungsstaat klingen”, Süddeutsche Zeitung (10 de</p><p>Setembro de 2014), acessado em 20 de Junho de 2018, www.sueddeutsche.de/wirtschaft/schweden-</p><p>steuererklaerung-per-sms-1.1728167–2.</p><p>510 Assar Lindbeck, Per Molander, Torsten Persson, Olof Petersson, Agnar Sandmo, Birgitta</p><p>Swedenborg and Niels Thygesen, Turning Sweden Around (Cambridge, MA: MIT Press, 1994), 2–4.</p><p>511 Ibid., 5.</p><p>512 Ibid., 207.</p><p>513Ibid., 206.</p><p>514 Mehrtens, Staatsschulden und Staatstätigkeit, 150.</p><p>515 Ibid., 183.</p><p>516 Ibid., 195.</p><p>517 “Staatsquote im internationalen Vergleich” (2012), acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>https://www.tu-chemnitz.de/wirtschaft/vwl2/downloads/material/Staatsquote_2012.pdf.</p><p>518 Bandau, “Soziale Ungleichheit”.</p><p>519 See Piketty, Capital in the Twenty-First Century, 344.</p><p>520 Malin Sahlén and Salim Furth, “Piketty Is Misleading about the Swedish Case”, em Anti-</p><p>Piketty: Capital for the 21st Century, editado por Jean-Philippe Delsol, Nicholas Lecaussin and</p><p>Emmanuel Martin (Washington, DC: Cato Institute, 2017), 97–100.</p><p>521 Ibid., 97.</p><p>522 Sanandaji, Debunking Utopia, 151.</p><p>523Ibid., 157.</p><p>524 Rudolf Hermann, “Finanzministerin Blind im ‘Budget-Maserati’”, Neue Zürcher Zeitung (14 de</p><p>Abril de 2016), acessado em 20 de Junho de 2018,</p><p>https://www.nzz.ch/wirtschaft/wirtschaftspolitik/kraeftiges-wirtschaftswachstumschweden-auf-der-</p><p>ueberholspur-ld.13596.</p><p>L</p><p>CAPÍTULO 8</p><p>LIBERDADE ECONÔMICA AUMENTA O</p><p>BEM-ESTAR DOS SERES HUMANOS</p><p>evando em consideração tudo o que aprendemos nos primeiros sete</p><p>capítulos deste livro, uma coisa se torna absolutamente clara: a vida</p><p>das pessoas é muito melhor onde há mais liberdade econômica. A</p><p>população da Coreia do Sul está se saindo melhor do que seus vizinhos do</p><p>outro lado da fronteira, na Coreia do Norte; a vida era muito melhor na</p><p>República Federal da Alemanha do que jamais foi na República</p><p>Democrática Alemã; os chilenos estão em uma melhor situação do que os</p><p>venezuelanos. A expansão das liberdades econômicas por meio de reformas</p><p>de livre mercado — na China sob Deng Xiaoping, no Reino Unido sob</p><p>Margaret Thatcher e nos EUA sob Ronald Reagan — aumentou a</p><p>prosperidade econômica para a maioria dos cidadãos em cada um desses</p><p>países.</p><p>Existem duas maneiras diferentes de abordar a questão relacionada com</p><p>a prosperidade das pessoas. Quem promove mais essa prosperidade: a</p><p>intervenção do Estado ou maior liberdade de mercado? Você pode fazer</p><p>uma abordagem teórica e discutir as vantagens e desvantagens dos</p><p>diferentes sistemas econômicos. Ou você pode adotar uma abordagem mais</p><p>prática e determinar qual sistema funciona melhor na prática. A qualquer</p><p>momento, uma série de experimentos sociais estão sendo conduzidos em</p><p>todo o mundo, alguns dos quais são descritos nesse livro. O resultado tem</p><p>sido constantemente o mesmo: uma economia planejada e uma severa</p><p>intervenção estatal sempre levam a resultados piores do que uma economia</p><p>de mercado. Isso é verdade não apenas para os países descritos nesse livro,</p><p>mas de maneira geral, conforme demonstrado pelo Índice de Liberdade</p><p>Econômica, que tem sido compilado pela Heritage Foundation todos os</p><p>anos desde 1995.</p><p>O índice, publicado mais recentemente em fevereiro de 2018, mede e</p><p>classifica a liberdade econômica em 180 países. O Índice de Liberdade</p><p>Econômica também pode ser descrito como um índice do capitalismo, como</p><p>aponta o sociólogo Erich Weede.525 Uma relação nítida entre capitalismo e</p><p>prosperidade pode ser encontrada mesmo dando apenas uma breve olhada</p><p>no índice.</p><p>De acordo com o Índice de 2018, os 25 países mais economicamente</p><p>livres são:</p><p>1. Hong Kong</p><p>2. Singapura</p><p>3. Nova Zelândia</p><p>4. Suíça</p><p>5. Austrália</p><p>6. Irlanda</p><p>7. Estônia</p><p>8. Reino Unido</p><p>9. Canadá</p><p>10. Emirados Árabes Unidos</p><p>11. Islândia</p><p>12. Dinamarca</p><p>13. Taiwan</p><p>14. Luxemburgo</p><p>15. Suécia</p><p>16. Georgia</p><p>17. Holanda</p><p>18. Estados Unidos</p><p>19. Lituânia</p><p>20. Chile</p><p>21. Maurício</p><p>22. Malásia</p><p>23. Noruega</p><p>24. República Checa</p><p>25. Alemanha</p><p>Os 20 países menos livres economicamente são:</p><p>161. Sudão</p><p>162. Chade</p><p>163. República Centro-Africana</p><p>164. Angola</p><p>165. Equador</p><p>166. Suriname</p><p>167. Timor-Leste</p><p>168. Togo</p><p>169. Turquemenistão</p><p>170. Moçambique</p><p>171. Djibouti</p><p>172. Argélia</p><p>173. Bolívia</p><p>174. Zimbabué</p><p>175. Guiné Equatorial</p><p>176. Eritreia</p><p>177. República do Congo</p><p>178. Cuba</p><p>179. Venezuela</p><p>180. Coreia do Norte</p><p>É claro que o grau de liberdade econômica, conforme medido</p><p>atualmente, não é o único fator que contribui para a prosperidade de um</p><p>país. Por exemplo, é lógico que países como a Estônia, Letônia e Lituânia,</p><p>que só foram capazes de estabelecer sistemas econômicos de mercado uma</p><p>vez que saíram do regime comunista no início da década de 1990, sejam</p><p>menos prósperos do que Canadá, Suíça ou Reino Unido, países com</p><p>tradições muito longas de liberdade econômica. Além disso, este livro</p><p>mostrou repetidamente que outros critérios desempenham um papel</p><p>importante. Isso inclui fatores culturais, como o compromisso da sociedade</p><p>com o trabalho e a educação.</p><p>É impossível medir a liberdade econômica com base em apenas dois ou</p><p>três indicadores. Por exemplo, a Suécia ocupa o 15º lugar geral no índice de</p><p>2018, apesar de ter uma das mais altas cargas tributárias do mundo. Se esse</p><p>fosse o único critério usado para avaliar a liberdade econômica, a Suécia</p><p>ocuparia o quarto posto de baixo para cima (177º) em vez do 15º e seria</p><p>considerada um dos países com menos liberdade econômica do mundo. No</p><p>entanto, em outras áreas, o país tem uma pontuação elevada e chega bem</p><p>perto do topo do índice. Em termos de liberdade de negócios, a Suécia</p><p>ocupa a 11ª posição; para direitos de propriedade, o país garante o 3º</p><p>lugar.526</p><p>O índice usa 12 componentes que são ponderados igualmente para</p><p>determinar o nível de liberdade econômica de cada país.</p><p>Os 12 componentes da liberdade econômica medidos no índice</p><p>Direitos patrimoniais</p><p>Este componente avalia os direitos dos cidadãos de possuir e acumular</p><p>propriedade privada. Os cidadãos podem ter certeza de que sua propriedade</p><p>privada não será desapropriada injustamente? Até que ponto as pessoas têm</p><p>liberdade para concluir e fazer cumprir contratos? Mesmo onde os direitos</p><p>de propriedade privada existem</p><p>formalmente, a liberdade econômica é prejudicada se, de fato, o Estado</p><p>impedir seus cidadãos de disporem de seus ativos como bem entendem. A</p><p>Venezuela, por exemplo, obteve apenas 5,2 de 100 potenciais pontos nesta</p><p>categoria em 2018, enquanto a Suíça marcou 84,2 de 100.527</p><p>Eficácia judicial</p><p>Os cidadãos podem recorrer ao sistema judicial para fazer valer</p><p>efetivamente seus direitos legais? O país é totalmente desenvolvido e regido</p><p>pela lei constitucional? Ou os cidadãos de um país precisam se preocupar</p><p>seriamente em fazer cumprir seus direitos legais porque o Judiciário nem</p><p>sempre é independente?</p><p>Integridade do governo</p><p>A corrupção e o capitalismo clientelista são comuns em certos países da</p><p>África, América Latina, Europa do Sul e do Leste, e têm um grande impacto</p><p>negativo sobre a liberdade econômica. A este respeito, os países</p><p>escandinavos são exemplares — a Suécia, por exemplo, pontua 88,2 de 100,</p><p>enquanto o Zimbabué consegue apenas 18,9 pontos e está classificado em</p><p>175º.528</p><p>Carga tributária</p><p>Os impostos são necessários para financiar serviços e projetos que</p><p>beneficiam a sociedade como um todo. Porém, quanto mais renda o Estado</p><p>tira de empresas e indivíduos, mais a liberdade econômica deles é</p><p>restringida. E não se trata apenas de impostos sobre a renda ou</p><p>corporativos, mas de todos os tipos de impostos, inclusive indiretos, como</p><p>os impostos sobre vendas. É aqui que os países escandinavos, que se saem</p><p>muito bem nas outras categorias, perdem muitos pontos.</p><p>Gastos do governo</p><p>Uma grande parte dos</p><p>que morreram</p><p>prematuramente entre 1958 e 1962. A maioria morreu de fome, enquanto</p><p>outros 2,5 milhões foram torturados ou espancados até a morte.29 “Outras</p><p>vítimas foram deliberadamente privadas de comida e morreram de fome [...]</p><p>Pessoas foram mortas seletivamente porque eram ricas, porque eram</p><p>devagar, porque falavam ou simplesmente porque não eram queridos, por</p><p>qualquer motivo, pelo homem que empunhava a concha na cantina.”30</p><p>Pessoas foram punidas em grande número por expressar críticas. De</p><p>acordo com um relatório do condado de Fengyang, na província de Anhui,</p><p>28.026 pessoas (mais de 12% da população) foram condenadas a punições</p><p>corporais ou tiveram suas porções alimentares reduzidas; 441 morreram</p><p>como consequência, enquanto outros 383 sofreram ferimentos graves.31</p><p>No prefácio de Tombstone, seu estudo investigativo de dois volumes</p><p>sobre a Grande Fome que foi publicado em Hong Kong em 2008 e proibido</p><p>na China, o jornalista e historiador chinês Yang Jisheng lembra: “A fome</p><p>que precedeu a morte foi pior do que a morte em si. Os grãos se foram, as</p><p>ervas selvagens foram todas comidas, até as cascas foram arrancadas das</p><p>árvores, e excrementos de pássaros, ratos e algodão foram usados para</p><p>encher estômagos. Nos campos de argila de caulim, pessoas famintas</p><p>mastigavam a argila enquanto a cavavam”.32</p><p>Havia casos frequentes de canibalismo. No início, os aldeões</p><p>desesperados só comiam cadáveres de animais, mas logo começaram a</p><p>desenterrar vizinhos mortos para cozinhar e comer. Carne humana era</p><p>vendida no mercado negro junto com outros tipos de carne.33 Um estudo</p><p>compilado — e imediatamente suprimido — após a morte de Mao para o</p><p>condado de Fengyang “registrou sessenta e três casos de canibalismo</p><p>apenas na primavera de 1960, incluindo o de um casal que estrangulou e</p><p>comeu seu filho de oito anos”.34</p><p>Vítima de seu próprio reinado de terror, a liderança do Partido</p><p>Comunista preferiu levar em conta os falsos relatórios de colheitas</p><p>fenomenais apresentados pelas comunas populares. As comunas que</p><p>apresentaram cifras realistas receberam bandeiras brancas como forma de</p><p>punição por falta de zelo revolucionário, acusadas de mentir e submetidas à</p><p>violência. Nos anos anteriores, os camponeses haviam apresentado</p><p>relatórios falsos em alguns casos, em um ato de rebeldia contra os aumentos</p><p>de impostos dos grãos. Depois disso, qualquer pessoa que alegasse não ter o</p><p>suficiente para comer era considerada inimiga da revolução socialista e</p><p>agente do capitalismo. Simplesmente afirmar “estou com fome” tornou-se</p><p>um perigoso ato de insurgência.35</p><p>Fugir para um lugar que ainda tinha comida era proibido, levando a uma</p><p>situação que era “pior do que sob a ocupação japonesa” (1937-1945), de</p><p>acordo com um relato de testemunha ocular: “Mesmo quando os japoneses</p><p>vieram [...] nós podíamos fugir. (Agora) estamos simplesmente trancados</p><p>para morrer em casa. Minha família tinha seis membros e quatro</p><p>morreram.” Os quadros do partido também tinham o trabalho de impedir</p><p>que as pessoas “roubassem” sua própria comida. Punições horríveis eram</p><p>comuns; algumas pessoas foram enterradas vivas, outras estranguladas com</p><p>cordas, outras tiveram os narizes cortados. Em uma vila, quatro crianças</p><p>aterrorizadas foram salvas de serem enterradas vivas por terem pego</p><p>algumas comidas apenas quando a terra estava em suas cinturas, após</p><p>apelos desesperados de seus pais. Em outra aldeia, uma criança teve quatro</p><p>dedos decepados por tentar roubar um pedaço de comida não madura.</p><p>Brutalidade desse tipo surge em praticamente todos os relatos deste período,</p><p>em todo o país.36</p><p>De acordo com a propaganda oficial do governo, a economia chinesa</p><p>estava crescendo cada vez mais, constantemente alcançando resultados</p><p>recordes em todos os setores e apresentando provas convincentes da</p><p>superioridade inerente do sistema socialista. Mao era particularmente</p><p>obcecado pela produção de aço como medida do progresso do socialismo, a</p><p>ponto de memorizar os volumes de produção de aço alcançados por quase</p><p>todos os outros países e estabelecer metas irrealistas em suas tentativas de</p><p>superá-los. Em 1957, a China produziu 5,35 milhões de toneladas de aço.</p><p>Em janeiro de 1958, o governo estabeleceu uma meta de 6,2 milhões de</p><p>toneladas, que quase dobrou para 12 milhões de toneladas em setembro do</p><p>mesmo ano.37</p><p>Na época, o aço chinês era amplamente produzido em pequenos altos-</p><p>fornos (muitos dos quais não funcionavam adequadamente e produziam</p><p>materiais inadequados para o propósito) operados por moradores nos</p><p>quintais de comunas agrícolas. Pilhas de lingotes de ferro feitas por</p><p>comunas rurais, que eram muito pequenas e frágeis para serem usadas em</p><p>laminadores modernos, eram uma visão familiar em toda a China.38</p><p>Isso levou a cenas absurdas acontecendo em todo o país, com quadros</p><p>do partido indo de porta em porta para confiscar equipamentos domésticos e</p><p>agrícolas. “Ferramentas agrícolas, até mesmo vagões de água, foram</p><p>retirados e derretidos, assim como utensílios de cozinha, maçanetas de ferro</p><p>e grampos de cabelo femininos. O slogan do regime era: ‘Entregar uma</p><p>picareta é eliminar um imperialista, e esconder um prego é esconder um</p><p>contra-revolucionário.’”39</p><p>Qualquer pessoa que não conseguisse reunir o nível necessário de</p><p>entusiasmo era “abusada verbalmente, empurrada ou amarrada e exibida”</p><p>em público.40 Especialistas que defendiam a razão e a moderação foram</p><p>perseguidos. “Mao definiu o tom para desmerecer a racionalidade dizendo</p><p>que o ‘conhecimento do professor burguês deve ser tratado como um peido</p><p>de cachorro, que não vale nada, merecendo apenas desdém, escárnio,</p><p>desprezo’.”41</p><p>No final de dezembro de 1958, o próprio Mao foi forçado a admitir para</p><p>seu círculo interno que “apenas 40 por cento é bom aço”, todos</p><p>provenientes de usinas siderúrgicas, enquanto os fornos de quintal haviam</p><p>produzido 3 milhões de toneladas de aço inutilizáveis — “um enorme</p><p>desperdício de recursos e mão de obra (que) desencadeou mais perdas”.42</p><p>Apesar do fato de que um número crescente de camponeses foi</p><p>recrutado para irrigação em grande escala e projetos de produção de aço em</p><p>vez de trabalhar na terra, as comunas agrícolas continuaram a relatar</p><p>produções recordes que eram totalmente exageradas. Em setembro de 1958,</p><p>o jornal do Partido Comunista, o Diário do Povo (“People’s Daily”), relatou</p><p>uma produtividade média de grãos de 65.000 quilos por mu (660 metros</p><p>quadrados) em Guangxi, quando 500 quilos teria sido uma estimativa mais</p><p>realista.43</p><p>Essas alegações exageradas eram conhecidas como “ sputniks”. Os</p><p>campos de Sputnik, “geralmente criados com a transplantação de plantações</p><p>maduras de vários campos em um único terreno artificial”,44 proliferaram</p><p>na China. Como consequência, o governo aumentou suas exportações de</p><p>grãos de 1,93 milhão de toneladas em 1957 para 4,16 milhões em 1959.</p><p>“Em 1959, quando Mao anunciou que a produção de grãos havia atingido</p><p>375 milhões de toneladas na China, a produção real era provavelmente de</p><p>170 milhões.”45</p><p>Pressionadas pela insistência do Partido Comunista em atingir suas</p><p>metas econômicas, “custe o que custar”, as comunas prometiam grandes</p><p>quantidades de “grãos excedentes” ao Estado. “Com as plantações infladas,</p><p>vieram as cotas de aquisição, que eram muito altas, levando à escassez e</p><p>fome total.”46 Para piorar as coisas, a economia planejada criou um caos</p><p>logístico que, por sua vez, fez com que grandes partes da colheita fossem</p><p>destruídas por doenças nas plantações, ratos e insetos.47</p><p>Mao tentou resolver esse problema com outra campanha em grande</p><p>escala, esta com o objetivo de livrar a China das “Quatro Pragas”: pardais,</p><p>ratos, mosquitos e moscas. Para isso, ele mobilizou toda a população para</p><p>agitar varas e vassouras no ar e criar uma raquete que assustaria os pardais</p><p>até que estivessem tão exaustos de voar que cairiam do céu. Essa campanha</p><p>se mostrou tão eficaz que as pragas “antes controladas por pardais (e outras</p><p>aves) agora prosperaram, com resultados catastróficos. Os apelos dos</p><p>cientistas de que o equilíbrio ecológico seria alterado foram ignorados.”</p><p>Eventualmente, o governo</p><p>chinês enviou um pedido “ultrassecreto” de</p><p>200.000 pardais do Extremo Oriente Soviético para a Embaixada Soviética</p><p>em Pequim.48</p><p>Apesar do agravamento da fome, os chineses relutaram em perder</p><p>prestígio pedindo aos seus aliados russos que suspendessem as exportações</p><p>de grãos e adiassem o pagamento de suas dívidas. Da mesma forma, eram</p><p>orgulhosos demais para aceitar ofertas ocidentais de ajuda.49 Pelo contrário,</p><p>mesmo durante a época de fome mais severa, a China forneceu</p><p>generosamente, e em alguns casos até doou, trigo para a Albânia e outros</p><p>aliados. A política de “exportação acima de tudo” adotada em 1960</p><p>significou que, no auge da fome, todas as províncias foram forçadas a</p><p>entregar mais alimentos do que nunca ao Estado.50 Seja dirigida ao público</p><p>nacional ou ao estrangeiro, a propaganda oficial do regime foi uma tentativa</p><p>desesperada de manter as aparências, negando a existência de fome em um</p><p>sistema socialista. Cálculos subsequentes mostram que uma mudança na</p><p>política poderia ter potencialmente salvado até 26 milhões de vidas</p><p>humanas.51</p><p>Cidadãos desesperados escreveram cartas a Mao e ao chefe de Estado,</p><p>Zhou Enlai, presumindo que não soubessem da fome. Uma dessas cartas</p><p>dizia:</p><p>“Caro presidente Mao, Zhou Enlai e líderes do governo central,</p><p>votos de felicidades para o Festival da Primavera! Em 1958, nossa</p><p>pátria deu um Grande Salto em todos os lugares [...] mas na parte leste</p><p>de Hainan, nos distritos de Yucheng e Xiayi, a vida das pessoas não tem</p><p>sido boa nos últimos seis meses [...] As crianças estão com fome, os</p><p>adultos estão em angústia. Eles estão desnutridos, só pele e osso. A</p><p>causa é o falso relato de números de produtividade. Por favor, ouça o</p><p>nosso pedido de ajuda!”52</p><p>Os funcionários do partido que investigavam a situação no local se</p><p>depararam com cenas terríveis. No condado de Guangshan, eles</p><p>encontraram sobreviventes agachados nos escombros de suas casas,</p><p>chorando silenciosamente no frio intenso. Por toda a China, casas foram</p><p>demolidas para fornecer combustível para altos-fornos e fertilizantes. Em</p><p>Guangshan, um quarto da população de 500.000 pessoas havia morrido e</p><p>sido enterrado em valas comuns.53 A escassez de alimentos foi agravada</p><p>pela morte por fome de milhões e milhões de animais.</p><p>Mao e seus companheiros líderes do partido estavam cientes dos</p><p>problemas, mas por muito tempo tentaram encobri-los ou negá-los. A</p><p>declaração oficial do partido era que, como na guerra, esses sacrifícios eram</p><p>um passo necessário e inevitável na gloriosa criação de uma sociedade</p><p>comunista em um futuro próximo. Três anos de sacrifício não eram um</p><p>preço muito alto a pagar por 1.000 anos de vida em um paraíso comunista.</p><p>Em julho de 1959, Mao proclamou: “A situação em geral é excelente.</p><p>Existem muitos problemas, mas nosso futuro é brilhante!”54</p><p>Ele estava bem ciente de que milhões teriam que morrer para realizar</p><p>esse futuro brilhante, dizendo aos líderes soviéticos durante sua visita a</p><p>Moscou em 1957: “Estamos preparados para sacrificar 300 milhões de</p><p>chineses pela vitória da revolução mundial.”55 Em novembro de 1958,</p><p>“conversando com seu círculo interno sobre os projetos de mão-de-obra</p><p>intensiva, como hidrelétricas e fabricação de ‘aço’ [...], Mao disse:</p><p>‘Trabalhando assim, com todos esses projetos, metade da China pode muito</p><p>bem morrer. Se não a metade, então talvez um terço ou um décimo — 50</p><p>milhões — morre.’”56</p><p>Lin Biao, a quem Mao designou como seu sucessor por sua lealdade</p><p>supostamente inabalável, cunhou um slogan popular: “Navegar pelos mares</p><p>depende do timoneiro. Fazer a revolução depende do pensamento de Mao</p><p>Zedong.” Porém, em seu diário particular, ele confidenciou sua crença de</p><p>que o Grande Salto Adiante foi “baseado em fantasia e foi uma bagunça</p><p>total”.57 Mao acabou sendo forçado a abandonar seu Grande Salto Adiante</p><p>— o que não o impediu de pôr em movimento outro programa político</p><p>igualmente desastroso alguns anos depois. Proclamada em 1966, a</p><p>Revolução Cultural foi uma tentativa ainda mais radical de transformar a</p><p>sociedade chinesa, durante a qual milhões de pessoas acusadas de propagar</p><p>ideias capitalistas ou de criticar o Grande Salto Adiante foram condenadas a</p><p>trabalhos forçados ou torturadas, e centenas de milhares foram mortas.</p><p>As dezenas de milhões de vidas humanas perdidas em consequência de</p><p>outro experimento socialista fracassado não deveriam ter sido uma surpresa</p><p>para os comunistas chineses, que, afinal, viram um desastre de proporções</p><p>semelhantes acontecer na União Soviética na década de 1930. Como na</p><p>China, as tentativas de coletivizar a produção agrícola causaram a morte de</p><p>milhões de pessoas por fome. Infelizmente, os livros de História estão</p><p>cheios de exemplos de experimentos socialistas fracassados, levando</p><p>comunistas em outras partes do mundo a acreditar que seus próprios</p><p>experimentos — em outro país e em outra era — estão fadados ao sucesso.</p><p>As consequências econômicas do reinado de Mao foram desastrosas.</p><p>Dois em cada três camponeses tinham rendimentos mais baixos em 1978 do</p><p>que durante a década de 1950. Um terceiro até viu sua renda cair abaixo dos</p><p>níveis pré-invasão japonesa. Após a morte de Mao em 1976, seus</p><p>sucessores seguiram de forma mais pragmática. Sentindo que o povo chinês</p><p>estava farto de experimentos socialistas radicais, o sucessor imediato de</p><p>Mao, Hua Guofeng, preparou o terreno para um homem que desempenharia</p><p>um papel crucial na transformação da China: Deng Xiaoping. Os sucessores</p><p>de Mao, Deng em particular, foram espertos o suficiente para levar a sério</p><p>algumas palavras de sabedoria confucionista: “Por três métodos podemos</p><p>aprender a sabedoria: primeiro, pela reflexão, que é a mais nobre; segundo,</p><p>por imitação, que é mais fácil; e terceiro pela experiência, que é a mais</p><p>amarga.”</p><p>O caminho da China para o capitalismo</p><p>Tendo aprendido a lição da maneira mais difícil, os chineses agora</p><p>começariam a olhar para o que estava acontecendo em outros países. Para</p><p>os principais políticos e economistas chineses, 1978 marcou o início de um</p><p>período agitado de viagens ao exterior para trazer informações econômicas</p><p>valiosas e aplicá-las no país. As delegações chinesas fizeram mais de 20</p><p>viagens a mais de 50 países, incluindo Japão, Tailândia, Malásia, Singapura,</p><p>EUA, Canadá, França, Alemanha e Suíça.58 Na preparação para a primeira</p><p>visita de funcionários do governo chinês à Europa Ocidental desde a</p><p>fundação da República Popular, Deng se reuniu com o líder da delegação,</p><p>Gu Mu, e vários de seus mais de 20 membros, “pedindo-lhes para ver o</p><p>máximo que pudessem e fazer perguntas sobre como os países anfitriões</p><p>administravam suas economias”.59</p><p>Os membros da delegação ficaram muito impressionados com o que</p><p>viram na Europa Ocidental: aeroportos modernos como Charles de Gaulle</p><p>em Paris, fábricas de automóveis na Alemanha e portos com instalações de</p><p>carregamento automatizadas. Eles ficaram surpresos ao ver o alto padrão de</p><p>vida que até mesmo os trabalhadores comuns desfrutavam nos países</p><p>capitalistas.60</p><p>O próprio Deng viajou para destinos como os EUA e o Japão. Após uma</p><p>visita reveladora à fábrica da Nissan no Japão, ele comentou: “agora eu</p><p>entendo o que significa modernização”.61 Os chineses ficaram</p><p>especialmente impressionados com os sucessos econômicos nos outros</p><p>países asiáticos.</p><p>“Embora pouco conhecido, o dinamismo econômico dos países</p><p>vizinhos em particular era visto como um modelo a seguir. A economia</p><p>japonesa, que passou de um estado de destruição em 1945 para quebrar</p><p>todos os recordes de crescimento na década de 1950 em diante, criando</p><p>uma sociedade de consumo moderna, bem como indústrias de</p><p>exportação competitivas, fez as conquistas de Mao fracas em</p><p>comparação.”62</p><p>Em sua visita a Singapura, Deng ficou particularmente impressionado</p><p>com a economia local, que era muito mais dinâmica do que a chinesa. Lee</p><p>Kuan Yew, o fundador de Singapura e primeiro-ministro de longa data,</p><p>lembra:</p><p>“Eu disse a Deng durante um jantar em Singapura em 1978 que nós,</p><p>os chineses de Singapura, éramos descendentes de camponeses sem</p><p>terra analfabetos de Guandong e Fujian, no sul da China</p><p>[...] Não havia</p><p>nada que Singapura tivesse feito que a China não pudesse fazer e que</p><p>fizesse melhor. Ele ficou em silêncio então. Quando li que ele disse ao</p><p>povo chinês para fazer melhor do que Singapura, eu sabia que ele havia</p><p>aceitado o desafio que eu discretamente lancei para ele naquela noite,</p><p>quatorze anos antes.”63</p><p>As descobertas das delegações foram amplamente divulgadas na China,</p><p>tanto dentro do Partido Comunista quanto entre o público em geral. Tendo</p><p>visto com seus próprios olhos o alto padrão de vida dos trabalhadores no</p><p>Japão, por exemplo, os membros das delegações começaram a perceber até</p><p>que ponto a propaganda comunista sobre os benefícios do socialismo em</p><p>comparação com a miséria das classes trabalhadoras pobres nos países</p><p>capitalistas fora baseada em mentiras e invenções. Era óbvio para qualquer</p><p>pessoa que realmente viajou para esses países que exatamente o oposto era</p><p>verdade. “Quanto mais vemos (do mundo), mais percebemos o quão</p><p>atrasados somos”, declarou Deng repetidamente.64</p><p>No entanto, esse novo entusiasmo pelos modelos econômicos de outros</p><p>países não levou a uma conversão instantânea ao capitalismo, nem a China</p><p>imediatamente abandonou sua economia planejada em favor de uma</p><p>economia de mercado livre. Em vez disso, houve um lento processo de</p><p>transição, começando com esforços experimentais para conceder maior</p><p>autonomia às empresas públicas, que levou anos, até décadas, para</p><p>amadurecer, e contou com iniciativas de baixo para cima (bottom-up) tanto</p><p>quanto com reformas lideradas por partidos de cima para baixo (top-down).</p><p>Após o fracasso do Grande Salto Adiante, os camponeses, num número</p><p>cada vez maior de aldeias, começaram a burlar a proibição oficial da</p><p>agricultura privada. Os quadros do partido permitiram que continuassem, já</p><p>que foram rapidamente capazes de obter resultados muito maiores.</p><p>Inicialmente, esses experimentos foram restritos às vilas mais pobres, onde</p><p>quase qualquer resultado teria sido melhor do que o status quo. Em uma</p><p>dessas vilas, “amplamente conhecida na região como uma ‘vila de</p><p>mendigos’”, os quadros</p><p>“decidiram alocar apenas terras marginais para famílias em duas</p><p>equipes de produção, enquanto mantinham a agricultura coletiva intacta</p><p>em outros lugares. Naquele ano, a produção das terras marginais, mas</p><p>cultivadas de forma privada, era três vezes maior do que a das terras</p><p>férteis cultivadas coletivamente. No ano seguinte, mais terras foram</p><p>privatizadas em mais equipes de produção.”65</p><p>Muito antes de a proibição oficial da agricultura privada ser suspensa em</p><p>1982, iniciativas lideradas por camponeses para reintroduzir a propriedade</p><p>privada contra a doutrina socialista surgiram em toda a China.66 O resultado</p><p>foi extremamente bem-sucedido: as pessoas não estavam mais morrendo de</p><p>fome e a produtividade agrícola aumentou rapidamente. Em 1983, o</p><p>processo de descoletivização da agricultura chinesa estava quase completo.</p><p>O grande experimento socialista de Mao, que custou tantos milhões de</p><p>vidas, havia acabado.</p><p>A transformação econômica da China não foi de forma alguma restrita à</p><p>agricultura. Em todo o país, muitas empresas municipais operavam cada</p><p>vez mais como empresas privadas, embora ainda estivessem formalmente</p><p>sob propriedade pública. Liberadas das restrições da economia planejada,</p><p>essas empresas frequentemente superavam seus concorrentes estatais menos</p><p>ágeis. Entre 1978 e 1996, o número total de pessoas empregadas nessas</p><p>empresas aumentou de 28 milhões para 135 milhões, enquanto sua</p><p>participação na economia chinesa cresceu de 6% para 26%.67</p><p>A década de 1980 viu o estabelecimento de um número crescente de</p><p>empresas de propriedade coletiva (COEs) e empresas de municípios e</p><p>vilarejos (TVEs) — empresas de fato administradas de forma privada sob o</p><p>disfarce de empresas coletivas.68 Legalmente pertencentes às autoridades</p><p>municipais, elas turvaram a distinção entre propriedade estatal e privada.</p><p>Consequentemente, o cientista político alemão e especialista na China,</p><p>chamado Tobias ten Brink, argumenta que o “controle real” sobre o acesso a</p><p>recursos específicos é mais importante do que a propriedade formal.69 Em</p><p>sua análise do capitalismo chinês, ten Brink distingue entre o status legal</p><p>formal e a função econômica real.70 No entanto, no curso da onda</p><p>subsequente de privatizações da China, esses COEs se tornaram</p><p>consideravelmente menos importantes em comparação com empresas</p><p>privadas autênticas.</p><p>Inicialmente, o crescimento da propriedade privada em toda a China foi</p><p>impulsionado por um número crescente de empreendedores de pequena</p><p>escala, que abriram empresas que só podiam empregar no máximo sete</p><p>pessoas. Sob Mao, a China — como outros países socialistas — ostentava</p><p>uma taxa oficial de desemprego de zero. As “soluções” para a prevenção do</p><p>desemprego incluíram o realojamento de milhões de jovens das cidades</p><p>para o campo para “reeducação”. Durante a década de 1980, um número</p><p>crescente de pessoas aproveitou a oportunidade para abrir pequenas</p><p>empresas.</p><p>Inicialmente, eles passaram necessidade e sofreram discriminação. Os</p><p>pais não permitiriam que suas filhas se casassem com alguém que possuía</p><p>ou trabalhava em uma dessas pequenas empresas porque suas perspectivas</p><p>econômicas eram consideradas incertas. Qualquer empresário que</p><p>empregasse mais de sete pessoas era considerado um explorador capitalista</p><p>e, portanto, infringia a lei. “Para contornar essa e outras restrições, muitas</p><p>empresas privadas eram forçadas a usar um ‘chapéu vermelho’ — filiando-</p><p>se a um governo municipal e de vila e, assim, transformando-se em uma</p><p>empresa municipal e de vila, ou com um comitê de rua ou outra agência</p><p>governamental local nas cidades, tornando-se um empreendimento</p><p>coletivo.”71</p><p>Por fim, mais e mais pessoas perceberam que administrar uma empresa</p><p>como empresário autônomo conferia consideráveis vantagens financeiras,</p><p>bem como um maior nível de liberdade. Em muitos casos, barbeiros</p><p>autônomos ganhavam mais que cirurgiões em hospitais públicos,</p><p>vendedores ambulantes mais que cientistas nucleares. O número de</p><p>empresas domésticas autônomas e empresas individuais aumentou de</p><p>140.000 em 1978 para 2,6 milhões em 1981.72</p><p>No entanto, os defensores do socialismo se recusaram a desistir tão</p><p>facilmente e, em 1982, o Comitê Permanente do Congresso do Povo</p><p>aprovou a “Resolução Para Atacar Duramente Contra Crimes Econômicos</p><p>Graves”, que fez com que mais de 30.000 pessoas fossem presas até o final</p><p>do ano.73 Em muitos casos, seu único crime foi lucrar ou empregar mais de</p><p>sete pessoas.</p><p>A erosão crescente deste sistema socialista, que exclusivamente permitia</p><p>a propriedade pública sob a gestão de uma autoridade estatal de</p><p>planejamento econômico, foi acelerada pela criação de Áreas Econômicas</p><p>Especiais. Essas foram áreas onde o sistema econômico socialista foi</p><p>suspenso e as experiências capitalistas foram permitidas. A primeira Área</p><p>Econômica Especial foi criada em Shenzhen, distrito adjacente à capitalista</p><p>Hong Kong, que, na época, ainda era uma colônia da coroa britânica. Assim</p><p>como na Alemanha, onde um número crescente de pessoas fugiram do</p><p>Leste para o Oeste antes da construção do Muro de Berlim (ver Capítulo 3),</p><p>muitos chineses tentaram deixar a República Popular e ir para Hong Kong.</p><p>O distrito de Shenzhen, na província de Guangdong, foi o principal canal</p><p>para essa emigração ilegal.</p><p>Ano após ano, milhares de pessoas arriscaram suas vidas tentando cruzar</p><p>o limite fortemente guardado da China socialista para a capitalista Hong</p><p>Kong. A maioria foi capturada por patrulhas de fronteira ou se afogou na</p><p>tentativa de nadar através da divisa marítima. O campo de internamento</p><p>perto da fronteira, onde os capturados pelos chineses eram mantidos, estava</p><p>completamente superlotado.</p><p>Como na República Democrática Alemã, qualquer pessoa que tentasse</p><p>fugir da China comunista foi denunciada como inimiga pública e traidora</p><p>do socialismo. No entanto, Deng foi inteligente o suficiente para perceber</p><p>que uma intervenção militar e controles de fronteira mais rígidos não</p><p>resolveriam o problema subjacente.</p><p>Quando a liderança</p><p>do partido na província de Guangdong investigou a</p><p>situação com mais detalhes, encontrou refugiados da China continental que</p><p>viviam em uma aldeia que haviam estabelecido no lado oposto do rio</p><p>Shenzhen, no território de Hong Kong, onde ganhavam 100 vezes mais</p><p>dinheiro que seus antigos compatriotas do lado socialista.74</p><p>A resposta de Deng foi argumentar que a China precisava aumentar os</p><p>padrões de vida para conter o fluxo.75 Shenzhen, então um distrito com uma</p><p>população de menos de 30.000 habitantes, tornou-se o local do primeiro</p><p>experimento de mercado livre da China, possibilitado por quadros do</p><p>partido que haviam estado em Hong Kong e Singapura e viram em primeira</p><p>mão que o capitalismo funcionava muito melhor do que o socialismo.</p><p>Esta antiga vila de pescadores, que antes era um lugar onde muitos</p><p>colocavam suas vidas em risco para deixar o país, se tornou hoje uma</p><p>metrópole próspera com uma população de 12,5 milhões e uma renda per</p><p>capita mais alta do que qualquer outra cidade chinesa, exceto Hong Kong e</p><p>Macau. As indústrias de eletrônicos e comunicações são os pilares da</p><p>economia local. Apenas alguns anos após o início da experiência capitalista,</p><p>o conselho da cidade de Shenzhen teve que construir uma cerca de arame</p><p>farpado ao redor da Zona Econômica Especial para lidar com o influxo de</p><p>migrantes de outras partes da China.76</p><p>Logo, outras regiões seguiram o exemplo e experimentaram o modelo de</p><p>Zona Econômica Especial. Impostos baixos, preços de arrendamento de</p><p>terras e requisitos burocráticos tornaram essas Zonas Econômicas Especiais</p><p>extremamente atraentes para investidores estrangeiros.77 Suas economias</p><p>eram menos regulamentadas e mais orientadas para o mercado do que as de</p><p>muitos países europeus hoje. Após uma reforma em 2003, a China tinha</p><p>cerca de 200 Zonas de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico</p><p>Nacional controladas pelo governo que se estendiam até o interior do país,</p><p>bem como até 2.000 Zonas de Desenvolvimento sob supervisão regional ou</p><p>local que não eram controladas diretamente pelo governo central. “Com o</p><p>tempo, as fronteiras entre as Zonas Especiais e o resto da economia</p><p>tornaram-se cada vez mais turvas”.78</p><p>No entanto, as reformas econômicas foram indiferentes. As empresas</p><p>públicas da economia planejada socialista continuaram a coexistir com</p><p>empresas privadas de vários tipos e Zonas Econômicas Especiais. Em uma</p><p>economia capitalista, os empresários se inspiram na flutuação dos preços e</p><p>investem de acordo, enquanto em uma economia socialista os preços são</p><p>fixados por funcionários públicos que trabalham para as autoridades de</p><p>planejamento. Na China, a coexistência de ambos os modelos levou a uma</p><p>situação caótica de preços. No final da década de 1980, a inflação aumentou</p><p>rapidamente, com o índice de preços saltando de 9,5% em janeiro de 1988</p><p>para 38,6% em agosto do mesmo ano.79</p><p>Os partidários das reformas interpretaram isso como uma prova de que</p><p>as medidas tomadas até então não foram suficientemente abrangentes,</p><p>enquanto seus críticos se agarraram à crença de que os problemas foram</p><p>causados pelo abandono dos princípios socialistas. A turbulência política</p><p>que culminou na repressão brutal de uma manifestação estudantil em</p><p>Pequim em junho de 1989, que, de acordo com estimativas da Anistia</p><p>Internacional, resultou na perda de várias centenas ou mesmo milhares de</p><p>vidas,80 apenas agravou a situação — assim como os eventos que levaram</p><p>ao colapso dos regimes comunistas na União Soviética e em todo o Leste</p><p>Europeu socialista. A liderança comunista da China temia uma perda de</p><p>poder semelhante.</p><p>Contra esse cenário, os defensores de reformas mais abrangentes lutaram</p><p>para se defender contra acusações de que estavam tentando abolir o</p><p>socialismo e transformar a China em um país capitalista. Embora Deng não</p><p>ocupasse nenhum cargo público na época, ele decidiu intervir. As</p><p>entrevistas que ele deu durante uma visita a Shenzhen e Xangai atraíram</p><p>muita atenção em toda a China. Ele passou cinco dias em Shenzhen e</p><p>expressou seu espanto com a extensão da transformação da região desde sua</p><p>última visita em 1984. Ele ficou impressionado com as avenidas</p><p>magníficas, arranha-céus resplandecentes, ruas comerciais movimentadas e</p><p>um número aparentemente infinito de fábricas. As pessoas se vestiam com</p><p>roupas da moda e eram proprietárias de relógios caros e outros itens de</p><p>luxo. A receita deles era três vezes maior do que no resto da China.81 O</p><p>“Southern Tour” de Deng fez história e sua crítica aberta aos que se</p><p>opunham a novas reformas teve destaque na mídia chinesa. Em 21 de</p><p>fevereiro de 1992, um dia antes de Deng retornar a Pequim, o Diário do</p><p>Povo publicou um artigo de opinião muito discutido sob o título “Seja Mais</p><p>Ousado na Reforma”.82</p><p>Embora Deng e seus colegas defensores das reformas de livre mercado</p><p>continuassem a dizer ser a favor do socialismo, eles redefiniram o termo</p><p>para significar algo bem diferente de uma economia planejada controlada</p><p>pelo Estado. Para eles, o socialismo era um “sistema aberto que deveria</p><p>‘recorrer às conquistas de todas as culturas e aprender com outros países,</p><p>incluindo os países capitalistas desenvolvidos’”.83</p><p>Ao contrário dos líderes políticos da União Soviética e de outros antigos</p><p>Estados-Membros do bloco oriental, onde a ideologia marxista foi sujeita a</p><p>duras críticas após o colapso do socialismo, Deng e seus companheiros</p><p>reformistas na China não denunciaram o Marxismo. No entanto, sua versão</p><p>do Marxismo não tinha nada em comum com as teorias originalmente</p><p>formuladas por Karl Marx:</p><p>“A essência do Marxismo é buscar a verdade dos fatos. Isso é o que</p><p>devemos defender, não a adoração de livros. A reforma e a política</p><p>aberta tiveram sucesso não porque confiamos nos livros, mas porque</p><p>confiamos na prática e buscamos a verdade dos fatos [...] A prática é o</p><p>único critério para testar a verdade. ”84</p><p>Cada vez mais, os reformadores venceram. O número de empresas</p><p>privadas aumentou drasticamente de 237.000 em 1993 para 432.000 no ano</p><p>seguinte. Os investimentos de capital em empresas privadas multiplicaram-</p><p>se por 20 entre 1992 e 1995. Só em 1992, 120.000 funcionários públicos</p><p>deixaram seus empregos e 10 milhões tiraram licença não remunerada para</p><p>abrir empresas privadas. Milhões de professores universitários, engenheiros</p><p>e graduados seguiram o exemplo. Até o Diário do Povo publicou um artigo</p><p>com o título “Quer Ficar Rico, Fique Ocupado!”85</p><p>A proclamação oficial da economia de mercado no XIV Congresso do</p><p>Partido Comunista Chinês em outubro de 1992 — um passo que seria</p><p>impensável apenas alguns anos antes — provou ser um marco no caminho</p><p>para o capitalismo. As reformas continuaram ganhando força. Embora o</p><p>partido não tenha dispensado totalmente o planejamento econômico, a lista</p><p>de preços fixados pelo governo para matérias-primas, serviços de transporte</p><p>e bens de capital foi reduzida de 737 para 89, com uma redução adicional</p><p>para apenas 13 em 2001. A porcentagem de bens intermediários (ou seja,</p><p>produtos que são feitos durante um processo de fabricação, mas que</p><p>também são usados na produção de outros bens) negociados a preços de</p><p>mercado aumentaram de 0% em 1978 para 46% em 1991 e 78% em 1995.86</p><p>Em um desenvolvimento paralelo, foram feitas tentativas de reformar as</p><p>empresas estatais. Sendo anteriormente propriedades públicas, muitas agora</p><p>eram propriedades parciais de cidadãos privados e investidores estrangeiros.</p><p>Os seus empregados perderam a garantia do emprego vitalício, embora</p><p>tenham recebido um pagamento único a título de indenização. O governo</p><p>também introduziu benefícios de seguridade social.</p><p>Os reformadores inicialmente esperavam tornar as empresas públicas</p><p>mais eficientes, introduzindo esquemas de pagamento relacionados ao</p><p>desempenho para altos executivos e funcionários. Eles também trouxeram</p><p>profissionais para substituir os quadros de alto escalão que eram</p><p>encarregados dos processos de tomada de decisão.87</p><p>Essas etapas obtiveram algum progresso, bem como elevaram a moral</p><p>dos funcionários. No entanto, eles não conseguiram resolver a questão-</p><p>chave, isto é, que as empresas</p>
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